sexta-feira, 27 de setembro de 2013

MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA...

Moça com um brinco de pérola de Jan Vermeer van Delft (1665):
Óleo; 46,5 x 40 cm – Casa de Maurício de Nassau, Haia, Holanda.





MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA*
(por Silvério Duque)







à Sr.ª Irene Carneiro da Silva, minha mãe.



 – Mas, é assim que emprestamos, à verdade,
a maravilha oculta em meio às sombras
que uma luz vai buscar, na intimidade
de um olhar, outro olhar em meio às dobras

que o fulgor vai traçar por entre as partes...
Outra metade é escrita pelas sobras
de um frágil instante entre o real e as artes
que todo artista traz em suas obras.

Este instante evidente da emoção
é quando o olhar desacredita a pérola
na iminência de um susto, aparição

silenciosa de um lume sobre a tela
que se prende do mesmo rosto até a auréola:
de amor, toda falena se une à vela.







*Esse, e outros poemas, fazem parte de meu mais novo livro: Ciranda de Sombras (É Realizações, 2013). Adquira já o seu aqui: http://www.erealizacoes.com.br/livros/Ciranda-de-Sombras.asp

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A BAHIA SEGUNDO PATRICE DE MORAES...


Título: Minha Bahia
Autor: Patrice de Moraes
Gênero: Poesia
Apresentação: Nívia Maria Vasconcellos
Ilustração de capa: Gabriel Ferreira
Editora: Mondrongo
ISBN: 978-85-65170-28-4

Valor: R$ 20,00
Comprar: http://www.mondrongo.com.br








Um poema feito de Bahia

 (por Nívia Maria Vasconcellos)





Conheci Patrice de Moraes há exatos 13 anos nos corredores da Universidade Estadual de Feira de Santana. Mas o que me aproximou dele, mais do que o fato de cursarmos Letras, foi sua paixão pela poesia. Desde então, passei a conhecê-lo não apenas enquanto estudante, mas enquanto poeta. Sempre me atraiu muito e, por que não, seduziu-me muito seus poemas eróticos, ou como ele mesmo denominou no seu primeiro livro, euróticos. O trabalho dele, com esse leitmotiv, tornou-se constante a ponto de todos que já o leram associá-lo, imediatamente, às poesias eróticas em geral não deixando nada a desejar – e não é exagero essa minha assertiva – diante de poemas de igual temática de um Drummond ou de um Bocage.

Ao me deparar com Minha Bahia, por ter uma temática completamente diferente do que conhecia do criar de Patrice de Moraes, poderia ter ficado surpresa, mas não. A pessoa do Patrice de Moraes tem tanta baianidade em seu jeito de ser que este seu novo livro, mais do que uma leitura e uma apologia desse estado que ele notoriamente tanto ama, é uma leitura dele mesmo. O seu jeito de vestir, suas crenças, as músicas das quais gosta, a culinária, tudo está presente neste opúsculo. Nele, há cheiro, paladar, paisagens, religiosidade e as contradições que compõem a memória individual de Moraes que dialoga com a memória coletiva dos baianos e ora confirma ora cria uma memória dessa unidade federativa na mente daqueles a quem o poeta chama de não-baianos. Indubitavelmente, um poema que só poderia ser criado por um baiano que se sabe e se envaidece por sê-lo.

O título já comunica afeto. O pronome minha – mais do que um determinante do nome que lhe indica propriedade – manifesta aproximação, respeito e, sobretudo, intimidade. Algo muito comum em expressões como “minha preta”, “minha nega”, “meu dengo”, tipicamente baianas, que já aparecem nos primeiros versos do poema. Ainda na primeira estrofe, a palavra “porreta” comunica uma oralidade que não é fruto de um descuido formal, e sim um meio de se apresentar de forma mais fidedigna o modo de ser do baiano já que sua linguagem diz muito sobre seu comportamento e sobre demais características que o representa: como a criatividade e a malemolência.

O livro apresenta um poema composto por 15 partes. As 14 primeiras possuem uma padronização dos versos, divididos em 14 quartetos sempre finalizados com um verso que sintetiza a temática e que é uma espécie de chave de ouro. A última parte, diferentemente das outras, em vez de 14 estâncias, apresenta um soneto, forma que o autor domina muito bem e que já é uma de suas marcas comprovadas pelo Eurótico em poesias como Peculiaridade e pelo seu, ainda inédito, Amor em carne viva. Essa última parte ainda guarda uma surpresa para o leitor e mostra muito de sua habilidade com os versos, muito de sua grande artimanha criativa.

Seu metro formado predominantemente de versos decassílabos apresenta, muitas vezes, enjambements que permitem uma leitura mais fluída. Tal recurso assim como as pausas que são impostas dentro dos versos (conquistadas pelo uso de toda sorte de sinais gráficos como as vírgulas, o ponto de seguimento, os travessões, os parêntesis e as reticências) cadencia a leitura e materializa as intenções do autor num jogo de som e silêncio que atribuem ritmo ao ajuntamento das palavras. Posso acrescentar aí a homofonia que, quanto à posição no verso, é externa e, quanto à posição na estrofe, é intercalada (tipo de rima que ele domina muito bem por ser um exímio sonetista). A musicalidade alcançada por esse jogo rímico é intensificada pela tonicidade dos versos que são agudos e graves com a predominância desse último:

onde oração à vida e ao que ela tem
de essencial revelam a ambição
de um povo que desdobra o coração
na fé num orixá..., num santo... – amém.







PARTE I


Na primeira parte, somos apresentados ao poeta enquanto baiano e a Bahia com toda a sua religiosidade, uma terra que, como ele mesmo salienta, tem: “tantos meridianos à religião voltados”. Assim, louva o caráter sincrético da religiosidade baiana, mas não omite também que sua origem não foi branda, mas herdada, por meio de muito sofrimento de seus antepassados.

