quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

CENESTRA DI FRUTTA (1596)... OU UM POEMA DE NATAL


Cesto com frutas de Caravaggio (14596): óleo sobre tela 46x64 cm; Pinacoteca ambrosiana, Itália.





Esculpo
uma cesta de frutas
a cozinha
os cheiros da manhã
lá fora.


A solidão dos frutos:
a mesma solidão das coisas vivas
dos propósitos
das palavras que esperam por seus usos.


A beleza destas frutas

é a mesma beleza dos milagres

das súplicas

das lágrimas

da lâmina da morte e os seus cortes.

A beleza destas frutas

é a mesma beleza das obras inconclusas

do canavial ao vento

d’outras matérias

enfim

vencidas.

Todo amor é madureza

encanto descoberto

instante exato

cesto de mangas

bananas

romãs

tanjerinas

jabuticabas...

goiabas

figos

e melancias abertas como carne.

Todas as coisas trazem seu desejo

e o que não foi ou não quis

hoje

agoniza.

De aparições surgem brotos

abrem-se flores

abrigam-se grãos

e sucos...

Tudo que é belo assim o é e assim se mostra.

Mas

mesmo as coisa belas

mudam
envelhecem

amarelam-se como papel

frutos

peles

depressa ou lentamente escrevem seus nomes

suas promessas

seus sabores.

Assim é a poesia...

assim, os homens:

frutos da eternidade

e de tudo

que apodrece.





quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

GRANDE ELIMINATÓRIA DO PRELÚDIO 2010, NESTE DOMINGO. MAS, QUEM SAI GANHANDO COM ISSO...?


Prelúndio, único programa de calouros para música erudita no Brasil, chega a mais uma final...


Nesta foto: Os jurados Fábio Caramuru, Julio Medaglia, Silvia de Lucca e a apresentadora Estela Ribeiro*







Não faz muito tempo, em uma entrevista que concedi ao site Sopa de poesia: http://sopadepoesia.blogspot.com/ da importância de se ensinar arte nas escolas, seja poesia, música, pintura, etc. Mas também atentei para o facto de antes de qualquer coisa, ser importante estender esta meta não só com relação à poesia, mas quaisquer tipos de arte, contanto que, primeiramente, se observe o caráter e a qualidade do que se está transmitindo os nossos alunos como sendo arte.







Um dos grandes problemas de nossa atual sociedade é que ela desaprendeu o sentido tanto teórico quanto prático da palavra “critério”, ou mesmo “juízo” e “discernimento”. Não quero, nem me cabe (aqui) levar esta questão a outras áreas, no entanto, em termos de arte, o que vemos é um público incapaz de diferenciar bossa nova de um pagode de mesa, ou que vai a um show de arrocha como vai a um show do João Bosco sem se quer saber ao certo o que ouviu e, mesmo assim, arisca-se a arrotar intelectualidade ao sair de qualquer um dos dois sem o menor recato ou razão.







Por vários motivos, que seria impossível enumerá-los em tão pouco espaço, termos como “bom gosto”, “intelectual”, ou “mesmo erudito”, têm sofrido uma inversão enorme ou um total descrédito, principalmente por parte de quem deveria prezar por eles. Porque a arte é uma manifestação da raça humana plena de transcendência; porque é a mais completa manifestação do espírito e da inteligência humanos recortados pela racionalidade dos códigos possíveis: a música, a pintura, a escultura, o teatro, a dança e, claro, a poesia... E em todos reconhecemos o potencial, inato ao homem, de expressar emoção, beleza e razão. Algumas pessoas dominam ativamente estes códigos e conseguem conceber, criar a obra de arte; são os artistas: poetas, músicos, pintores, teatrólogos. Todavia, não é levando arte às escolas que, necessariamente, criaremos tais pessoas, mas não deixa de ser um incentivo e tanto; contudo, existem outras pessoas que, apesar de não serem criadoras, integram-se com a arte por meio de sua apreciação, descobrindo novas formas e sentidos; são os estudantes, os críticos e, sobretudo, os admiradores da arte. Formar estas pessoas é uma obrigação para nós que educamos... Daí, porém, mais imediatamente ainda, vem-me uma angústia: mas que poesia, ou arte, seria levada? Com que tipo de literatura os milhões de alunos deste país teriam contacto? Será que, ao saírem da escola, mesmo não se tornando escritores – ou, se quer, grandes intelectuais – estes alunos seriam capazes, como cidadãos dotados do mínimo possível de educação, de distinguir um texto de Pe. Antônio Vieira de uma das piadas bem arrumadinhas do Luis Fernando Veríssimo e, melhor ainda, dar a eles o devido valor que cada um tem em suas estruturas e contextos?





