segunda-feira, 26 de setembro de 2011

SONETO: "IN SOGNO..." ( PR' UMA AQUARELA À PABLO NERUDA)


Mulher dormindo de Pablo Picasso, (1936), tecnica mista em tela 65X56 cm. Coleção particular.






à memória de Alfredo Catalani






Porque eu te amo, dormirás agora
a repousar teu sono no meu sonho.
Que a tua boca e o teu silêncio sejam
estas fissuras pelo amor abertas.   


No pequeno infinito de teu corpo 
revivem com meus beijos tuas formas
e a oculta luz de tua terra e flores
que dormem rodeadas por meus braços.


Assim me abraço à toda arquitetura 
intervalo entre os frutos e as raízes  
porvir do barro, espaços e serenos


para colher apenas tua carne
para tornar a ver-te e te habitar 
ó girassol voltado para as sombras. 



quarta-feira, 21 de setembro de 2011

"INDEPENDENTE"... NOVO CD DO CANTOR E COMPOSITOR PAULO AKENATON...


Capa do CD Independente de Paulo Akenaton.
Contactos e vendas pelo E-mail: pauloakenaton@hotmail.com



Compositor e cantor de formação autodidata, Paulo Akenaton, consegue transitar por vários gêneros musicais, estabelecendo pontes estéticas muito ligadas à MPB, perseguindo um registro sonoro calcado e influenciado na pesquisa de resgate, ao mesmo tempo, da expressão cultural urbana e da cultural rural.

Com uma bagagem musical que vai dos clássicos, da MPB, do samba de raiz, do Jazz e avançando para as novidades brasileiríssimas, Akenaton passeia por campos harmônicos bem peculiares, com seu violão, ao qual teve contato só aos 15 anos de idade. Têm pouco mais de 10 anos de carreira, e dois CDs gravados, o primeiro em 2005, chamado Paulo Akenaton, e o segundo em 2010, chamado Independente.

Premiado, em 2007, como a Melhor Música no Festival Vozes da Terra, em Feira de Santana e foi finalista, no mesmo ano, no Festival Universitário Regional de Estudantes (UNIFEST). Como cantor, compositor e arranjador integrou vários projetos musicais e, vem mostrando o seu atual trabalho tanto nas estradas que compõe o nosso mundo real quanto virtual. É o que podemos constatar nesta pequena amostra de seu imenso talento: pauloakenaton@hotmail.com

Para quem quiser contratá-lo para shows, ou, simplesmente, comprar seu CD, seu contato é: pauloakenaton@hotmail.com






ENTREVISTA: CONCEDIDA A HILTON VALERIANO PARA O BLOG "POESIA DIVERSIDADE", NO DIA 22 DE MARÇO DE 2011...

 
O poeta Silvério Duque (1978-     )



Pode a poesia expressar a busca permanente do homem pelo belo, pelo eterno, pelo sublime estigma do Ser entre a transitoriedade constitutiva de todas as coisas? Há poetas que cantam ruínas cotidianas. Há poetas que cantam o derradeiro sonho primevo, anterior a Queda, grande narrativa simbólica das ações humanas e seus anseios pela perfeição, pela unidade, arquetípico platônico, Éden Bíblico. Assim é Silvério Duque, um poeta definitivo. Seu livro, A pele de Esaú, manifesta em forma e conteúdo, uma lírica existencial, metafísica, como grandes são os poetas desse gênero, Jorge de Lima, Rilke, T.S. Eliot, para citar alguns. Verdadeira catarsis aristotélica, que busca no precário horizonte da vida, o desvelamento do eterno, a justificação de todo itinerário outorgado ao homem como seu destino: "Hoje, é chegado o tempo dos retornos/e toda forma espera o seu ofício/como o vaso existente em todo barro". Purificação de uma busca que se inicia pelo Amor: "Teu corpo me é louvor e desengano/e eu sou como que um sopro em teus anseios", e prossegue pela arte: "Toda palavra se renova em seu ofício,/todo verso vasculha venhas cinzas", porque a criação do poeta compartilha o gesto do Criador: "É preciso criar quando se crê,/é necessária a fé antes do fim,/rogar por quem (na fé) perdeu seu Deus.../Neste poema há mais que a minha vida". Se pertence à essência humana buscar a eternidade, essa busca realiza-se na temporalidade de nosso exílio: Somos a nossa ação por sobre o tempo, diz o poeta em seu verso. E assim, Silvério Duque exerce seu ofício de porta-voz do Eterno pela arte que pratica como exímio escritor.

(Hilton Valeriano)
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ENTREVISTA:

Hilton Valeriano: 1) – Como ocorreu seu contato inicial com a poesia?



Silvério Duque: Eu comecei, muito cedo, a ler poesia; escrever, no entanto, foi algo que veio depois... bem depois. E eu, sinceramente, não conseguiria dizer, com certeza, quando ou como foi, verdadeiramente. Sei que apareceu, sei que Fernando Pessoa, Drummmond, Camões, Shakespeare, Dante, e, logo depois, Eurico Alves Boaventura, Manuel Bandeira, João Cabral, Rilke, Tolentino, começaram a fazer parte de minha vida... mas, hoje, prefiro acreditar, o me limitar a responder, na seguinte idéia: Poeta nascitur, orator fit, como diria Sêneca.


2) – Como é seu procedimento ao escrever um poema?

A idéia me vem. Aí, eu a capturo, “deixo rolar”, como dizem os mais jovens. Depois, ponho “no complicador”, como diria o João Cabral. Tenho poemas feitos de uma só vez, cujos retoques foram mínimos e outros que levaram horas, dias, meses e até anos. Em meu próximo livro, Ciranda de Sombras, a sair pela É Realizações, há um poema que construir ao longo de oito anos... Retoco aqui, refaço ali, reproduzo e experimento várias combinações sonoras. Sou músico, componho um poema como quem combina notas, melodias, harmonias, timbres... Este é o caminho de quem quer algo bem feito, é o caminho percorrido pelos grandes, é o caminho que quero e devo seguir. Se o resultado, ao final, foi ruim, a culpa não é de todo minha... luto constantemente com as palavras para que elas me dêem um pouco do que elas têm de melhor. Quem faz o contrário é um idiota preso à sua própria vaidade de inepto.


3) – O que é poesia para Silvério Duque?

É uma afirmação diante da vida e de suas limitações. A poesia é uma das poucas coisas que, eu sei, valer, verdadeiramente, alguma coisa. Com ela, a vida é maior e já não sei olhar para ávida (ou para mim mesmo) sem olhar para ela, para a poesia, pois nos tornarmos uma coisa só, o mesmo propósito, a mesma vontade de completude. Ela me dá a certeza de que é possível criar, realizar... E realizar é afirmar a vida, vencer a morte; como eu mesmo escrevi, para um amigo poeta que morria de câncer:


É preciso criar para sentir;
nada somos se nada construímos,
pois se nada inventamos, nada existe...
Somos a nossa ação por sobre o tempo.


No dia em que tecemos tudo vive,
realizar é escapar da morte... mas,
não durarei apenas entre os outros,
pois dou aos versos usos e clarezas.