As partes II e III confirmam a ideia de que suas estrofes podem até ser laudatórias, mas não são inocentes. Pretendem enobrecer, mas não deixam de reconhecer as adversidades, lutas, batalhas e senzalas, assim como as “correntes podres do racismo e da matança oficializada” que mancharam a história desse estado, mas que, por outro lado, formaram um povo que, ao contrário do que muitos pensam, tem consciência de que “nem tudo é fantasia de carnaval”.

Àqueles que quiserem exigir mais postura crítica nessa Bahia em versos, Patrice de Moraes traz um contra-argumento que se firma como uma justificativa não irrefutável, mas, pelo menos, aceitável: os satíricos poemas de Gregório de Matos que, barrocamente, realizaram tal empresa já cumpririam com excelência tal necessidade. Assim, ele dialoga com o nosso poeta barroco e suas composições trazendo em suas linhas a expressão Cidade da Bahia e, explicitamente, o poema Triste Bahia, o qual não só menciona, mas também transcreve seus versos: “Triste Bahia! Oh quão dessemelhante / Estás”. Por meio de tal fundamentação, desliga-se da obrigação de ser também satírico tal qual nosso poeta maldito, o nosso Boca do Inferno. E, a quem insistir, ele indaga: “Para que eu repetir o que foi dito [...]?”.O que ocorre é que ele não se furta totalmente do olhar crítico, mas não faz dele o ponto fulcral desta obra.

com o xique-xique, com o mandacaru,
com o solo infértil, com o rebanho à fome;
com a indiferença braba que consome
(mordaz) um e outro assim como eu e tu. (parte VI)


Mais do que desvelar os vícios sociais, o Minha Bahia pretende revelar a coragem e alegria do povo baiano não como fruto de uma alienação, mas, deliberadamente, de uma escolha. A prova disso é que há partes como a IV na qual salienta o fato de a então província da Bahia ser decisiva para a independência do Brasil e a sua confirmação, fazendo menção direta à batalha de Pirajá. Não se pode esquecer que a história do Brasil sofreu interferência direta das lutas por uma autonomia política iniciadas na Bahia como a Conjuração Baiana (1798), Federação dos Guanais (1832), revolta dos Malês (1835).






PARTE II

A quinta parte possui versos tão alegres quanto à ideia que passam. O riso – vocábulo constante em várias estâncias – é uma das marcas do povo baiano que coloca “a alegria à frente da tristeza”. A culinária, com seus acarajés e abarás, contém a própria alma do baiano. Nesse ato, o sabor do alimento vai dando espaço à criatividade musical que se confirma na parte VI, na qual grandes menestréis são aludidos (Xangai e Elomar) e outros tantos artistas são lembrados para provar o quão profícua é a Bahia, tão solidária ao oferecer ao Brasil e ao mundo grandes nomes nas artes como Gregório de Matos, Castro Alves, Jorge Amado, Dodô e Osmar (parte VIII), Riachão, Tom Zé, Raul Seixas, Caetano, Gil, Bethânia, Gal Costa, Glauber Rocha, João Gilberto, Dorival Caymmi (parte IX) e mais gente de “musicalidade variada” da qual o poeta, ousadamente, não deixa escapar nem a popular e massificada axé music

Outros nomes memoráveis saltam aos olhos como Irmã Dulce (parte VI), Divaldo Franco, Mãe Menininha do Gantois. Esse três nomes enumerados revelam muito mais que solidariedade e compaixão; sobretudo, denotam ecumenismo religioso: uma freira, um espírita e uma  Iyálorixá respectivamente. Todos reconhecidos nacional e internacionalmente pelos seus feitos e todos baianos de nascimento e vivência.

Ele chega a aproximar Popó de Maria Quitéria em estrofes sucessivas (parte XIII) e alude a intelectuais, educadores, políticos, pessoas das mais variadas áreas (parte X). Uns ainda vivos outros já falecidos, uns no ostracismo outros no mainstream, todos vão sendo enumerados de maneira ritmada e sem perder a cadência do verso, o que demonstra toda a destreza conferida a nosso poeta e da qual ele lança mão a todo momento sem perder o jogo de cintura e mantendo seu esquema estrófico e rímico: os versos interpolados e a rima externa predominantemente grave.

posto, peculiar aos homens retos.
Mário Gusmão, Otávio Mangabeira,
Sérgio Cardoso, Walter da Silveira,
Assis Valente, João Ubaldo, – afetos

Outros do coração baiano –, Bel
Borba, Othon Bastos, Marta Rocha, e mais
Calazans Neto, Mário Cravo... Faz
Gosto citar baianos..., um mundéu


Enquanto também baiana, senti falta de personagens controversos da História baiana como Lucas da Feira e Besouro. Não sei se por lapso ou opção. Mas, como não é besta nem nada, nosso poeta não se esquece daqueles não-baianos que se deixaram apaixonar pela Bahia. Gilberto Freire (de quem ele pega emprestado a frase que forma a epígrafe deste opúsculo) é um dos nomes lembrados e não podia mesmo ficar de fora, pois, mesmo sendo pernambucano, reconhece que “todos os brasileiros são baianos”[1]. Para se juntar a ele, o poeta chama a Pierre Verger e Caribé. Algumas estâncias depois, já na parte XII, Carmem Miranda é aludida. Ela, mesmo sendo um exagero tropicalista e tendo feito algumas películas de qualidade suspeita na mais autêntica extravagância hollywoodiana, levou o nome do Brasil e, em especial, da Bahia para o mundo com a música O que é que a baiana tem composta por Caymmi e por ela imortalizada. Realmente, tantos nomes ilustres só podiam fazer os baianos “libertar o lado ufano”.







