segunda-feira, 28 de setembro de 2009

UM POEMA SOBRE A BAHIA...


O banho das negras de Gabriel Ferreira (acrílico sobre tela/2005).

NO AZUL DA TRAVESSIA...





Este azul, tantas vezes renascido
a espelhar outro azul envolto no Mistério

é o mesmo azul que recobre a travessia da ilha de Itaparica
( e que eu encontrei sorrido nos teus olhos o dia inteiro )

imenso em sua verdade
tão simples, tão vazia... tão perfeita.

É o azul do mar da Bahia.




Feira de Santana, 28 de setembro de 2009.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

UM CONTO DE ALCÂNTARA MACHADO


O escritor Alcântara Machado (1901-1935)

Antônio de Alcântara Machado foi sem dúvida o primeiro escritor que nasceu dentro do espírito modernista de 1922, o que, necessariamente, não quer dizer que tenha morrido com tal espírito; aliás, ao abandonar tal estilo literário, Alcântara Machado amargou um ostracismo, no fim de sua vida, que lhe foi imposto pelo radicalismo que sempre permeou o Modernismo Paulista. Em 1927, publicou uma seleção de pequenos contos que batizou com o título de Brás, Bexiga e Barra Funda, obra com a qual se destacou no movimento, nela, percebe-se a profunda influência modernistas, sobretudo de Oswald de Andrade. Os 11 contos que compõem a obra nasceram da experiência do autor como jornalista e, como tal, apresentam a forma e o sabor da notícia, tendo três bairros paulistanos como cenário às suas narrativas, numa nítida qual sacaz ambientação ítalo-brasileira. Ancântara Machado parece defender a tese de que alguns imigrantes, principalmente os oriundos da Itália, trazem em si a alegria, o canto e a movimentação. Ao pisarem o solo brasileiro, carregam a força do trabalho e a vontade de se saírem bem na nova terra. Ao se adaptarem, misturam-se de forma espontânea, a ponto de se confundirem com a paisagem. Os personagens, moços e moças, adultos e velhos são captados de maneira singela, revelando com traços estilizados seus jeitos de ser, pensar, viver, que influenciarão definitivamente a cultura paulistana. Alcântara Machado, como um repórter, observa estes "novos mestiços", fixando aspectos da vida, do trabalho e do cotidiano dessa gente simples, simpática, aberta e batalhadora. Cada conto se transforma em flashes dos bairros registrados e o enredo, jornalisticamente, vai-se transformando em crônicas da cidade durante a década de 20, com a precisão de uma linguagem concisa, economizando meios, conduzindo as cenas de forma cinematográfica, com cortes perfeitos e dinâmicos, imitando a movimentação pretendida pelo cinema, e, por isso, isentou suas narrativas de descrições e o cenários surgem rápidos entre uma e outra ação. São Paulo vai se tornando transparente através do registro de uma época de trabalho e progresso. Em seus contos, Antônio de Alcântara Machado apresenta excelente investigação da influência que o imigrante trouxe inclusive para o linguajar paulistano, revelando, no autor, o artista consciente de que o literato é também um historiador, ao observar a realidade urbana que o cerca. O conto Lisetta, é um dos melhores exemplos deste estilo singular, além de ser uma de minhas narrativas preferidas:
LISETTA

Quando Lisetta subiu no bonde (o condutor ajudou) viu logo o urso. Felpudo, felpudo. E amarelo. Tão engraçadinho.Dona Mariana sentou-se, colocou a filha em pé diante dela.

Lisetta começou a namorar o bicho. Pôs o pirulito de abacaxi na boca. Pôs mas não chupou. Olhava o urso. O urso não ligava. Seus olhinhos de vidro não diziam absolutamente nada. No colo da menina de pulseira de ouro e meias de seda parecia um urso importante e feliz.

- Olha o ursinho que lindo, mamãe!

- Stai zitta!

A menina rica viu o enlevo e a inveja da Lisetta. E deu de brincar com o urso. Mexeu-lhe com o toquinho do rabo: e a cabeça do bicho virou para a esquerda, depois para a direita, olhou para cima, depois para baixo. Lisetta acompanhava a manobra. Sorrindo fascinada. E com um ardor nos olhos! O pirulito perdeu definitivamente toda a importância.

Agora são as pernas que sobem e descem, cumprimentam, se cruzam, batem umas nas outras.

- As patas também mexem, mamã. Olha lá!

- Stai ferma!

Lisetta sentia um desejo louco de tocar no ursinho. Jeitosamente procurou alcançá-lo. A menina rica percebeu, encarou a coitada com raiva, fez uma careta horrível e apertou contra o peito o bichinho que custara cinqüenta mil-réis na Casa São Nicolau.