De tanta falta e busca me revejo,
de tanto amor e anseio, me reinvento,
nessas rotas e fugas me refaço.


Necessário é criar e a vida é pouca,
no dia em que eu me faço estou e existo.
Neste poema há todos os meus passos.




4) – Como você vê o atual panorama da poesia brasileira contemporânea?


Eis, aí, uma pergunta difícil...

A poesia, em nosso País, sempre foi algo muito forte, ligada demasiadamente à construção de nossa nação, à nossa idéia de brasileiros, à identidade brasileira. O problema é que, de uns tempos para cá, alguns critérios muito básicos vêm mudando radical e erroneamente. Exceto por uma duas dúzias de esmerados perdidos por nosso vasto território, a cultura, que, no Brasil, um dia, se chamou de erudita, é quase uma alucinação.

Um dos grandes problemas de nossa atual sociedade foi desaprender o sentido, tanto teórico quanto prático, da palavra “critério”, ou mesmo “juízo” e “discernimento”. De pessoas que acham, por exemplo, que a Ivete Sangalo é a maior cantora do Brasil porque cantou no Madison Square Garden ou que o Romero Britto, que, claro, possui lá o seu valor, é um grande pintor porque vendeu quadros para a Madona e para a mulher do Arnold Swarchenegger...“me poupe”! E a poesia, principalmente a contemporânea, acabou sofrendo muito com isso, também. Assim, se tu me perguntas sobre a nossa poesia e se ela vai bem, é claro que vai, sempre foi maravilhosa. A questão é que a poesia, mesmo se apresentando como uma forma de arte menos comercial e, muitas vezes, “sisuda”, não se livrou deste problema que no Brasil é grave, crônico e contagioso; por isso é preciso, infelizmente, dividir a poesia em dois extremos bem distintos: de um lado, aquela que ocupa a maioria das revistas, jornais e programas ditos especializados que, em sua maioria serve apenas para maquiar a total ignorância e a falta de apreciação mais acurada, aliada às trocas de favores, ao cooperativismo porco, à industria da promoção, dos diplomas, das orelhinhas de livros; do outro, aquela poesia distante da grande maioria destes veículos, feitas por pessoas que sabem que a poesia é a mais perfeita das redações, que ela não se nivela por baixo e que deveria constar nos livros de literatura e em todo material didático que chega às mãos de nossos alunos, porém, o que acontece é que aquilo que há de pior, ou, no melhor dos casos, de mais simples, óbvio e, digamos, de fácil digestão, à maneira da axé music e do hip hop, é o que se acaba estudando e aprendendo como a única poesia existente no Brasil, e isso é uma inverdade cruel e sínica, mas, ouça o que te digo, a história, no fim, excluirá os covardes, os inéptos, os sem talento, os sem critério, os sem noção...

Mas, ainda contamos com grandes nomes, como Bruno Tolentino, Alberto da Cunha Melo, Orides Fontela, Hilda Hilzt, Ildásio Tavares, por exemplo, que, mesmo mortos, ainda que há pouquíssimo tempo, são nossos contemporâneos, incluindo mestres da velha guarda como Ferreira Gullar, Ariano Sussuna, Reynaldo Valinho Alvarez, Adélia Prado, Mirian Fraga, Antônio Brasileiro e Conceição Paranhos, Florisvaldo Mattos, João Carlos Teixeira Gomes, que ainda estão vivos e nos ensinando cada vez mais. Estes são nossos contemporâneos, claro.

Agora, se tu me perguntas, mais especificamente, de nomes e poetas mais novos, em todos os sentidos, eu muito me contento em ler os trabalhos de Rodrigo Petrônio, autor de Venho de um país selvagem, que, inclusive, ganhou prêmio, aqui, na Bahia; Érico Nogueira, Marco Catalão, Jorge Elias Neto, ou de baianos – por que acontece que eu também sou baiano –, que são responsáveis por manter uma tradição de qualidade e beleza que provem desde Gregório de Matos, passando por Castro Alves e outros mais, como Bernardo Linhares, que nos apresenta uma poesia madura e admirável, onde forma fixa, aliada à livre cadência de ritmos, compõe uma das obras mais singulares de nossos últimos tempos por se tratar, principalmente, de um livro contemplativo, que nos apresenta uma postura positiva da vida e de toda a beleza que ela nos oferta dia após dia, e, em um caso que vai um pouco além do ofício de poeta; Gustavo Felicíssimo, que é o paulista mais baiano que conheço e um dos poetas mais disciplinados e talentosos de minha geração, por assim dizer, responsável por reunir e divulgar, em seu livro Diálogos (Ilhéus/Itabuna: Via Litterarum/Editus, 2009.), uma dos maiores grupos de poetas que o Brasil já possuiu, todos baianos, da região Grapiúna, onde, sem dúvida nenhuma, se produz, atualmente, a melhor poesia da Bahia e uma das melhores do País.

Quem se aventurar nas páginas de Diálogos, encontrará a síntese perfeita entre imagem e palavra na econômica, porém dialética, poesia de Edson Cruz; o verso sincero e livre de Heitor Brasileiro Filho; a delicada angústia de Noélia Estrela; os formais e coloquiais sonetos de Piligra; a enigmática literatura de George Pellegrini; o erotismo pujante e lírico de Rita Santana; o verso livre e apaixonado de Fabrício Brandão; o deslumbramento reflexivo de Daniela Galdino; os haicais (e falando em haicais já se diz tudo) de Mither Amorim; o esmiuçar emotivo de Geraldo Lavigne. Além do mais, o leitor constatará uma coisa óbvia: o trabalho sério e impressionante do pesquisador e organizador Gustavo Felicíssimo, que, entre critérios estéticos e políticos, constrói uma obra de referência, onde novas vozes se misturam, em igual índole, a nomes referencias como Sosígenes Costa, Adelmo Oliveira e Cyro de Mattos e para onde não encontramos sinais de nenhum “verbalista” que, como bem acentuou, certa vez, o filósofo Olavo de Carvalho, são os ditos "poetas que saltam direto do estímulo verbal à reação emotiva, sem passar pelo trabalho de imaginação e muito menos pela triagem crítica das representações imaginativas e cuja sua tendência é buscar a comoção ante os simples jogos vocabulares que, bem examinados, não significam absolutamente nada e nem poderão suscitar emoção nenhuma a não ser no sucesso do movimento Concretista que se deveu a propagação do verbalismo no lugar do verdadeiro poeta...”

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E se tu (e o leitor) ainda me permitir mais um exemplo – eu disse que esta pergunta era um problema – ainda temos o caso de poeta Patrice de Moraes, que, por ainda não ter seu trabalho muito divulgado e nem lançado por uma editora, merece um tratamento um pouco especial.