PARTE III

Patrice de Moraes vai se mostrando não só um adorador da Bahia, mas, inclusive, um conhecedor de sua história e dos sujeitos que a compõem. Além disso, um conhecedor da Língua Portuguesa e de suas possibilidades. Sagaz, na parte XI, compôs três estrofes nominais em sequência. Apenas artigos definidos e substantivos se apresentam na relação de palavras que se estende por 12 versos de musicalidade pulsante, os quais ele encera com uma brincadeira com a fonologia da língua trocando fonemas que fazem vir à luz novos vocábulos com novos campos semânticos:

a farra, a prosa, o brilho, o azul, o licor,
a rede, a esteira, o campo, o ar, a asneira,
o encanto, o espanto, a graça, o fruto, a freira,
o ocaso, o acaso, o ser, o amar, o amor, (parte XI)


Ainda na parte XI, corrobora o estereótipo da Bahia como a “terra da alegria”. Como Recife é a Veneza brasileira; o Rio, a cidade maravilhosa; Salvador é a Terra da alegria e, assim como essas, outras tantas antonomásias passam a existir para designar outros tantos topônimos, geralmente, resultado de uma imagem mental padronizada sobre tais localidades. Mas,apesar de ser repudiada por alguns que a veem como meio de maquiar problemas sociais diversos, Moraes aplica essa antonomásia em outra dimensão. Ele não quer ser panfletário e assegurar uma vaga na Bahiatursa. No seu poema, a alegria (ratificando o já dito) surge não como efeito de um ser que não se sabe sofredor e se encontra alheio aos maus-tratos que o vitimam, e sim como uma opção de indivíduos que sabem o que os aflige, mas optam pelo riso apesar disso. É uma questão de índole, de espírito pois:

Baiano que é baiano não se entrega.
Baiano que é baiano não desiste.
Baiano que é baiano põe-se em riste
mesmo atingido pela escolha cega  (parte VII)


Na penúltima parte, a Bahia vira vocativo e se personaliza pelo pronome quem: “que fazes tu, Bahia, ser quem és”. Sua segunda estrofe apresenta-nos um cultismo à moda dos versos barrocos gongóricos e seu jogo de palavras com seus hipérbatos e trocadilhos:

Que bom te ter certeza em minha vida;
em minha vida ter-te certamente.
Acerto em ter-te acertadamente.
E ter-te é glória certamente tida. (parte VII)

E mais espertezas criativas se apresentam como o neologismo “nordeste-me” e a divisão do “viste- / me” com um pronome na estrofe subsequente até chegar, como um bom Caminha, aos modestos versos “dei de mim o quanto foi possível / para exprimir destarte o inexprimível/ amor que tenho a ti”.Como um falso fim, os últimos quartetos se oferecem a nossa leitura. Eles mudam o vocativo, o interlocutor agora é Deus a quem Patrice dirige uma prece na qual sua religiosidade mais uma vez é posta à nossa presença e encerra uma súplica: continuar a ser baiano e a ser poeta.







PARTE IV

A última parte, entretanto, está por vir. A parte XV, um soneto à moda petrarquista, também classificado como soneto italiano por ter um agrupamento rítmico estruturado em 4 estrofes formadas por 2 quartetos e 2 tercetos. Ele se inicia com um verso decassílabo heroico “Sofrer..., mas ser da fé um puritano” (grifo do autor) e depois varia para outros ritmos. A combinação de rima das duas primeiras estâncias segue a mesma disposição das outras partes, rimas opostas, interpoladas: ABBA, seguidas de tercetos com esquema rímico CDD EED, como no poema Psicologia de um vencido do mestre Augusto dos Anjos.

Hábil em sua capacidade de criar versos, nosso poeta, neste opúsculo, apesar de seguir uma tradição poética não segue o rigor formal dos parnasianos. Goza de certa liberdade para cantar a sua terra como grandes poetas brasileiros já fizeram. Uns cantaram seu país, outros sua cidade: Gonçalves Dias exalta o Brasil em detrimento à terra lusa em seu poema Canção do Exílio, Manuel Bandeira alude a sua Recife em Evocação de Recife, Drummond evoca sua cidade mineira em Confissões de um itabirano, a lista é excessivamente grande para decliná-la toda aqui, mas podemos arrematá-la com aquele que cantou seu estado: Patrice de Moraes em seu Minha Bahia.

Inclusive o seu título me remete a outro poeta brasileiro, Casimiro de Abreu e seu poema Minha Terra, escrito em 1856 em Lisboa, no qual ele, já nos seus dois primeiros versos, torna-nos notório seu nacionalismo: “Todos cantam sua terra / Também vou cantar a minha”. E nosso poeta conjacuipense ao cantar a Bahia proclama que ela é “um estado em eterno estado de poesia”. Num momento em que a desterritorialização, adaptada às mudanças geridas pela nova globalização, impõe-se com todo o seu desenraizamento, mobilidade e hibridismo, Patrice de Moraes propõe uma reterritorialização por meio de seu esforço em fazer sobressair uma identidade baiana que particulariza e eleva os seus filhos e os diferencia dos demais brasileiros.



“Bahia Bahia Bahia: o início, o meio e o fim” deste opúsculo. Boa Leitura.



[1] FREYRE, Gilberto. Bahia e baianos. Salvador: Fundação das Artes, 1990.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

"DO CORAÇÃO DOS MALDITOS" O MAIS NOVO LIVRO DE SILVÉRIO DUQUE...


Título: Do Coração dos Malditos
Autor: Silvério Duque
Gênero: Poesia
Apresentação e notas: Lucifrance Castro
Ilustração de capa: Gabriel Ferreira
ISBN: 978-85-65170-28-4
Valor: R$ 20,00
Comprar: http://www.mondrongo.com.br