- Deixa pegar um pouquinho, um pouquinho só nele, deixa?

- Ah!

- Scusi, senhora. Desculpe por favor. A senhora sabe, essas crianças são muito levadas. Scusi. Desculpe.

A mãe da menina rica não respondeu. Ajeitou o chapeuzinho da filha, sorriu para o bicho, fez uma carícia na cabeça dele, abriu a bolsa e olhou o espelho.

Dona Mariana, escarlate de vergonha, murmurou no ouvido da filha:

- In casa me lo pagherai!

E pespegou por conta um beliscão no bracinho magro. Um beliscão daqueles.

Lisetta então perdeu toda a compostura de uma vez. Chorou.

Soluçou. Chorou. Soluçou. Falando sempre.

- Hã! Hã! Hã! Hã! Eu que...ro o ur...so! O ur...so! Ai, mamãe! Ai, mamãe! Eu que...ro o... o... o... Hã! Hã!

- Stai ferina o ti amazzo, parola d'onore!

- Um pou...qui...nho só! Hã! E... hã! E... hã! Um pou...qui...

- Senti, Lisetta. Non ti porterò più in città! Mai più!

Um escândalo. E logo no banco da frente. O bonde inteiro testemunhou o feio que Lisetta fez.

O urso recomeçou a mexer com a cabeça. Da esquerda para a direita, para cima e para baixo.

- Non piangere più adesso!

Impossível.

O urso lá se fora nos braços da dona. E a dona só de má, antes de entrar no palacete estilo empreiteiro português, voltou-se e agitou no ar O bichinho. Para Lisetta ver. E Lisetta viu.

Dem-dem! O bonde deu um solavanco, sacudiu os passageiros, deslizou, rolou, seguiu. Dem-dem!

- Olha à direita!

Lisetta como compensação quis sentar-se no banco. Dona Mariana (havia pago uma passagem só) opôs-se com energia e outro beliscão.

A entrada de Lisetta em casa marcou época na história dramática da família Garbone.

Logo na porta um safanão. Depois um tabefe, Outro no corredor. Intervalo de dois minutos. Foi então a vez das chineladas. Para remate. Que não acabava mais.

O resto da gurizada (narizes escorrendo, pernas arranhadas, suspensórios de barbante) reunido na sala de jantar sapeava de longe.

Mas o Ugo chegou da oficina.

- Você assim machuca a menina, mamãe! Cotadinha dela!

Também Lisetta já não agüentava mais.

- Toma pra você. Mas não escache.

Lisetta deu um pulo de contente. Pequerrucho. Pequerrucho e de lata. Do tamanho de um passarinho. Mas urso.

Os irmãos chegaram-se para admirar. O Pasqualino quis logo pegar no bichinho. Quis mesmo tomá-lo à força. Lisetta berrou como uma desesperada:

- Ele é meu! O Ugo me deu!

Correu para o quarto. Fechou-se por dentro.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

TRIBUTO A NOEL ROSA...



A cantora feirense, Célia Zeiin, fará, próxima quarta-feira, dia 30 de setembro, às 20h, no Centro Universitário de Cultura e Arte (CUCA), que fica na Rua Concelheiro Franco, nº 66, Centro, Feira de Santana - BA, um show em homenagem ao grande Noel Rosa, o “poeta da Vila”...

Um dos maiores compositores da história da Música Popular Brasileira, Noel Rosa nasceu de um parto difícil em que o uso do fórceps pelo médico causou-lhe um afundamento da mandíbula; a deformação conseqüente desta prática o marcaria por toda a sua vida. Criado no bairro carioca de Vila Isabel, Noel pertencia à chamada “classe média carioca”; era filho do comerciante Manuel Garcia de Medeiros Rosa e da professora Martha de Medeiros Rosa. Ainda na adolescência aprendeu a tocar bandolim de ouvido e tomou gosto pela música – e pela atenção que ela lhe proporcionava. Logo, passou ao violão e cedo se tornou figura conhecida da boemia carioca.

Entrou para a Faculdade de Medicina, mas logo o projeto de estudar mostrou-se pouco atraente diante da vida de artista, em meio ao samba e noitadas regadas à cerveja. Noel foi integrante de vários grupos musicais, entre eles o Bando de Tangarás, ao lado de João de Barro (o Braguinha), Almirante, Alvinho e Henrique Brito. Noel arriscou, já em 1929, suas primeiras composições, Minha Viola e Toada do Céu, ambas gravadas por ele mesmo. Mas foi em 1930 que o sucesso chegou, com o lançamento de Com que roupa?, um samba bem-humorado que sobreviveu décadas e hoje é um clássico do cancioneiro brasileiro.