Falar de Patrice de Moraes é falar de um homem de extraordinário talento, cuja produção poética, segundo o dizer de Jessé de Almeida Primo, tranqüiliza a toda crítica “por não deixá-la em dúvida quanto à sua qualidade”, não restando objeções ao seu domínio de um ofício de eleitos: a Poesia. Poesia sem medos: sem medo de mostrar suas influências, de apontar para as fontes de onde se embebera, seja uma poetisa grega, morta a mais de vinte e seis séculos ou um mineiro introspectivo, cuja derradeira herança foi um livro de versos eróticos; seja um poeta português que foi tantos ou um paraibano que não foi menos que único. Poesia sem medo de mostrar sem disfarces e subterfúgios ou de encontrar aquela liberdade presente nas formas fixas que só um grande poeta sabe dar e reconhecer. Sem medo de não se mostrar pessoal e sincera, sem perder a boa e velha veia fingidora. Sem medo de ser poesia pura e depurada. Poesia como poesia deve ser. E para ser possível obter algo assim faz-se necessário munir-se de três grandes e indispensáveis requisitos: o talento a disciplina e o amor ao que faz que, a tudo, nos obriga. Quando me refiro à poesia de Patrice de Moraes, refiro-me a uma poesia que sempre se quer cinética, que pretende romper os limites da impressão simplória e alçar à consubstanciação da mais pura e didática alegoria, ou seja, uma poesia que substitui o abstrato pelo aparentemente concreto, ou, como melhor definiu Coleridge, citado por César Leal em seu Os cavaleiros de Júpiter, uma “transposição de noções abstratas para uma linguagem de cores”. Assim, cada poema de Patrice faz-se de imagens intencificadoras, dentro de um sistema que permite muito bem a isso; uma imagem representando um conceito ao qual se pretende, ou, simplesmente, comunicar, por meio de imagens puras e gradativas, o despertar dos sentidos, onde certas questões, como a do erotismo, são bem menos um assunto do que uma maneira de metaforizar, como nos dirá Jessé de Almeida Primo: “nesse sentido, sua poesia é tão erótica quanto toda poesia de qualidade deve ser, pouco importando seu assunto”.

Mas é, evidentemente, o próprio Patrice de Moraes, quem nos dá o melhor exemplo:


Se tens em ti a alma seduzida
a contemplar o Belo onipresente,
pensa que esse recurso reverente
levar-te-á à terra prometida.


Não àquela da Bíblia conhecida.
Mas outra situada num ambiente
onde sentir é fonte permanente
de ilustrações poéticas da vida.


Falo-te com profética certeza
porque assim que a existência foi-me empresa
às bases da contemplação do Belo


meu coração coitado preparou-se
a receber o AMOR como se fosse
o prego feito à imagem do martelo.




5) – A inovação em termos de poesia é sempre necessária? Existe uma tradição perene em regiões especificas do nosso país, como o Grande Nordeste?
 
Como afirmei, no início de nossa conversa, A poesia, aqui, no Brasil, sempre foi algo muito forte, ligada demasiadamente à construção de nossa nação, à nossa idéia de brasileiros, à identidade brasileira. E é claro que há uma tradição histórica ligada aos grandes centros culturais: no Nordeste (Bahia, Pernambuco e Maranhão), principalmente, por causa dos primeiros dois séculos de nossa formação, em Minas Gerais, graças aos Inconfidentes e no Rio de Janeiro, por tudo que veio dos primeiros anos do século XIX para cá. Eis os nossos grandes centros, lugares onde há uma tradição de poesia, onde a própria poesia é uma tradição. Todavia, mais do que tradição, ou inovação, necessitamos de boa poesia, de poesia de qualidade e é aí que começa um problema que já discutimos...


6) – Comente sobre a influência bíblica presente nos poemas de seu livro A pele de Esaú.



Eu penso da seguinte forma: como não ter esta influência? Ela está em nós por mais que não queiramos aceitar, pois é na Bíblia que está o nosso Mito Fundador. Leia o artigo: Do mito à ideologia, de Olavo de Carvalho, no Jornal da manhã do dia 21 de março de 2001. Um autêntico Mito Fundador é uma verdade inicial compactada que, no decorrer da História, vai desdobrando o seu sentido e florescendo sob a forma de ciência, de leis, de valores, de civilização, não sendo ele mesmo um produto da cultura por ser ele mesmo a semente de uma cultura possível. Basicamente, prossegue o filósofo, um Mito fundador constitui-se, em geral, de uma narrativa simbólica de fatos que efetivamente os sucederam que de tão essenciais e significativos que acabam por transferir parte de seu padrão de significado para tudo o que venha a acontecer em seguida numa determinada área civilizacional. A Bíblia é o Mito Fundador da civilização ocidental. E de que maneira este Mito Fundador se nos apresenta, e nos é repassado ao longo da História? Através da Literatura, primordialmente... Oral, depois escrita, xilogravada, depois pintada, melodiada por Bach etc. e tal... A arte é uma das muitas punções de um Mito Fundador. Quando Northrop Frye afirma ser, a Literatura Ocidental, uma variação dos enredos bíblicos, ele não só demonstra a existência e a importância do Mito Fundador como nos dá um belo exemplo do poder que a Poesia e a Arte exercem sobre nós ao longo de milênios. Até mesmo o Marxismo (que para mim é uma coisa abjeta) no que ele, supostamente, tem de melhor, é um mero decalque do Cristianismo.



No contexto mais específico d’A pele de Esaú, procurei, na figura de um Esaú destituído de seu destino, elaborar uma associação de sentimentos e pensamentos, buscando a verticalidade de múltiplos personagens que se querem fundir em um só. Afinal, o drama de Esaú é de todo ser humano, criatura destituída de seu verdadeiro lugar, como aquele Albatroz de Baudelaire,...“exilé sur le sol au milieu des huées, ses ailes de géant l'empêchent de marcher”, que um dia se apartou da presença de Deus. Um drama que, aliás, Sto. Agostinho, n’As Confissões, resumiu muito bem: “Fecisti nos ad Te et inquietum est cor nostrum, donec requiescat inTe."


 

7) – Em tempos onde muitos “poetas” vanguardistas repudiam toda referência à Tradição Poética, você escreve uma poesia centra na forma fixa do soneto, ou seja, uma forma clássica. Comente sobre esse aspecto de sua poesia.

A forma, como já tive a oportunidade de dizer, outrora, sempre pareceu, aos olhos ineptos, como um grande problema para quem nutria alguma pretensão poética; durante a pantomima estilística promovida pelo modernismo paulista de 1922, a forma figurará com um problema a ser resolvido, ou melhor, um cancro a ser extirpado, e não uma condição natural do fazer poético. Ambas as concepções, no entanto, são impressões simplórias e vulgares de quem só gosta de acreditar em besteira; neste caso, na idéia de que a forma é uma mera disposição de versos e rimas, ao bem da escolha de cada poeta, principalmente, àqueles que demonstram a mais completa inabilidade para com ela. Digo isso por pura experiência, pois, de todos os poetas que convivo e convivi – dos que conheço pessoalmente ou dos que só sei de ouvir falar e ler –, somente os que não dominam a forma reclamam dela; análogos a muitos artistas plásticos de lorota, que escondem sua escassez de talento através de um dito viés abstracionista. Há muitos que se dizem poetas, desprezando o soneto e as demais formas fixas, com a velha desculpa de que a forma é uma “aprisionadora” da inspiração e, conseqüentemente, do poema... entre outros despautérios.