Teoricamente, qualquer escola de zona rural estaria apta a dar a seus alunos algo aparentemente tão simples e lógico, todavia, o que temos em nossa realidade...? Quando, por exemplo, um aluno tem acesso a uma educação musical esmerada, mesmo que ele não se torne um Stravinsky ele não aceitará um tipo de música que não esteja em um nível equivalente àquele ao qual está acostumado, pois, como conhecedor das estruturas musicais e, tendo em si, um gosto desenvolvido em cima de composições sofisticadas, a sua tendência é rejeitar o frívolo, o simplista e o de “mau gosto”; assim, quando não formamos grandes músicos, que é algo que depende, como na poesia, na pintura, etc., muito mais do toque da Musa, certamente, formaremos grandes ouvintes cada vez mais cuidadosos e exigentes com aquilo que lhes é passado como musica. Com a poesia não seria diferente. Eu mesmo, ainda no primário, tive professores “à moda antiga” que me “forçavam” – e também aos meus colegas – a ler em pé, e em voz alta, poemas e contos de vários escritores brasileiros e portugueses; qual foi o resultado de tudo isso...? Para mim, conheci o Camões aos 10 anos e tenho poemas de Manuel Bandeira decorados desde o primário; em relação aos meus colegas, mesmo os que não seguiram uma carreira universitária, nunca ouvi deles expressões do tipo: “para mim comprar” ou “para mim ver”, nem dificuldades em interpretações básicas de textos ou reportagens, como se é possível ver nos alunos de hoje, educados no melhor programa de recrutamento à Paulo Freire. Eu tento aplicar métodos semelhantes e, “de vez em quando”, alguns “Guardiões” da pedagogia, imediatamente, me acusam de antiquado, agressivo e aplicador de métodos de adestramento.





Muitos, após lerem o que digo neste artigo, chamar-me-ão “fascista” – xingamento muito em moda nas rodas dos ideológicos de esquerda e coisa parecida –, e dirão até que eu desprezo a cultura popular e outras bobagens do tipo – porque não há nada pior no mundo que dá razão a idiotas e sínicos –; mas não é o caso aqui; o que eu quero é por as coisas em lugar preciso e lhes dar os devidos valores. Eu penso que, se passarmos aos nossos alunos os mais novos hits do Funk, ao invés do melhor que nos pode oferecer a Música Erudita, ou mesmo o Jazz, a Bossa Nova e o Chorinho; Haroldo de Campos, ao invés de Camões, ou João Cabral de Melo Neto e Patrice de Moraes; se levarmos os nossos alunos para ver e apreciar grafiteiros ao invés de Da Vinci, Caravaggio ou mesmo Di Cavalcante, Carybé e Gabriel Ferreira; se, principalmente, os ensinarmos que não há diferenças, nem hierarquias, entre estas coisas e as outras, como querem e praticam muitos, com auxílio tanto dos cofres públicos como de uma intelectualidade tão bem intencionada quanto pode haver no Inferno, destruiríamos, como já estão a destruir, todos os grandes valores que vêem formando a sociedade humana há milênios; perderíamos a própria noção de contraste que é a forma mesma pela qual o nosso pensamento e o nosso raciocínio trabalham ou a nossa perplexidade que é a forma mesma pela qual o nosso pensamento e o nosso raciocínio se formam e pararíamos estuporados diante de um mundo onde a menor e mais insignificante expressão possível andaria de mãos dadas com a mais genuína e grandíloqua linguagem.
.....................................................................................................................................................................








Felizmente, muitas de minhas concepções, tão aparentemente pessimistas quanto mais realistas se apresentam, desaparecem quando observo trabalhos como o do programa Prelúdio, da TV Cultura de São Paulo. Numa competição musical completamente diferente do que se vê em nossa televisão, o Prelúdio é um programa de calouros que já está em sua 6ª temporada, mas ao invés de explorar as vozes maçantes de um bando de adolescentes mimados e pré-fabricados, o programa investe no talento de jovens músicos que mal saindo da adolescência, encaram dificílimas peças de Bach, Mozart, Beethoven Chopin e até mesmo Debussy e Stravisnky. Sim, é um programa de calouros, mas um programa de calouros onde a música clássica é a grande vedete. É maravilhoso ver jovens de 18 e 20 anos e até mesmo de 14 e 15 aninhos dedicando-se ao canto lírico, ao celo, ao clarinete ou ao piano forte, além do canto lírico e à difícil e ingrata arte da regência. É praticamente impossível, para mim, dizer o quanto me alegro, vibro e me emociono com jovens tão dedicados e tão certos de si, pois, quem chega aos 18 anos tocando como muitos destes garotos e garotas, impossível não saber que é justamente isso que eles querem para suas vidas. Eu e minha mulher, que não perdemos o programa, temos nossos preferidos e os defendemos com unhas e dentes como quem defende seu time de futebol preferido. Eu, como clarinetista que sou, por exemplo, procuro “vender meu peixe”, e torço pela pequena Paula Pires, 22 anos, clarinetista; mesmo sabendo que, seja lá quem for o grande campeão, todos estarão muito bem encaminhados e certos de seu papel como continuadores de uma grandecíssima arte.