Célia Zaiin lembra-se que, desde a sua graduação, era “apaixonada pela obra de Noel”; ela nos lembra de sambas “como Onde está a honestidade, que fala de brasileiros que enriqueceram da noite pro dia sem receber herança ou ter trabalhado muito para isso, ou qualquer outra justificativa plausível... é de fato um assunto bem atual, aliás, Noel é um compositor sempre atual, por isso a grandeza de sua obra”. Pra Célia, este show é, “além da realização de um sonho”, uma “oportunidade de o público feirense familiarizar-se ainda mais com a obra deste carioca que é antes de tudo, um dos maiores gênios de nossa música”.

Noel revelou-se um dos mais talentosos cronistas do cotidiano carioca, com uma seqüência de canções que primam tanto pelo bom humor como pela veia crítica. Orestes Barbosa, exímio poeta da canção, seu parceiro em Positivismo, o considerava o "rei das letras".

Noel também foi protagonista de uma curiosa polêmica travada através de canções com seu rival Wilson Batista. Os dois compositores atacaram-se mutuamente em sambas agressivos e bem-humorados, que renderam bons frutos para a música brasileira, incluindo clássicos de Noel como Feitiço da Vila e Palpite Infeliz.

Entre os intérpretes que passaram a cantar seus sambas, destacam-se Mário Reis, Francisco Alves e a inesquecível Aracy de Almeida.

A tuberculose o levaria prematura e romanticamente à morte aos 26 anos de vida.

O show, “Tributo a Noel” ainda contará com o piano de Tito Pereira, a quem Célia considera um dos mais talentosos músicos da atualidade. Para Tito, “Noel rosa é mais atual do que muitos compositores contemporâneos e suas harmonias ricas e melodias sofisticadas nos convocam a tocar com muito gosto e afinco”.

Há também a participação especial do clarinetista Silvério Duque.

A entrada é franca...

Não percam!!!

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

ABERTO DO CUCA



Aberto 2009: 14 horas de arte e cultura. É assim que o Centro Universitário de Cultura e Arte (Cuca), de Feira de Santana, vai comemorar o seu 14º aniversário. No dia 18 deste mês, das 8 às 22 horas. Entre no site oficial: www.uefs.br/cuca e veja a programação do evento. A Entrada é franca.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

EMBATES POÉTICOS... III


O poeta Piligra


O poeta Gustavo Felicíssimo


O QUE IMPORTA
Piligra

(ao Gustavo Felicíssimo)


O que me importa agora senão a liberdade
com toda carga ingrata que ela carrega,
senão uma louca e estúpida necessidade
tomando conta, enfim, do que a vida renega...

O que me resta então? negar quem não me nega
ou suportar do insano o tapa e a falsidade?
Talvez fazer do amor razão, motivo e entrega,
compondo em verso o inverso da infidelidade...

Talvez buscar no olhar singelo de um irmão
aquilo que me assalta sem qualquer pudor:
uma resposta exata e sem contradição
para o mistério eterno que constitui o amor...

- O que me resta agora senão esta ilusão
na forma tosca e inglória de poesia e dor...

***



INDO UM POUCO MAIS ALÉM
Gustavo Felicíssimo


(em resposta a Piligra)

Importa mais fazer da areia piso firme
e ver brilhar no semelhante a poesia,
no seu semblante ver nascer um novo dia
para que a luz, de todo ser, mais se aproxime.

Então me alegro porque o verso é sempiterno
e por saber que a comunhão deve imperar
no coração de quem a busca e faz brotar
em outro irmão, o mesmo olhar, sempre fraterno.

E porque sei que o tempo é mesmo um aliado,
dou tempo ao tempo e de mãos dadas mais encontro
quem ao meu lado faz da vida um reencontro.

Nesse mergulho o mal está sempre adiado
porque no fundo o ser é bom e o Senhor justo:
eu não me esqueço de voar e não me assusto.

EMBATES POÉTICOS... II


Vinícius de Moraes (1913-1980)


João Cabral de Melo Neto (1920-1999)


RETRATO À MANEIRA DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO

Vinícius de Moraes



Magro entre pedras
Calcárias possível
Pergaminho para
A anotação gráfica
O grafito Grave
Nariz poema o
Fêmur fraterno
Radiografável a
Olho nu Árido
Como o deserto
E além Tu
Irmão totem aedo
Exato e provável
No friso do tempo
Adiante Ave
Camarada diamante!