Mas a forma nada mais é do que a elaboração interior do poema e é a idéia nele contida que a comporá, não o contrário. Um decassílabo, por exemplo, deve nascer decassílabo, quaisquer emendas de rimas ou sílabas métricas resultariam numa deformidade a comprometer, mais do que a qualquer outra coisa, o conteúdo da poesia. Forma é assimilação de idéia; compor diretamente nela é o melhor exemplo que alguém possa ter da incorporação desta idéia ao seu resultado final, enquanto arte. Todavia, é sempre bom lembrar que, quando digo que não pode haver emendas, ou apoios à composição de um poema, não me refiro aqui à depuração, que é um ato indispensável à criação poética, e que nada mais é do que o exercício e, conseqüentemente, a adequação de melhores recursos a uma forma já existente, pois ninguém sai de um soneto alexandrino para uma retranca, ou de um octossílabo pronto para um possível decassílabo sáfico; apenas se lapida, se retoca, fazendo com que um verso defeituoso, ou inexpressivo, como bem considerou Manuel Bandeira, em seu Itinerário de Passargada, carregue-se de poesia “pelo efeito encantatório de uma ou de algumas palavras”, exprimindo, no entanto, a mesma idéia e o mesmo sentimento que as substituídas, mas “lhes dando superioridade” naquilo que é a matéria mesma da poesia: a palavra.

Essas coisas são tão óbvias e, de certo modo, tão simplórias, que é difícil de acreditar que alguém as ignore com tanta veemência, mas não faltam exemplos de que tamanha asneira prolifera-se, por aí, como baratas no esgoto. Não faltam exemplos de idiotas que não acreditam na forma como a patente e espontânea conseqüência da idéia de um poema que – como afirmou o crítico Jessé de Almeida Primo – carrega em si o caráter mimético que, de tal sorte, a forma vem a existir para calcular, bem como para dizer algo do texto, que o texto não diz, por mais que isto, antagonicamente, só seja possível, através do texto, por meio da “prosódia e do ritmo” que, para o autor de A natureza da Poesia, são sempre encenação de alguma coisa.

Acreditar que um soneto são simples catorze versos e não o resultado natural da concepção poética é, paradoxalmente, quase que dar crédito ao piano, pela bela interpretação de um concerto, do que ao pianista que, virtuosamente o dedilha, visto que, ao desprezar o resultado acabado, ele teria mais credibilidade em sua forma do que em sua essência. Vejamos então, leitor amigo, outro exemplo simples, também utilizado pelo Jessé Primo.


Na cinza desta tarde me comovo,
levado por lembranças tão pequenas
que me volta o desejo de partida
quando já estou bem próximo à chegada
e me sobram razões de ter ficado
sem sonhar o momento de partir
nem cultivar tenções de continuar.
Procedo como um louco que se perde
nas voltas renovadas do caminho
e sem saber repisa a mesma trilha.
Repasso o longo espaço percorrido
e me faço perguntas sem resposta.
Onde terei deixado o que perdi
ou que terei deixado ao me perder.



 
Os catorze versos estão aí, embora se sinta a falta dos já citados dois quartetos e dois tercetos ou, neste caso mais específico, os três quartetos e um dístico, pois se trata de um soneto inglês. Por que...? Para Jessé de Almeida Primo, há, neste belíssimo poema de Reynaldo Valinho Alvarez, um ritmo muito específico que predomina nos dose versos, levando-se em questão uma leve variação, que, por sua vez, confirmam e credibilizam o ritmo original, como na retomada de fôlego a partir do oitavo verso, no qual, ainda segundo Jessé, “tudo começa outra vez”, até a mudança mais acentuada exercida pela “uniformidade prosádica dos dois versos finais”; Jessé Primo, então, conclui que, “se a rima é igualdade de som”, como também afirmara o grande Manuel Bandeira, “neste soneto mostra ser também uma igualdade no ritmo, ou seja, a forma fixa é, antes de tudo, definida pela melopéia, de modo que, o agrupamento de versos e as rimas terminam por ser um detalhe”. O resultado disso, como vemos, é um soneto, e não catorze versos.



E por falar em soneto... Se tu perguntares a quaisquer alunos de nossas melhores escolas, ou, até mesmo, aos neófitos do Materialismo Histórico, os quais compõem a grande maioria de nossos universitários, não só nos cursos de Letras, mas, nas Universidades brasileiras, como um todo, sobre o que seria um soneto, ouvir-se-ia, entre ludibriações de todos os tipos (recurso muito comum àqueles que não gostam de admitir suas ignorâncias; talvez, a coisa mais honrosa que a grande maioria destas pessoas poderia fazer em vida) e retumbantes, porém dignos, “não sei!”, a resposta mais comum seria: “é um poema de quatorze versos, dividido em dois quartetos e dois tercetos”. Afirmação esta muito comum de se ouvir com relação àquilo que se perguntou (pois para a grande maioria dos alunos de Literatura, seja lá qual for o seu grau de instrução, extraviados do mais simples e decente rumo intelectual, esta será toda consideração, a respeito deste assunto, que eles terão em toda sua vida acadêmica), mas que, de longe, açambarcaria esta forma que, dentre as “castas” poéticas em que se diversifica o gênero lírico, é a que exige, de seu criador, o maior nível de intelectualidade, de concretude e de pensamento lógico-reflexivo, ou seja, a priori, o soneto precisaria ser rimado, metrificado e apresentar uma estrutura dissertativa em seu discurso, exigindo de seu autor grande conhecimento daquilo que faz e do que fala através dele (além do esqueleto estrófico tão comumente citado), que, em nada, ajudaria a compreender a grandeza e a complexidade desta forma, a qual se encontra no cerne de toda a Poesia Ocidental há séculos, e, ainda assim, é o mais sofisticado modelo poético existente, mostrando-nos, só por motivo de exemplo, que não foi à toa que parnasianos e simbolistas – tão diferentes entre si – preferiam-no, incondicionalmente.

Desde os exemplos mais clássicos, como os de Petrarca, Camões e Shakespeare, aos melhores mestres deste gênero em nossa literatura colonial e pré-moderna, como Gregório de Matos, Cláudio Manuel da Costa, Machado de Assis, Raimundo Correa, Cruz e Sousa e Olavo Bilac, o soneto tem se mostrado o fim a que se dirigirem os versos de muitos dos maiores poetas do mundo há mais de meio milênio. Nem mesmo o advento do Modernismo – e, quando falo de Modernismo, não me refiro, aqui, à pantomima paulista de 1922, nem à Disney World canibalística que a ela se seguiu, antes, refiro-me àquele Modernismo onde o clássico e o novo convergiam sem nenhum tipo de inconveniência ideológica ou de extravagância lírica, como é o caso do Modernismo de Euclides da Cunha, Lima Barreto e Augusto dos Anjos, logo retomado pelas gerações de 30 e 45, por exemplo – destruiu a importância e a tradição às quais o soneto se vale até os dias de hoje; pelo contrário, o Modernismo cultivou um soneto dotado de rigor e beleza como jamais se viu.