Poucos poetas têm a capacidade de dialogar diretamente com o texto de outros poetas e demonstrar uma relação de influência tão frutífera, sem medo de cair nas armadilhas da mera imitação. Este ato contínuo de emulação a que Silvério Duque se propõe, demonstra não só a força de sua leitura, pois o que se verá daqui por diante é tão somente uma homenagem muito pessoal de um poeta aos seus textos e autores mais queridos, mas o exemplo vivo de uma capacidade técnica que poucos escritores, atualmente, podem se dá ao luxo de possuir; daí ter escolhido, em sua maioria, sonetos do autor; 13 para ser mais exata, pois, sendo o soneto uma das formas mais caras à grande poesia ocidental desde sua invenção em meados do século XIII, não poderia um poeta do calibre de Silvério se esquivar ao seu uso e domínio. Entretanto, escolhi, também, uma elegia, composta de versos “livres”, para mostrar que um grande domínio técnico não se limita apenas às formas fixas clássicas. Se, como diria Earl Miner, em sua Poética comparada, a literatura ocidental é a única que nasce da tragédia, e não da lírica, o que quero com a escolha destes poemas, a guisa de um título tão dramático, é reunir, entre muitos de seus versos, alguns de meus preferidos, ao tempo que escolho textos que dão voz a diversas personagens da história da literatura e da arte ocidental, por isso se é possível ouvir aqui tanto a mulher de Lot quanto o pobre desesperado da pintura de Munch, e que ganham, ou pelo menos reforçam, perspectivas através dos versos de Silvério Duque, onde acredito se reunirem, através de uma fusão que só um poeta de primeira linha poderia dar, os gêneros lírico, dramático e, num caso ou outro, narrativo. Outros critérios para esta antologia não ousei pensar, muito menos pôr em prática. Todavia, acredito ter alcançado meu objetivo em reunir poemas aparentemente tão díspares, mas, ao mesmo tempo, unidos por temas e estilos tão bem construídos pela disciplina de ideias, forma e sentido, e cujo resultado não se mostra menos do que um todo indissociável.




Lucifrance Castro














sexta-feira, 6 de setembro de 2013

GRANDE NOITE DE LANÇAMENTO DOS LIVROS: "DO CORAÇÃO DOS MALDITOS", DE SILVÉRIO DUQUE, "DA MORTE DA AMADA E OUTROS POEMAS RASGADOS", DE NÍVIA MARIA VASCONCELLOS E "MINHA BAHIA", DE PATRICE DE MORAES LANÇADOS ONTEM À NOITE, NO CIDADE DA CULTURA, EM FEIRA DE SANTANA...

Os poetas Nívia Maria Vasconcellos, Gustavo Felicíssimo (editor da coleção),  Patrice de Moraes, e Silvério Duque... em debate.


Silvério Duque...  na apresentação de seu mais novo livro Do Coração dos Malditos...
Os poetas Patrice de Moraes,  o artista plástico Gabriel Ferreira, a poetisa Nívia Maria Vasconcellos e Silvério Duque... numa noite inesquecível de muita música, artes plásticas e poesia.







Após lançar a série Diálogos, com a publicação de diversos livros de poetas sulbaianos entre os anos de 2011 e 2013, a Mondrongo Livros, editora do Teatro Popular de Ilhéus, coordenada pelo escritor Gustavo Felicíssimo, promove o lançamento coletivo das obras da Série Horizontes, destinada a publicação de livros dos novos valores da poesia de Feira de Santana e Recôncavo.

O evento que ocorreu em um grande sarau ontem à noite, no Espaço Cidade da Cultura, em Feira de Santana, contou com a presença de um grande público formado principalmente de artistas e admiradores da poesia. As obras publicadas foram: Do Coração dos malditos, de Silvério Duque; A morte da amada & outros poemas rasgados, de Nívia Maria Vasconcellos; e Minha Bahia, de Patrice de Moraes. Todas trazendo, na capa, detalhes de quadros pintados pelo artista plástico  Gabriel Ferreira.

A Série Horizontes, como afirma Felicíssimo, nasceu por conta da amizade do editor com os autores envolvidos no projeto, no entanto vale lembrar que Feira de Santana é local de origem de importantes poetas baianos, como Godofredo Filho, Eurico Alves, Antônio Brasileiro e Roberval Pereyr, e que Silvério Duque, Nívia Maria Vasconcelos e Patrice de Moraes são autores experimentados na literatura (não apenas na poesia) e que por isso mesmo são parte de uma nova geração que dá segmento à tradição estabelecida ao mesmo tempo em que colaboram para o engrandecimento e reconhecimento da editora ilheense pelo meio literário baiano.

Para a aquisição das obras, cessem o site da Mondrongo Editora: http://www.mondrongo.com.br



domingo, 1 de setembro de 2013

SILVÉRIO DUQUE, NÍVIA MARIA VASCONCELLOS E PATRICE DE MORAES LANÇAM SEUS NOVOS LIVROS EM FEIRA DE SANTANA, NESTA QUINTA-FEIRA, DIA 05 DE SETEMBRO...




Após lançar a série Diálogos, com a publicação de diversos livros de poetas sulbaianos entre os anos de 2011 e 2013, a Mondrongo Livros, editora do Teatro Popular de Ilhéus, coordenada pelo escritor Gustavo Felicíssimo, promove o lançamento coletivo das obras da Série Horizontes, destinada a publicação de livros dos novos valores da poesia de Feira de Santana e Recôncavo.

O evento vai ocorrer em um grande sarau no próximo dia 05 de setembro, quinta-feira, no Espaço Cidade da Cultura, às 19 horas, em Feira de Santana. As obras publicadas são: Do Coração dos malditos, de Silvério Duque; A morte da amada & outros poemas rasgados, de Nívia Maria Vasconcellos; e Minha Bahia, de Patrice de Moraes. Todas elas trazem na capa detalhes de quadros pintados pelo artista plástico  Gabriel Ferreira.

A Série Horizontes, como afirma Felicíssimo, nasceu por conta da amizade do editor com os autores envolvidos no projeto, no entanto vale lembrar que Feira de Santana é local de origem de importantes poetas baianos, como Godofredo Filho, Eurico Alves, Antônio Brasileiro e Roberval Pereyr, e que Silvério Duque, Nívia Maria Vasconcelos e Patrice de Moraes são autores experimentados na literatura (não apenas na poesia) e que por isso mesmo são parte de uma nova geração que dá segmento à tradição estabelecida ao mesmo tempo em que colaboram para o engrandecimento e reconhecimento da editora ilheense pelo meio literário baiano.


Nesta quinta-feira, dia 05 de setembro, às 19h00, no Espaço Cultural, Cidade da Cultura (Rua H, 170, Conj. João Paulo II).