O Prelúdio reúne, ao todo, 24 calouros. A seqüência classificatória conta com oito eliminatórias, duas semifinais e a grande final, que acontece dia 12 de dezembro, na Sala São Paulo, com transmissão ao vivo. O vencedor ganha uma bolsa de estudos na Alemanha, patrocinada pelo Instituto Goethe, e o direito de ser solista em um concerto promovido pela TV Cultura.

....................................................................................................................................................................







Seja quem for o grande campeão neste próximo domingo, é certamente a cultura brasileira quem sairá ganhando.



* Créditos das fotos: http://www.facebook.com/home.php?#!/photo.php?fbid=117970538256918&set=a.117968618257110.26078.100001319171047

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O PROJETO “NATAL NA PRAÇA” CELEBRA O CENTENÁRIO DE NOEL ROSA COM A APRESENTAÇÃO DO TRIBUTO PELA CANTORA CELIAH ZAIIN...




Feira de Santana também está na lista das cidades que estão celebrando os 100 anos do sambista, cantor, compositor, bandolinista, violonista brasileiro “Noel Rosa”, com o Tributo à Noel Rosa, apresentado pela cantora e compositora feirense Celiah Zaiin, o pianista popular Tito Pereira, o Clarinetista Silvério Duque e o percussionista Tunico Freitas com apresentação de Jeam Marques, o qual será apresentado no Natal na Praça no dia 10 de dezembro (próxima sexta) sendo que no dia 11 de dezembro o compositor completou seu primeiro centenário.




O Show reune 12 músicas as quais ultrapassam os 70 anos e segundo a legislação brasileira é considerada “domínio público”, clássicos como “Com que roupa”, “Três Apitos”, “Ultimo desejo”, palpite infeliz, etc...Noel Rosa teve contribuição fundamental na legitimação do samba de morro e no "asfalto", ou seja, entre a classe média e o rádio, principal meio de comunicação em sua época - fato de grande importância, não só o samba, mas a história da música popular brasileira.




Não Percam!!!

DIÁLOGOS: 2ª EDIÇÃO... EU RECOMENDO...






Mais conhecida fora da Bahia por conta da obra de Jorge Amado e Adonias Filho, a região Grapiúna, cujas cidades pólo são Ilhéus e Itabuna, onde se desenvolveu o cultivo do cacau, também viu nascerem poetas de fundamental importância para a literatura baiana, como Sosígenes Costa, Adelmo Oliveira, Ildásio Tavares, Abel Pereira e Florisvaldo Mattos, apenas para citar alguns.


Calcados nessa forte tradição, uma nova geração de poetas grapiúnas foram apresentados em Diálogos – Panorama da Nova Poesia Grapiúna (Ilhéus/Itabuna: Via Litterarum/Editus, 2009), obra organizada pelo poeta e ensaísta Gustavo Felicíssimo. Aos dez antologiados da primeira edição – Edson Cruz, Heitor Brasileiro Filho, Noélia Estrela, Piligra, George Pellegrini, Rita Santana, Fabrício Brandão, Daniela Galdino, Mither Amorim e Geraldo Lavigne – juntam-se, agora, em segunda edição, mais dois poetas – André Rosa e Marcus Vinícius Rodrigues – dessa vez com sete poemas cada um, contra cinco da primeira edição. São doze poetas (alguns deles bastante premiados) que já estão inseridos entre aqueles que produzem a melhor poesia baiana, quiçá brasileira, deste início de século. Como afirma o crítico de arte Henrique Wagner, “a segunda edição de um livro de poemas é acontecimento incomum, infelizmente, em nossos dias – e em verdade sempre o foi, mas tem sido cada vez mais incomum, a ponto da primeira edição já ser, ela mesma, uma raridade. Se tal acontece, é porque um milagre chegou perto de acontecer, se não aconteceu, de fato”.