Segundo César Leal, em Os Cavaleiros de Júpiter, “o elemento protéico do soneto é o pensamento reflexivo”, mesmo quando este “alcança uma ordenação mágica como é freqüente em Jorge de Lima”. É, no soneto, que conhecimento, ciência e instrução geral se fundem com legitimidade, por isso mesmo, no Modernismo, apesar do descrédito e difamação de muitos, o soneto se aperfeiçoou, tornado-se, inclusive, “independente e diverso em relação aos modelos clássicos” – afirma César Leal –, apresentando – ainda de acordo com o poeta e ensaísta pernambucano – “traços estilísticos inconfundíveis”, como são os casos de Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Vinícius de Moraes, Bruno Tolentino, Sosígenes Costa, Mário Quintana, Emílio Moura, Ariano Suassuna, Dante Milano, Ildásio Tavares... O soneto moderno – como todo bom poema de qualquer época – deve estar pleno de sentido, de significados, e não ser um mero jogo de idéias sobrepostas ao acaso; deve aparecer e soar ao seu leitor dentro de uma “imaginação auditiva” (lá vem o César Leal, de novo), tão comum em Milton, segundo T. S, Eliot, como no próprio Eliot, mas também em Castro Alves e até mesmo em Ascenso Ferreira, e, por recortar uma realidade instigante, por ter uma penetração psicológica muito intensa, por proporcionar uma fácil compreensão de tudo e de si mesmo, é uma obra da razão recortada pelos malabarismos lingüísticos e dos signos comuns, à maneira da inovação formal proposta por mestres como Jorge de Lima, e mantendo aquela tradição oral e simbólica comum que Vinícius de Moraes absorveu de Camões, por exemplo.

Além do mais, todo poema é formal quando se quer fazer algo bem feito, pois o bom poeta, que é também música, não pode admitir a desarmonia, o barulho frívolo, o ritmo descompassado. Meu livro A pele de Esaú tem metade de seus poemas em forma de soneto e a outra metade em forma livre, por assim dizer, o que ele não possui, é a deselegância instintiva dos que não querem aprender nem melhorar; trabalhei duramente para que ele tivesse, como afirmei a pouco, a plenitude de sentido, de significados, e não ser um mero jogo de idéias sobrepostas ao acaso, mas aparecer e soar ao seu leitor dentro de uma “imaginação auditiva”. Isso eu sei que se faz presente tanto em poemas como este:

E sempre, em meu olhar, o mesmo rosto,
a mesma noite, o mesmo labirinto.
O anjo que eu vi cair, já recomposto,
evola-se na luz – Eu não o pressinto...?


Avistei-o, através deste sol-posto,
sob o livor da morte e meus instintos,
ardente e triste sobre os céus de agosto
como as coisas que vi e agora sinto,


pois maior é o Mistério à minha frente.
( Nesse vento indo e vindo pelas portas,
eu penso em Deus e nada está ausente... )


– Somos memória e a morte a todos corta,
meu irmão Esaú precito e crente,
mas só a visão de Deus é o que te importa.




Como neste, também:








Tudo é tão terrível, Senhor
estes silêncios colhendo as orações e os frutos
a temeridade presente na Beleza
a navalha despertando a carne
o coração que bate
o pulso aberto
este morrer de tantas coisas
a indagação da Eternidade
a dúvida
o chão
a chuva
o barro paciente
o vaso que em todo barro existe
o oleiro
o instante fugaz como
todo instante
o instante fugaz como tudo
a noite
as estrelas
o dia sem nuvens
o corpo
o outro corpo
o espaço
a medida
o campo
as reses
a vida a brotar da morte de toda semente
o mover de tudo
o musgo
os muros
ainda que eu veja tudo
e esteja em tudo
toda mentira me é pouca
o passado
o porvir
a dor que trago agora
o peito
o braço
o olho
o sexo
os pés
o mar
o céu
( mas entre o mar e o céu o abraço insano )
o mar
o céu
( dois infinitos que no Azul se inflamam )
o mar
e o céu
( este mútuo espelhar entre os eternos )
as estrelas no espaço
tristes
o afastamento
o encontro
o martírio
o amor
a renúncia
o Minotauro
a falsa fé de Minos
as asas de Ícaro
Pasifae
o Touro
o Labirinto
o muito perder-se de Dédalos
a Esfinge
o enigma
o precipício
( esta mulher, Senhor
meu naufragar em seu corpo
o seu cheiro
a sua carne
o seu delírio
o suor
o gozo
as entranhas
toda ela e tudo... )





8) – O que você diria como forma de conselho para aqueles que estão se iniciando na prática da poesia?

Não sou a melhor pessoa para dar este tipo de conselho, pois tenho apenas 32 anos, dois livros publicados e um a caminho, sou tão aspirante quanto muitos que ensaiam seus primeiros versos; mas, para não deixar a pergunta sem resposta, vou falar dos conselhos que eu mesmo me dou. Ler muito, mas, principalmente, ler os grandes poetas. Muitos poetas com certo talento tornam-se poetas medíocres por causa de leituras igualmente medíocres. Trocar Manuel Bandeira por Cassiano Ricardo, Jorge de Lima pelos irmãos Campos, Bruno Tolentino por Manuel de Barros, Ildásio Tavares por Arnaldo Antunes é querer não ser ninguém, ou coisa alguma, nada. Ouvir os mais velhos e experientes; ser humilde, aceitar o fato de que poder errar, mas também poder se corrigir, porque um poema nunca está, verdadeiramente, terminado; há sempre a algo a mudar, a corrigir, a refazer, tudo pode ser melhorado se houver talento, exercício constante e vontade de construir sempre o melhor. Lembrar-se de que ninguém colhe manga em jabuticabeira, nem todos hão de ser poetas por mais que queiram e é preciso saber a hora de desistir, também. E se já são poetas, acreditar no que acreditam ser algo especial, porque é verdadeiramente especial; a poesia e arte tornam a vida melhor; com a poesia, como diria Gullar, “a vida é mais”, sem dúvidas. Mas, não se iludir... este não é um caminho de glória, muito pelo contrário, por causa da poesia eu ouvi muitas injúrias, muitas mentiras que disseram todo tipo de mal a mim e aos meus. Parafraseando meu velho mestre e amigo, Ildasio Tavares, o melhor conselho, assim como os melhores versos, quem nos deu foi Dante: “Lasciate ogni speranza, voi che entrate”!

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

REVISTA HERA (1972-2005): ENTRE SEGREDOS E DEGREDOS...

Revista Hera Antônio Brasileiro [Et. Al].
Edição fac-Similar, Salvador, Fundação Pedro Calmon; Feira de Santana UEFS, 2010.
714 p. il. Valor: R$ 70,00





Nunca entendi – confesso – a necessidade das Vanguardas; muito menos seu papel determinante nos rumos da arte e da literatura modernas.


Talvez a minha ignorância advenha do fato de eu sempre ter encarado os movimentos de vanguarda como uma maneira meramente escandalosa e, em alguns casos, até um pouco equivocada, de se construir e complicar o porquê de uma situação que se faria naturalmente sob uma simples “cortina de silêncio”. Tal cortina nada mais é do que o próprio esgotamento dos recursos expressivos de um determinado movimento ou escola, quando não uma variação mais aprofundada de um estilo de época antecedente, como foi o caso do Impressionismo – bem como de todas as escolas literárias desde a Grécia Clássica aos nossos dias –, o qual, quando finalmente se viu como algo próximo a uma vanguarda, deu os seus primeiros passos rumo à confusão identitária, à ruptura de seus valores e de suas idéias mais originais, e, evidentemente, à sua total decadência.