A entrada é franca...!!!

ANDREI PLEȘU E A BUSCA DAS ALEGRIAS COMUNS...









A BUSCA DAS ALEGRIAS COMUNS:
ou ANDREI PLEȘU E O COMUNISMO COMO ELE É


O que se alegra com a verdade é semelhante a alguém cuja casa se incendiou e que, ferido pelo dissabor no fundo de seu coração, começa, no entanto, a construir uma nova casa. E para cada tijolo novo assentado, o coração dele se enche de alegria.
          
 MARTIN BUBER




A Romênia possui uma das histórias mais controversas e marcadas por batalhas de toda a história da humanidade. Fora conquistada pelos romanos há quase 20 séculos, para que Trajano pudesse pagar suas dívidas de guerra, depois pelos turcos, húngaros, austríacos, russos, até cair nas garras daquele que seria seu pior pesadelo: o Comunismo. A própria língua romena é exemplo deste emaranhado cultural trazido pelos muitos conquistadores ao longo de sua história. É uma língua neolatina com muitos sons e estruturas sintáticas derivados do árabe e até do eslavo. Pelo que sei, até meados do século XIX, o romeno usava o alfabeto cirílico.

No entanto, para muitos brasileiros com o mínimo de inteligência e conhecimento, seu saber pela Romênia limitar-se-ia ao fato de lá existir a Transilvânia, terra do Drácula. Mas a antiga Dácia, lá nos tempos dos romanos, vai bem além de criaturas míticas e horripilantes. A Romênia, hoje, é, de longe, a terra de bárbaros que tanto enojava o por lá exilado poeta Ovídio. Poucos países, em nossos dias, podem se orgulhar de produzir uma gama tão grande e tão qualificada de filósofos e escritores como a Romênia. Nomes tarimbados como Emil Cioran, Mircea Eliade, Eugène Ionesco e Mihai Eminescu, ao lado de mais recentemente difundidos como Lucian Blaga, Nicolae Steinhardt e Constantin Noica (este último, um dos maiores e mais influentes pensadores do século passado ao lado de nomes como Husserl e Ortega y Gasset), vão desfazendo o mito de que na Romênia para nada vai além de vampiros e empaladores, e provando, ao leitor mais curioso e ávido de novidades cada vez mais repletas de qualidade, que existe uma vida filosófica para além dos berços tradicionais do pensamento ocidental.

Para completar este time, a editora É Realizações, acaba de lançar, no Brasil, o livro Da alegria no Leste Europeu e na Europa Ocidental e outros ensaiosDespre bucurie în Est şi Vest şi alte eseuri, no original –, uma série de quatro conferências do professor, filósofo e ex-ministro da Cultura e das relações Exteriores da Romênia, Andrei Pleşu, numa iniciativa muito ousada e corajosa de seu editor Edson Manoel de Oliveira Filho – porque viver de boa literatura ou editar filosofia que não seja de Esquerda aqui no Brasil é pedir para abrir falência –, e com mais uma tradução primorosa de meu amigo Elpídio Mário Dantas Fonseca – o mesmo que traduzira para o Brasil a obra-prima de Nicolae Steinhardt, O Diário da Felicidade, editado e lançado pela mesma É Realizações.

O leitor brasileiro, entretanto, perguntar-se-á: o que um livro sobre a Europa Oriental tem a ver com o nosso Brasil varonil, ou em que contexto essas duas nações podem se encontrar lá pelas curvas da história e das ideologias? Ou, o que os escritos de um ex-ministro romeno, sobrevivente da ditadura comunista em seu país, e de relativa contextualização sócio-política entre a Europa Ocidental e Oriental, acrescentará em minha vida?! E eu, de pronto, ponho-me a responder: mais do que você imagina, leitor amigo... mais do que você imagina...


Em Da alegria no Leste Europeu e na Europa Ocidental e outros ensaios, Andrei Pleşu nos oferece uma real visão do que é viver em uma sociedade socialista. Não àquela exaltada e barateada por nossos estudantes universitários e demais simpatizantes da ditadura dos Castros – porque pimenta no terceiro olho dos outros é refresco –, mas a visão de quem, realmente, viveu em uma sociedade totalitária regida por uma ideologia de violências, onde o simples fato de ter pão em uma padaria não signifique uma constatação óbvia e sim um acontecimento notório capaz de gerar uma euforia e uma comoção despropositadas, pois se alegrar com aquilo que, para nós do lado de cá do Globo, nos parece “natural ou pressuposto” pode ser uma das experiências mais marcantes numa ditadura como a que se estabeleceu na Romênia dos anos 60 a 1989.

Ao lado dessas alegrias mínimas, que nada mais são do que a “euforia pelo estritamente necessário”, Pleşu nos fala de outras alegrias que se poderiam viver numa sociedade como a da Romênia comunista; um bom exemplo disso é o que ele chama de alegrias negativas, ou seja, são aquelas derivantes não da sensação de ter uma experiência desagradável, mas da de “não ter uma experiência ruim”. Numa sociedade como a que Romênia viveu até 1989, que é a mesma que Cuba ou a Coreia do Norte, por exemplo, vivem até hoje, estar à sombra do medo e das expectativas negativas é algo que só se pode esquecer com a não realização de tais expectativas. Desta maneira, enquanto do lado de cá – capitalista e livre –, alegramo-nos quando, por aqui, não se produz a “anomalia do mal”, do lado de lá, como aqueles que viviam à sombra da Securitate, ou como vivem os que moram sob o sol caribenho de Fidel Castro, alegram-se por não se produzir a “anomalia do bem”. A alegria de se escapar à censura ou da acusação de algum crime que, supostamente, se possa cometer é, talvez, maior que a alegria de não perder a saúde, ou ter o nome sujo no SPC, ou mesmo perder o capítulo de ontem da novela das nove.