A segunda edição, revista e ampliada, de Diálogos, será lançada no próximo dia 11 de dezembro, às 18 horas, na Academia de Letras de Ilhéus, oportunidade em que haverá um bate-papo com Jorge de Souza Araújo, prefaciador da obra, sobre a poesia baiana contemporânea.

Todos os poetas antologiados na 2ª Edição de Diálogos – Panorama da Nova Poesia Grapiúna, com exceção de Edson Cruz, que reside em São Paulo, estarão presentes no lançamento para uma seção de autógrafos.


São eles: Heitor Brasileiro Filho, André Rosa, Noélia Estrela, Marcus Vinícius Rodrigues, Piligra, George Pellegrini, Rita Santana, Fabrício Brandão, Daniela Galdino, Mither Amorim e Geraldo Lavigne.

É imperdível!!!

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

DOIS POEMAS E UM COMENTÁRIO... POR OVÍDIO, SILVÉRIO DUQUE E JESSÉ DE ALMEIDA PRIMO


A morte dos Nióbidas, por Pierre Charles Jombert


NÍOBE

por Ovídio

(...)Queda-se só,
entre os cadáveres dos filhos, e os das filhas, e o do marido.
Pela desgraça fica hirta. A brisa já nem um só cabelo move,
...o rosto empalidece, sem pinga de sangue, os olhos param,
imóveis, na desolada face: nada está vivo na sua figura.

Até a própria língua se congela no interior do palato
endurecido, e as veias desistem de poder palpitar.
E já nem o pescoço se flecte, nem os braços se movem,
nem os pés logram andar: até o interior das vísceras é pedra.

Porém ela chora. E, apanhada pelo turbilhão de um vendaval,
é levada para sua terra. Ali, fixada no cimo de um monte,
desfaz-se a chorar, e ainda hoje do mármore jorram lágrimas.

(...Ovídio, Metamorfoses, livro VI, VV. 301-312, trad. Paulo Farmhouse Alberto)


A CANÇÃO DE NÍOBE
por Silvério Duque

Se morta, sim, eu me fizesse, adormecendo
sobre os braços da terra amiga, pouparia
meu coração desesperado e me faria
...como a doce romã que, agora, florescendo,

amadurece alegre, e, enfim, apodrecendo,
reduz sua doçura à lembrança de, um dia,
ter sido, entre outras tantas, a que, de alegria,
povoou o chão com belas sementes; mas vendo

minha função de mãe minorada a um momento
de mais profunda angústia, assim, eu permaneço,
petrificada, imóvel pelo sofrimento,

...não recordando mais da luz do sol nascente
e nem sentindo a forma fria onde me esqueço:
esta fonte a fluir sua dor, eternamente...


COMENTÁRIO

por Jessé de Almeida Primo

Este é o momento em que Níobe - após ter disputado com Latona a primazia das oferendas - vê seus sete filhos, seu maior orgulho, morrendo um a um alvejados pelas setas de Apolo e de Diana, filhos da própria Latona. Alguém submerso numa dor tão imensurável que a única imagem possível é de uma ...pedra que chora, é uma metáfora tão poderosa quanto tocante.

O soneto - do livro Ciranda de Sombras a ser lançado proximamente - que antecede ao trecho de Ovídio foi resultado de um desafio que fiz a seu autor e meu amigo Silvério Duque. Após ouvi-lo narrar esse mito, fiquei tão impressionado com a precisão com que o fez que não vi outra saída senão pedir-lhe que ...escrevesse um poema sobre o assunto.

Afinal, da mesma forma que só a mutação em pedra-fonte poderia dizer a dor da personagem, a poesia seria a única forma de dizer essa dor.Eis que poucos dias depois, o autor me aparece com esse alexandrino em que dá voz à própria vítima do infortúnio e que encerra com um verso extraído ao fragmento da poetisa Safo de Lesbos. Salvo engano, a única parte do poema que chegou ao nosso conhecimento.Reparem a mobilidade das cesuras no primeiro quarteto que aos poucos cede espaço à sua imobilidade a partir do quarteto seguinte, sempre nas sextas sílabas, como se estivesse a ilustrar assim o processo de petrificação.

Além disso, o estilo contido que diz de algum modo esse estado pétreo da narradora, e a distribuição imitativa da rimas. Ou seja, os verbos “florescer” e “apodrecer” encerram, cada um, respectivamente, o quarto e o quinto versos, seguindo assim uma seqüência lógica.