É por causa desta minha maneira de ver – e, até hoje, ninguém a conseguiu mudar, que, acredito, os movimentos de vanguarda só podem fazer-se entender como legítimas manifestações do espírito criativo quando se desvencilharem do protesto escandaloso pelo qual se fizeram apresentar e, também, livres de teorias frívolas, manifestos agressivos, polêmicas desregradas e dotadas de uma postura mais consciente do meio em que se ocupam, oferecerem uma perspectiva verdadeiramente prática pela qual deverão ser analisadas, consideradas e – só depois... e bem depois – aceitas e seguidas. O problema é: cumprindo-se estas exigências, não se poderão – por não mais portarem-se como tal – chamarem-se vanguardas, a não ser que continuem a insistir em uma atitude já desnecessariamente desordeira e, conseqüentemente, irascível.

Como acontece a quaisquer movimentos, as vanguardas necessitam de um estudo aprofundado e honesto, logo após as fases de apresentação e aceitação, para se chegar a uma visão clara e realmente crítica do que nelas há de verdadeiramente artístico ou não. Ademais, nenhum movimento que se preze deve querer, proposital ou indesejavelmente, constituir um fim em si mesmo, como foi o caso do Modernismo Paulista de 1922, que não possui um poeta para além de Manuel Bandeira – que era pernambucano e que nunca se mostrou um adepto genuíno do travestido avant-gard pequeno burguês de Mário e Oswald de Andrade – e cuja aludida “Antropofagia” só se fez valer em Raul Bopp e Tarsila do Amaral, apenas.

Isso sem contar com o fato de que, com seu preciosismo vocabular, com suas imagens fantásticas – e, por vezes, fantasmagóricas –, misto de expressionismos e surrealismos, além de suas “tiradas afrontosas”, como bem apontou Antônio Houaiss, Augusto dos Anjos, é muito mais revolucionário que qualquer participante da Semana de Arte Moderna de 1922, ou mesmo seus influenciadores futuristas, se o bardo paraibano desgraçadamente, estivesse no mesmo nível de um vanguardista, mas seu rigor formal nasce da necessidade de dar concretude, através de uma realidade imaginária, à própria realidade, sem enganá-la ou substituí-la e este seria um dos propósitos de toda vanguarda, mas também de toda verdadeira arte, não?! E os processos destrutivos comuns aos movimentos de vanguarda não são outra coisa senão a busca do cerne dessa furtiva realidade, que se vai revelando, no entanto, e inevitavelmente, impalpável e confusa quanto mais se agarram a ela desvinculando da verdadeira...

O grande problema dos “movimentos revolucionários” é a perigosa negação dos valores estabelecidos, bem como dos moldes históricos, por uma legião de, quase sempre, carentes de talento – em sua grande maioria – engajados a ideologias desprezíveis – principalmente as de Esquerda –, que, também, impregnam, desde há muito, a nossa crítica literária, empurrados pela frustração e pelo ressentimento. E se o papel das vanguardas é a insurgência contra os padrões e os instrumentos demasiadamente gastos de movimentos antecedentes, lamento dizer que tal papel cabe a qualquer escola literária no mínimo bem intencionada, seja ela apresentada pelo escândalo ou seguindo o seu caminho natural de desenvolvimento e adaptação, pois mudanças sociais também são indicadores de que mudanças artísticas virão. É por saber de tudo isso que considero intolerável e repugnante que a poesia brasileira tenha adentrado o século XXI ainda contaminada pelo legado concretista e extremamente iludida com o clamor ressequido e, há muito, descontextualizado, pela poesia marginal e político-social dos anos 1970. Para piorar, ainda há muitos – incluindo amigos, colegas e professores – que acreditam que a vexação comandada pelos paulistas de 1922 constitui, realmente, na maior “inovação” que a poesia brasileira viu desde o último século, e que movimentos como os da prosa e poesia dos anos 1930, bem como os novos formalistas surgidos a partir dos anos 1990, são conseqüências, mesmo que indiretas, do anedotário de Oswald de Andrade. Mas como se sabe, há doido para tudo neste mundo, sem dúvidas.     

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E por falar em anedota, é impossível pensar na revista baiana de literatura Hera, em seus mais de trinta anos de existência, por exemplo, sem pensar na influência de movimentos como o Concretismo, o Neocroncretismo e a Poesia Marginal, ao mesmo tempo, que sua evolução qualitativa se dá à medida que, gradualmente, seus colaboradores se afastam das realizações dos líderes e seguidores dogmáticos de tais movimentos. A melhora estética de Hera – e a verdadeira revolução poética que esta chegou a imprimir no cenário artístico baiano – só se impõem aos escritores que ajudaram em sua evolução a partir da negação de seus próprios esquemas teóricos. Assim sendo, as idéias referidas em seus manifestos valem menos – ou quase nada – que as influências sobrevindas de suas leituras particulares, sobretudo a de Carlos Drummond de Andrade, como se viu muito claramente no 14º número da revista, bem como as de Fernando Pessoa e Baudelaire.

Se há um salto por cima de tais movimentos de vanguarda que poderiam ter influenciado os poetas que se reuniram em torno dos ideais de Antônio Brasileiro Borges – para eles, diga-se, um ideal vivo... – é o de não se terem prendido ao cabedal concretista, ou ao das leituras de Lemsky, Cacaso ou coisas semelhantes, mas retomarem certas tradições, para muitos, antigas e quase apagadas, como a idéia de origem da poesia, ou da força artística, está, portanto, no poder de formar imagens, e no fato de ser a imaginação a grande mãe da arte. Assim, tendo em vista que a imaginação prende o pensamento, como pensava Benedetto Croce, em sua Estética, a atividade artística é anterior ao pensamento lógico, e os membros de Hera que assim pensavam, e assim o fizeram, desenvolveram trabalhos bem melhores e duradouros àqueles que viram, numa atitude contrária – e, por isso mesmo, vanguardista –, o verdadeiro caminho a uma poesia “pura e moderna”. Isso só prova as dificuldades de se querer fazer uma arte tida como subversiva quando a própria subversão se apresenta como regra.   