Estas alegrias somam-se, segundo Andrei Pleşu, às alegrias proibidas. Numa sociedade não comunista, e, só por isso mesmo, livre, como a da Europa Ocidental, a proibição é um fator legítimo dentro de uma sociedade de moral unanime, e, desta forma, aceita dentro dela, tornando quaisquer violações a ela um ato maléfico legítimo. Todavia, numa sociedade como a que existia na época dos Ceauşescu, a mera transgressão à legitimidade da proibição era um motivo de júbilo e até de sentimento heroico, pois não representava um ataque à moral, pelo contrário, em tal transgressão desenhava-se nada mais nada menos do que um ato de coragem moral e, por que não, de “júbilo espiritual”, ou como nos diz o próprio Pleşu: “As alegrias proibidas são alegrias perigosas. O prazer é dobrado pela palpitação do risco. Até mesmo algumas alegrias que – em condições normais – são ilegítimas, por exemplo, a alegria de enganar o Estado, chegando até mesmo ao furto ao Estado, ganhavam, no contexto comunista, uma estranha legitimidade: eram um ato de sabotagem, uma maneira de pegar de volta o que o regime te confiscara de modo arbitrário quando chegou ao poder.” É de se imaginar quantos cubanos devem ter essa alegria quando conseguem levar para casa um pouco a mais de leite ou ter acesso, mesmo que ignorantemente, à Internet. Isso sem contar o júbilo que dever ser chegar a um país livre depois de atravessar meio oceano de perigos não maiores que o regime do qual acabara de escapar. Enquanto que, em uma sociedade como a nossa, a corrupção, o roubo ao Estado ou mesmo o vício são transgressões diretas à moral e ao bem estar de nossa sociedade, na Romênia dos Ceauşescu tais transgressões são, paradoxalmente, afirmações da moral sobre um governo de imorais.

Encaminhando tal discussão para um campo mais especificamente filosófico, Andrei Pleşu constata que, à Europa Oriental, e, no caso dele, mais precisamente, à Romênia comunista, faltava aquela alegria definida por René Descartes em seu Les Passions de l’âme: “a pura contemplação dos bens presentes”. Que bens presentes, nem muito menos contemplação de tais bens, podem existir em Cuba? Nada deve ser mais falto na Ilha da Fantasia dos Castro, como na Romênia de Ceauşescu, que o Presente. O presente não pode sequer se imaginar em uma sociedade cujo mal antecipado como provável tarda a acontecer, embora ninguém queira duvidar de sua inevitabilidade nem, muito menos, apressar-lhe a vinda. Desta maneira, a alegria pela realização das expectativas é, ao contrário do que poderia nos parecer, bem menor do que a realização das coisas cuja realização era duvidável. Este cuius eventu dubitavimus, como aquele de que fala Spinoza, em sua Ética, está mais próximo do que, realmente, sociedades que vivem sob as asas do medo passam a viver. A satisfação pela lembrança de um passado ou da imaginação de algo passado a despeito de nossas dúvidas resume bem os tipos de alegrias tão excêntricas que eram experimentadas pelos romenos antes de 1989. Alegrar-se com um presente que até então se duvidara possível, muito menos provável, consiste num sofrimento e numa angústia temporais terríveis, pois há sempre uma nuvem escura a pairar sobre este presente: eis o “sofrimento pela temporalidade” de que nos fala Andrei Pleşu, em seu Da alegria no Leste Europeu e na Europa Ocidental e outros ensaios: o passado imediato é lúgubre, o presente é sempre difícil e o futuro um oceano de incertezas. Entre “nostalgias estéreis e esperanças infundadas”, o homem (neste caso, não só o cidadão do Leste Europeu), até então acossado pela falta total de liberdade, perde o controle sobre aquilo mesmo que ele tanto queria, depois de alcançá-lo: a Liberdade propriamente dita e o bom uso de suas melhores atribuições.

O resultado disso não é menos que um estranhamento por parte de quem não quer voltar às garras do antigo regime, mas não consegue se debruçar nos braços da nova realidade. Desta maneira, as alegrias oriundas da liberdade, outrora tão desejadas, tornam-se difíceis e incompreensíveis. Tudo porque, a ideologia de uma sociedade comunista, incapaz de garantir, aos seus cidadãos, o mínimo para uma vida decente, por mais que nossos professores e estudantes de Histórias discordem vociferadamente, e, antes, preocupada em comprometer, pelo medo, a própria alegria de se viver, via, na felicidade, um bem tão caro quanto perigoso às suas concepções. E se há alguma alegria em um governo comunista esta não vale de nada por ser falsa e imposta.

O que se verá com isso é um sentimento interior de orfandade e abandono muito comum àqueles que acabam de sair de uma situação de horror, que o diga de um regime que, em todas as suas formas, é horror puro. A alegria e a felicidade são bens ao mesmo tempo impossíveis e estritamente obrigatórios. Só um universo privado é capaz de assegurar alguma especialidade; só nas rodas de amigos ou nas discussões intelectuais – as mais proibidas, principalmente – a alegria parecia possível de se tornar um bem comum. A alegria, nesse contexto, parecia ganhar a concepção de uma diffusio animi que tanto falara Sto. Agostinho. Se a alegria é a “expansão da alma”, um regime como o comunista sempre lutará para garantir o contrário. O Comunismo para Pleşu é a institucionalização da “contração” desta mesma alma. Na atribuição de sua dita “luta de classes”, o Comunismo é, na prática, uma usurpação das elites, uma política de engodos e uma institucionalização da mediocridade. Em suma, a ideologia comunista nada pode nos dar de real que a estatização da tristeza.