***





RESPOSTA A VINÍCIUS DE MORAES

João Cabral de Melo Neto



Camarada diamante!
Não sou um diamante nato
nem consegui cristalizá-lo:
se ele te surge no que faço
será um diamante opaco
de quem por incapaz de vago
quer de toda forma evitá-lo,
senão com o melhor, o claro,
do diamante, com o impacto:
com a pedra, a aresta, com o aço
do diamante industrial, barato,
que incapaz de ser cristal raro
vale pelo que tem de cacto.



sábado, 5 de setembro de 2009

EMBATES POÉTICOS... I


O poeta Eurico Alves Boaventura (1909-1974), em sua biblioteca


O poeta Manuel Bandeira (1886-1968), também, em sua biblioteca


ELEGIA PARA MANUEL BANDEIRA

Eurico Alves Boaventura



Estou tão longe da terra e tão perto do céu,
quando venho de subir esta serra tão alta ...

Serra de São José das ltapororocas,
afogada no céu, quando a noite se despe
e crucificado no sol se o dia gargalha.

Estou no recanto da terra onde as mãos de mil virgens
tecem céus de corolas para o meu acalanto.
Perdi completamente a melancolia da cidade
e não tenho tristeza nos olhos
e espalho vibrações da minha força na paisagem.

Os bois escavam o chão para sentir o aroma da terra,
e é como se arranhassem um seio verde, moreno.

Manuel Bandeira, a subida da serra é um plágio da vida.
Poeta, me dê esta mão tão magra acostumada a bater nas teclas
da desumanizada máquina fria
e venha ver a vida da paisagem
onde o sol faz cócegas nos pulmões que passam
e enche a alma de gritos da madrugada.
Não desprezo os montes escalvados
tal o meu romântico homônimo de Guerra Junqueiro
Bebo leite aromático do candeial em flor
e sorvo a volúpia da manhã na cavalgada. Visto os couros do vaqueiro
e na corrida do cavalo sinto o chão pequeno para a galopada.

Aqui come-se carne cheia de sangue, cheirando a sol.

Que poeta nada! Sou vaqueiro.

Manuel Bandeira, todo tabaréu traz a manhã nascendo nos olhos
e sabe de um grito atemorizar o sol.

Feira de Santana! Alegria!

Alegria nas estradas, que são convites para a vida na vaquejada,
alegria nos currais de cheiro sadio,
alegria masculina das vaquejadas, que levam para a vida
e arrastam também para a morte!

Alegria de ser bruto e ter terra nas mãos selvagens!

Que lindo poema cor de mel esta alvorada!

A manhã veio deitar-se sobre o sempre verde.
Manuel Bandeira, dê um pulo a Feira de Santana e venha comer pirão de leite com carne assada de volta do curral
e venha sentir o perfume de eternidade que há nestas casas de fazenda,
nestes solares que os séculos escondem nos cabelos desnastrados das noites eternas venha ver como o céu aqui é céu de verdade
e o tabaréu como até se parece com Nosso Senhor.



***


ESCUSA

Manuel Bandeira


Eurico Alves, poeta baiano,
salpicado de orvalho, leite cru e tenro cocô de cabrito.
Sinto muito, mas não posso ir a Feira de Sant'Ana.

Sou poeta da cidade. Meus pulmões viraram máquinas inumanas e
aprenderam a respirar o gás carbônico das salas de cinema.

Como o pão que o diabo amassou.
Bebo leite de lata. Falo com A., que é ladrão.
Aperto a mão de B., que é assassino.

Há anos que não vejo romper o sol, que não lavo os olhos nas cores das madrugadas.

Eurico Alves, poeta baiano, não sou mais digno de respirar o ar puro dos currais da roça.


TRÊS DICAS DE LEITURA... INDISPENSÁVEIS


Razão do poema de José Guilherme Merquior (Rio, Topbooks, 1996).


Aristóteles em Nova Perspectiva: introdução à Teoria dos Quatro Discursos de Olavo de Carvalho (Rio, Topbooks, 1997).


Uma gota de sangue de Demétrio Magnoli (São Paulo, Contexto, 2009).

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA


Moça com brinco de pérola de Jan van der Meer Van Delft- (1665) Óleo - 46,5 x 40 cm.

MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA



à Sr.ª Irene Carneiro da Silva, minha mãe.

Mas, é assim que emprestamos, à verdade,
a maravilha oculta em meio às sombras
que uma luz vai buscar, na intimidade
de um olhar, outro olhar em meio às dobras
que o fulgor vai traçar parte por parte...
A outra metade é escrita pelas sobras
de um frágil instante entre o real e a arte
que todo artista traz em suas obras,
e, esse instante evidente da emoção,
é quando o olhar desacredita a pérola
na iminência de um susto, aparição
que se prende, no mesmo rosto, à auréola

silenciosa de um lume sobre a tela:
de amor, toda falena se une à vela.