Uma coisa é certa: os escritores que, há quase quarenta anos, abraçaram o projeto de Antônio Brasileiro, queriam fazer literatura, não importando como nem com que formas se fariam ouvir. Assim, nasceu Hera, até então, editada de 1972 a 2005, num total de 20 números que, vencendo todas as dificuldades editorias e ideológicas que projetos como estes costumam enfrentar, mesmo em nossos dias, cuja facilidade de divulgação é proporcional ao alcance que a Internet pode chegar, consolida-se como símbolo de um surpreendente movimento literário bastante atípico, pois se fez, em primeiro momento, fora dos muros da Academia, quanto das Universidades, além de se solidificar e se expandir a partir de Feira de Santana, interior da Bahia, e não na velha, poética e tradicional Salvador.  E a maneira como o projeto de construiu não foi diferente à forma como se fizeram em grupos que, em São Paulo, Minas ou mesmo Bahia, ajudaram à consolidação da poesia moderna em nossas Letras, ainda nos primeiros anos do século passado: através de encontros regulares para a leitura de poesias, filosofia, história da arte; da troca de opiniões – principalmente a dos escritores mais velhos e experientes; do labor editorial; do vinho; do futebol; e, evidentemente, pelo desejo e dever de se fazer literatura, atentando para o fato de que ser escritor constitui-se de menos glória que labor, mais uma missão que um mero ofício. Desta maneira, a revista Hera, que em seus três primeiros números, publicara apenas pequenos contos – todos pífios, diga-se de passagem – volta-se, a partir de seu 4º número, à publicação exclusiva de poesia, provando que, se a arte caminha para a sua própria abolição, como afirmara Hegel, é com uma forma, que se inicia e se finda em si mesmo, que se alcançará a medida real daquilo que precisa ser vivido, dito e expressado, e, desta maneira, fazer-se uma verdadeira “revolução”, uma verdadeira “poesia moderna”, ou, simplesmente, para se fazer poesia.  

Na órbita de Hera, e levando o seu nome, como bem escreveu José Carlos Barreto de Santana, no prefácio da edição fac-similar da revista, nascera um grupo que “criou raízes em Feira de Santana e foi responsável por um movimento plurifacetado, que alcançou outras áreas, como as artes visuais e a música, e promoveu ações e polêmicas culturais em diversos planos e, muitas vezes, em circunstâncias adversas”, mas, principalmente, criou uma poesia moderna, ou melhor, pós-moderna, ou ainda melhor, não-vanguardista; uma literatura como a literatura deve ser, pois, como afirma Hans Sedlmayr, “o melhor da poesia moderna, assim como qualquer produto da arte moderna” – que, na minha humilde opinião, podem muito bem ir de Luís de Camões a Fabrício Carpinejar ou de Giotto a Juraci Dórea – “não pertencem aos movimentos de vanguarda, ainda que estes tenham servido de ponto de partida para alguns dos melhores poetas e escritores de nosso tempo, e arte moderna que merece este nome nasce no meio da revolução descrita em oposição àquela arte que já não quer ser, mas nasce da substância e do espírito da antiga e eterna arte, mediante uma sublimação e transformação artística de pensamentos, considerações e formas que surgiram na Revolução, e é reconhecível no fato de, com toda seriedade, desejar uma adaptação lógica entre figura visível e significado, entre forma e missão, em recusar submeter-se a todos os poderes que estão fora da arte, em renunciar à figura, em reconhecer uma ordenação de valores e a eles subordinar-se”. É o caso, por exemplo, deste belo Soneto de amor profano, de Antônio Brasileiro, que se enquadra muito bem às deliberações do professor Sedlmayr:

Não me consinta o amor tanta alegria,
pois, por não merecê-la, me constrange
o peito (já uma dor, não longe, me
sussurra que este amor sem agonias
não há de consentir em tanta graça),
eis que, perdidamente, já pressinto
– e quando, e quando – que em amor perdidos
todos os lances, não há como obtê-lo
de outro modo que não por sacrifícios
e eis que este, pois, gratuita dádiva,
me chega às mãos de um modo tão profano,
de quase sempre estou de que, se o tenho,
já não o tenho por justo e dadivoso,
mas por amor que é fruto só do engano.

E não me engana o amor quando enganoso.


É claro que isto não se aplicará a todos aqueles que, ao longo destes anos, fizeram parte da revista Hera, pois toda revolução tem seus mortos – e, em sua a grande maioria, não serve para mártir. Como acontece a qualquer escritor, os membros de Hera, na eminência de seu resgate pela posteridade, devem ser vistos, minuciosamente, não apenas à luz de sua época, muito menos por sua pretensa condição de vanguardista, mas, e principalmente, pelas muitas e definitivas influências que lhes serviram tanto de base poética quanto de ideário estético, pois há uma concepção poética existente na proposta literária de Hera que, se não é possível reconhecer na prática, decerto existe em idéia: a de que a poesia é redação superior e a meta a toda manifestação sublime de arte e uma das únicas e verdadeiras maneiras de se chegar ao Belo. Todavia, se alguns de seus membros não o seguiram – e a posteridade provou que muitos passaram bem longe de tal alcance – foi por pura “questão de natureza” e ou “limitação de suas capacidades” quanto escritores e não por suas ideologias, muito menos por seus empenhos. Por isso foi impossível à Hera evitar verdadeiros erros editorias, como este Transição, de Iderval Miranda:


demônios
rasgam
ferem
distorcem
o cerne
dos sons altissonastes

deus é ouvinte

e

seu útero
ébrio de SPQR
rompe-se
descarregando cinzas
de Washington DC


ou esta absoluta idiotice “composta” por Erthos Albino de Souza:



himem
mhime
emhim
memhi
omemh
homem
nhome
enhom
emenho
emenh
semem



que nada aprenderam com seu mestre Antônio Brasileiro, que apóia sua poesia numa distribuição mística de formas associadas à unidades de sentido e de natureza extremamente complexas, mas que se apresentam de maneira leve e inteligível, principalmente quando sua imaginação criadora se sobrepõe a uma racionalização forçosa do verso e do labor poético, como também acontece com este verdadeiro Momento de luz, de Wilson Pereira:

Há um sono terrível nos meus olhos.
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Há uma ânsia muitas vezes repetida
e fixada em minha alma há tantos séculos.
Há algo em mim como uma dor estatelada.

Há algo em mim que envelheceu em canaviais
que sucumbiu no mar, no fogo e em madeiros.
E não sei se é dor. Se é amor. Ou longa estrada percorrida.


ou com as participações super-especiais de Maria da Conceição Paranhos, e seu Penélope Revisitada:


Se perco qualquer um de teus instantes,
e a ânsia do retorno me transtorna,
enquanto fica ausente, em meu mirante,
descrente de meu passo à tua porta.

Todo ruído traz tua presença –
ausente do tecido desta espera,
nutrida de miragens e da crença
nascida de mim, comigo e eterna.

Amar assim, cercada pelo tempo,
é como desfiar os fios da teia
tecida e entretecida desde cedo.

Houve que acolhesse o seu amado
em malhas feitas e desfeitas sempre.
Mas eu teço o momento de perder-te.


ou, ainda, para não me acusarem de “formalista”, “tradicional” e “antiquado”, mais do que já o fazem, e destes versos curtos, livres, mas precisos e cheios de significado, de meu saudoso amigo Damário Dacruz:



Deixarei
a lua acesa
na varanda.

No meu retorno
dos becos noturnos
e do luau de Luciano
evitarei tropeçar
na tua ausência.