Todavia, a usurpação das alegrias, por menores que elas sejam, deu aos dissidentes de regimes como o da Romênia comunista uma visão demasiadamente crítica a muitas alegrias comuns ao nosso mundo ocidental. Enquanto que, no regime dos Ceauşescu, a alegria era algo fracionado e racionado, em nosso mundo ocidental ela parece desperdiçada cada vez mais. Não é à toa que Andrei Pleşu nos lembra que o Comunismo, e as ditaduras em geral, servem somente para “transtornar as coisas”, produzindo alegrias de contração, de redução voluntária e de restrição. Para Andrei Pleşu, a alegria, no Comunismo, bem como em outros regimes ditatoriais, tem algo de “metabolismo do sofrimento”, não sendo incomum que um autor como Nicolae Steinhardt, em seu O Diário da Felicidade, nos mostre que o desastre da prisão não seja incompatível com os desastres interiores, mas que “a alegria do prisioneiro é inevitavelmente contaminada pela atmosfera concentracionária”. Marcada por esse tipo de experiência, Andrei Pleşu nos mostrará o quanto que o oriental está despreparado para entender a simpatia unanime que existe, na Europa Ocidental, por movimentos de rua para as grandes passeatas públicas, destinadas a exprimir o protesto ou, pura e simplesmente, a alegria comunitária.

Para Andrei Pleşu, o civismo do Ocidental, nesta variante, é meramente fácil e carnavalesco. Acostumado a desfiles impostos, e educados, sob ameaça, a abster-se do protesto coletivo, o cidadão do Leste Europeu, por exemplo, não entende como um cidadão ocidental pode organizar, de boamente e fé, “marchas de Páscoa” patrocinadas por emblemas de assassinos como Che Guevara ao invés de passarem tranquilamente com alguns amigos, nem muito menos qual o propósito de protestos barulhentos de rua, quando os protestadores não ariscam nada e tudo não passa de uma grande “diversão”.  Andrei Pleşu entende a necessidade de se exprimir inerente a cada ser humano, e até mesmo que tais “protestadores” queiram comportar-se responsavelmente demonstrando uma lucidez política digna a qualquer cidadão, mas não pode deixar de notar a pequenez da proposta e a “candura” de tais manifestações. Além do mais, é difícil para alguém que viveu os horrores do Comunismo, como Andrei Pleşu, constatar que centenas de milhares de pessoas se mobilizam em todo o globo para condenar a Guerra do Irã, mas contra alguns ditadores sanguinários como Kim Jon Il, Ceauşescu ou Fidel Castro, nunca surgiram movimentos de tal envergadura.

Não obstante, quando Andrei Pleşu traça um perfil minucioso do combate comunista às elites (de todas elas: tipos, graus e espécies), descobrimos duas coisas: a primeira é a obsessão que o Comunismo tem pela “planificação do humano”, destruindo tudo que tem de “valor de identidade para o individuo humano e tudo que lhe confere alguma autoridade seja para si ou dentro de sua classe”. Anular a individualidade é planificar a espécie humana e isso sempre foi um objetivo muito prático para o tipo de controle que o Comunismo representa e tanto se empenha em difundir. Não é à toa que, de todos os grupos perseguidos pelos comunistas em todos os cantos do planeta onde seu regime se estabeleceu, os intelectuais foram seu maior alvo.  Já a segunda, é a necessidade de destruição da intelectualidade porque essa, segundo Andrei Pleşu, “abusa do espírito crítico e manobra conceitos como ‘verdade’, ‘cultura’, ‘ideias’...” Não se pode ser um intelectual no sentido pleno da palavra e servir ao Comunismo, pois o conhecimento não pode servir à burrice.

De igual modo também se combateu, ou se cooptaram artistas, e se repudiou qualquer tipo de formação realmente acadêmica, como também é comum aqui no Brasil, onde qualquer forma de conservadorismo é logo vilipendiada ou ridicularizada, pois é algo a que se deve apenas desprezo. Há mais de trinta anos, por exemplo, que toda produção artística brasileira se empenha em destruir não só as elites econômicas, taxando-as de exploradoras e corruptas, numa generalização descabida e leviana, mas também todo pensamento religioso, moral ou conservador é logo estereotipado, as “culturas populares” se sobrepõe fantasiosamente à erudita, o “achismo” toma o lugar da verdadeira dedução e do estudo aprofundado, a “esquerda” será sempre a boazinha e a vítima abusada, enquanto qualquer pensamento de Direita receberá a alcunha da intolerância e do genocídio que, basta olhar para a história, se verá que é uma condição essencial da Esquerda. O Comunismo é, para Andrei Pleşu, “o delírio do igualitarismo”... e como tem gente delirando por aqui, em terras tupiniquins.

Como se não bastasse, o fato de o Comunismo se apoiar nas massas nada tem de solidário ou político e socialmente correto; se assim o faz é porque as massas, que pouco se envolvem verdadeiramente nas coisas importante e quando o fazem é para estragar tudo, são, em seu contexto, burras e violentas, além de facilmente manipuláveis, e “desprezam toda e qualquer forma de excelência”, como, certa vez, afirmou Ortega y Gasset, em Espanha Invertebrada, pois qualquer idiota que se preste a ler um pouquinho mais logo perceberá que o Comunismo é uma espécie de teorização do ressentimento e a prática da mediocridade da parte de quem a ele se associa. O fim que se destina tudo isso, como já se disse aqui é o combate às elites, tornando-as não um corpo diverso dentro de uma diversidade, mas um corpo único e cancerígeno dentro de uma sociedade que se quer unificada pelo ressentimento, por isso mesmo Pleşu não deixa de abordar o tema das elites e sua importância, sem lhes desnudar, é claro, as contradições e problemáticas, todavia, nos relembrando seu principal papel, aquele que Platão chamou de μέγας καί τελήιος, e verificando que mais que um problema de ordem teorética, a questão das elites, em todo o mundo, e não só o dos antigos países dos Leste Europeu, é um problema de ordem prática, como o foi a sua destruição nos países comunistas. 