Mas Hera é assim. E, independentemente de todas estas considerações, a publicação, pela editora da Universidade Estadual de Feira de Santana, em parceria com a Fundação José Calmon, de uma edição fac-similar de todos os 20 números de Hera, representa um marco editorial para a literatura baiana, e, quiçá, brasileira, interessando a pesquisadores, professores, alunos de Letras, e, principalmente, ao público em geral que, através desta volumosa edição – 714 páginas, ao todo –, redescobrirá um dos momentos mais importantes e controversos da literatura na Bahia, por meio dos muitos nomes que ajudaram a compor a trajetória de Hera, como Roberval Pereyr, Juracy Dórea,Washington Queiróz, Wilson Pereira de Jesus, Cremildo Souza, Uaçaí de Magalhães Lopes, Gastão Correia, Trazíbolo Henrique Pardo Casas, Marcos Porto, Salete Aguiar, Rubens Alves Pereira, Iderval Miranda, Luis Pimentel, Luis Antônio de Carvalho Valverde, Assis Freitas Filho, Marco Lucchesi, Evandro Barreto, Carlos Cunha, Antônio Gabriel, Juciara Lima, Cristovam Aguiar, Raymundo Luis Lopes, Elieser César, Ruy Espinheira Filho, Cid Seixas, Maria da Conceição Paranhos, Jorge de Souza Araújo, Damário Dacruz, Tanussi Cardoso, Moacir Eduão, Outran Borges, Anne Cerqueira, Henrique Wagner e, principalmente, Antônio Brasileiro, entre outros tantos... Inclusive o pobre infeliz que escreve estas mal traçadas linhas...   

Como o próprio Brasileiro professara, no pósfácio da 1ª edição de Hera, uma revista literária pode apontar nomes, mas é o tempo o arquiteto dos caminhos. Sobre a debandada da maioria, são pouquíssimos os que persistem; menos ainda os que realmente terão verdadeira representatividade. É a posteridade quem dará a última palavra. E deu...



Por mais que poucos de seus integrantes tenham realmente conquistado aquele “lugar ao sol” com que sonham quaisquer aspirantes às Letras, o ideal que moveu em torno de Antônio Brasileiro e seus neófitos feirenses, a quase quarent’anos, fez-se vivo, cumpriu seu dever, colheu resultados e, como aquela flor de brutal doçura, versificada por Roberval Pereyr, não se mostrou simples, nem cedeu às inúmeras pressões que projetos como esse costumam sofrer ao longo de sua existência:


Não quero ser simples.
Uma flor não é simples:
é uma flor. E não cede.


e, hoje, é impossível pensar na história da Literatura na Bahia, sem pensar no papel que Hera desempenhou ao longo de suas 20 edições. Eis aí uma verdade; uma grande e incomodativa verdade... doa em quem doer.







Feira de Santana/Candeias, agosto de 2011.









 


quarta-feira, 14 de setembro de 2011

IMPERDÍVEL: MEU LIVRO "A PELE DE ESAÚ" POR APENAS R$ 15,00... VEJA COMO ADQUIRIR...


Editora: Via Litterarum
Autor: Silvério Duque
Apresentação: Ildásio Tavares
Posfácio: Gustavo Felicíssimo
Ilustração: Gabriel Ferreira
Ano: 2010
Páginas: 72 il.
Formato: 15,5x21cm
ISBN: 978-85-98493-66-4

Preço: Apenas R$ 15,00
Como adquirir: http://www.quiosquecultural.com.br.

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A ESCRITURA DE SILVÉRIO DUQUE



por Ildásio Tavares






Um dos momentos cruciais da formação do povo de Israel é quando Jacó assume a pole position, num golpe de mestre que começa com Esaú ven­dendo-lhe a primogenitura por um prato de lenti­lhas. Este factóide diz – de pronto – alguma coisa do temperamento e personalidade de ambos. Do ime­diatismo e gula de Esaú, da sagacidade de Jacó. Mais tarde, esta cessão da primogenitura tem que ser rati­ficada pelo pai de ambos, Isaac, que teria de dar sua benção. Aí, Jacó se vale de outro estratagema. Como Isaac estivesse meio cego, Jacó seria apalpado. Esaú era muito peludo e então, Jacó se veste com a pele de um animal e assim consegue se fazer passar pelo irmão que lhe tinha concedido seus direitos.

Ao nomear este belo livro de sonetos finamente escandidos de A Pele de Esaú, quero crer que Silvério Duque tivesse se inspirado neste episódio, ainda mais que coloca a epígrafe da passagem em que o Senhor adverte Esaú, que começava a querer-se rebelar, mas que finda por se afastar e criar seu próprio povo longe das doze tribos de Jacó que viriam a formar o rei­no de Israel. Esaú tinha sido tolo, contudo, era forte e também contava com as bênçãos de Deus. Vinha de uma linhagem cuidadosamente selecionada de Abraão e Sara, para Rebeca e Isaac e que desaguaria nos 12 filhos que Jacó teria com Zilpah, Bilhah, Lia e Raquel, formando o povo eleito, o povo de Israel, até hoje vivo.

Neste meridiano da perda e da rejeição, na figura de um Esaú destituído de seu destino, Silvério elabo­ra uma intricada associação de sentimento e pensa­mento, buscando a verticalidade de personagens que se multiplicam porque se querem fundir em um só. Afinal, o drama de degredo e aparte que sofre Esaú é de todo ser humano, anjo caído, que, um dia, se afas­tou da presença de Deus. E toda odisseia que Esaú tem que executar na busca de si mesmo pode-se con­figurar em seus aspectos trágicos e cada poema deste livro, pois, discorre sobre um jaez da personalidade humana com este suporte analógico, na verdade.

Mais do que o simples discorrer lírico, em que o poeta se exprime de dentro pra fora, este livro encar­na um processo dialógico e dialético em que o poeta entra e sai no personagem e extrai daí o seu signifi­cado, num trâmite de intersubjetividade. Esta atitude reforça os aspectos dramáticos do poema e, ao dar voz aos personagens, torna o contexto mais efetivo. Destarte se estabelece um fio condutor que vem con­ferir unidade ao texto. Aliás, o livro todo é muito bem organizado, com um exato rigor de expressão e de ordenação, todo ele muito coeso, em suas partes, em suas divisões, o que consiste, em verdade, uma corte­sia para com o leitor.

Do ponto de vista formal, o livro é impecável. Depois dos primeiros originais, eu recebi mais duas emendas do autor, provando que há um critério e dis­ciplina no sentido do apuro textual, algo que conside­ro fundamental.

Tenho visto inúmeros textos de aspirantes a poe­tas que não se dão conta que a poesia é a mais perfeita das artes. Apresentam-me, na verdade, um rascunho. Mesmo alguns poetas ditos consagrados mostram--me textos sintaticamente imperfeitos e inçados de cacofonias – poesia é a redação mais elevada. Silvério sabe disto e passa a limpo várias vezes seu texto. Res­peita e venera a redação de sua poesia. Por isso pode pôr conflitos no papel com efetividade...

Por isso é poeta.

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Que sabes tu dos frutos, das sementes,
da dureza das flores contra o vento?
A aurora vem tragar a noite espessa
de onde brotou, sem dores, o teu grito.

Se a afirmação do amor nos aborrece,
morrer é mera vocação dos vivos,
pois, no morrer de tudo, há um recomeço.
Não queiras mal ao tempo ou ao espanto;

não queiras mal ao grão, à terra escura...
Que sabes tu das trevas ou da carne?
Que sabes tu das noites, dos princípios?

Hoje, é chegado o tempo dos retornos,
e toda forma espera o seu ofício
como o vaso existente em todo barro.