Como é possível ver, Andrei Pleşu, que além de ocupar os cargos de ministro aqui citados, é formado em Artes Plásticas e doutorado em História da Arte, em Bucareste, e membro da World Academy of Art and Science e da Académie Internationale de Philosophie de l’Art, de Genebra, afora os diversos títulos que recebeu como o de Dr. phil. Honoris Causa da Universidade Albert Ludwing de Freiburg im Breisgau, Alemanha, e da Universidade Humboldt de Berlim, Commandeur des Arts et des Letters, em Paris, e outros tantos, em seu Da alegria no Leste Europeu e na Europa Ocidental e outros ensaios, é dono de um conhecimento filosófico tão abrangente quanto prático, resultado da união de uma educação esmerada e profunda, como também de uma experiência de vida dolorosa, mas, independentemente, tomada de um poder de observação digno apenas de quem tem, na filosofia, mais que um diploma da USP, e sim um modus operandi comum ao que ele é e representa: um homem de ação cuja voz do filósofo, do esteta e do educador pode ser ouvida de forma clara e inteligível mesmo em nosso mundo assolado pela banalidade e exaltação da ignorância; um homem “cujo Curriculum Vitæ, inclui não apenas referências acadêmicas abundantes, mas também episódios políticos”, como afirmará Mihail Neanţu, um dos maiores teólogos e ensaísta político de seu país. Mas, certamente, seu maior legado intelectivo é, sem dúvida, a amizade e o aprendizado que recebera do amigo e filósofo Constantin Noica, e, sob sua orientação, soube como ampliar sua gama de interesses, voltando para o aprofundamento de discussões sobre ética, política e educação, e, pelo visto, não limitou seus interesses ao mero enriquecimento de seu currículo acadêmico, o que faz dele, com este mero gesto, um Filósofo por natureza e não uma mula de cabresto e diploma na mão como as que as nossas Universidades produzem. 

Não é à toa que Andrei Pleşu tanto demonstre, em seu livro, a profunda preocupação com a Educação. De todos os problemas urgentes aos quais os países do Leste Europeu se confrontam, e todos os problemas dos países do Leste Europeu são urgentes, o da Educação é sem dúvida o mais importante. Anos e anos de mentalidades destruídas pelo Comunismo precisam ser urgente mente reparados, por isso, para Pleşu, a reabilitação do nível de vida da população não é mais urgente do que o remodelamento das mentalidades, nem a reforma da indústria sem a reforma escolar, ou a queda da inflação frente à consolidação da sociedade civil pelo saber e conhecimento.  E, igualmente, não é mais importante a melhoria do ensino público que o refazer das elites, ou seja, de um grupo de grandes homens cujas qualificações fazem a diferença na construção e na grandeza de uma sociedade.

         O que se vê aqui é que os problemas enfrentados pelo Leste Europeu não são muito diferentes aos problemas que enfrentamos aqui no Brasil, mas nos falta, de longe, uma mentalidade tão centrada e sofisticada como a de um Andrei Pleşu. Jamais poderemos esperar da imensa maioria de nossos políticos e intelectuais um mero pensamento desta altura, quanto mais a sua prática. Até porque seus modelos de solução são bem diferentes aos modelos adotados ou admirados por aqueles que lutam pela reconstrução de anos de dominação comunista. Nossos modelos não são o da democracia americana ou europeu ocidental, mas o modelo cubano, norte coreano e mesmo o da Venezuela de Hugo Chaves; justamente modelos políticos que, por onde foram aplicados, não deixaram menos que uma trilha de corrupção, censura e morte. O mais interessante e agradável em toda essa explanação que Andrei Pleşu nos traz, em seu Da alegria no Leste Europeu e na Europa Ocidental e outros ensaios, é que ele a faz com muita simplicidade e profundo bom humor. Apesar de ser um livro escrito por alguém que vivenciou os anos negros da ditadura comunista de seu país, Andrei Pleşu não nos dá um livro para estômagos fortes; seu humor romeno é o humor de quem não teme o que diz, porque tem a verdade como alicerce. E este humor se torna mais intenso à medida que ele próprio se torna assunto de seu trabalho e de sua crítica às ideologias, ais quais, por natureza, são mesquinhas, mentirosas e ridicularmente dignas de quanto mais produzem figuras risíveis por levarem-se a sério demais em suas atitudes ridículas – e, aqui, eu não consigo parar de pensar em figuras ridicularmente abomináveis, tais como Marilena Chauí, Emir Sader e Leonardo Boff... só pra começar.

Para Andrei Pleşu, a falta de humor, sabe-se, é “uma das fontes mais abundantes de humor que existem”. E é, de fato, com muito bom humor que Pleşu nos mostra as agruras desta patologia social que se chama ideologia e suas práticas dogmáticas. Pois as ideologias também são faltas de humor, as ideologias também são falhas, e, por conseguinte, são ridículas; mas, ao mesmo tempo, são contagiosas e mortíferas, e toda e qualquer revolução, desde a da França de 1789, estão cheias delas, impregnando, contaminando e acarretando em um grande e descabido sofrimento humano.


É por tratar de coisas assim, caro leitor, tão caras não só ao contexto de seu autor, mais ao contexto de todo o mundo, que este é um livro para quem quer viver ou vive em uma sociedade saudável – e a nossa sociedade brasileira está longe de gozar de plena saúde –, e quem vive em uma sociedade saudável precisa tanto de substância bem como de reflexão, de meias e sonhos, de pão e utopias...  Aliás, este é um livro que deve ser lido por todos aqueles que não querem se tornar idiotas, nem, tão pouco, se contentarem em ver sua sociedade adoentada e pobre intelectualmente por querer se entregar a um regime que deixou um rastro de morte, miséria e destruição cultural por todos os lugares em que se fez presente. É para isso que um livro de um ex-ministro romeno, sobrevivente da ditadura comunista em seu país e de relativa contextualização sócio-política entre a Europa Ocidental e Oriental servirá em sua vida, leitor brasileiro.

Mas, se por um acaso, você for um daqueles “bons mocinhos” que, à semelhança dos que negam os horrores causados pelos nazistas aos judeus em seus campos de concentração, negam também os horrores que os comunistas infringiram e infringem aos seus – pois o maior crime do comunismo é sempre “aquele cometido contra seu próprio povo”, como afirmara Stephane Courtois, em O Livro Negro do Comunismo –, por acreditarem que conhece mais de um país comunista do que aqueles que verdadeiramente viveram e sobreviveram nele, então este livro não é para você... porque você já é um idiota.







Feira de Santana/Candeias, agosto de 2013.