terça-feira, 31 de março de 2009

DUAS HOMENAGENS PARA SILVÉRIO DUQUE: Feliz Aniversário...!!!!!


Bernardo Linhares, Silvério Duque, Nívia Vasconcellos, Lucifrance Castro... é uma Festa!!!



ILUMINAÇÃO
por Patrice de Moraes

ao mestre que tanto admiro,
meu amigo,
Silvério Duque,
atrevendo-me


Àquele monte ouvi a minha vida
dizer-me: “Sobe, sobe que o teu ofício
nasce aí, aos teus pés. Cede-lhe o início,
e abraça de uma vez tua lida!”

Suei..., suei no corpo a alma sofrida
de meu sertão, Tanquinho, e como o vício
que domina o viciado, vi o exercício
da minha subida abrir-me esta ferida

exposta à humanidade, sem pudor:
a pena da poesia melancólica!
Pena que quase fúnebre de si,

anima-me a subida porque aqui
dentro da alma, embora que bucólica,
chora o Universo inteiro a sua dor.



NAVEGADOR SOLITÁRIO
por James Vasconcellos de Lima
ao mestre e irmão Silvério Duque, com temor e tremor.



Aos homens
meu silêncio é paciência.
A Deus,
e mais a mim
é tormento.

Tormento
por tocar as estrelas
e não poder
permanecer junto a elas.
Tormento
em fechar os olhos,
encontrar a substância
do Ser e,
após abrir-me,
morrer
como um
cordeiro mudo.

Não quero
o soluço
das aves
na porta
de meu túmulo.
Nem no jazigo
o perpétuo
está-se morto.

Não jogo
aos cães
o meu
presente.
O meu futuro
não é meu. As
garras sim.
As falhas
sim. As sendas
rudes sim.

Mas estou tão só quanto as ilhas do Saara.
Tão só quanto as ondas do Atlântico.
Tão só quanto as folhas do outono.
Estou só, sempre só.
Porque sou todo um oceano.

Mas tudo é memória.

segunda-feira, 30 de março de 2009

TRÊS PERGUNTAS PARA SILVÉRIO DUQUE por Gustavo Felicíssimo


Silvério Duque

Silvério Duque é poeta, nasceu em Feira de Santana aos 31 de março 1978. Licenciado em Letras Vernáculas, pela Universidade Estadual de Feira de Santana, assume, além da poesia, as atividades de músico, clarinetista, já coordenou a Escola de Música da Sociedade Filarmônica Euterpe Feirense, aliás, as bases de sua formação musical advém das Filarmônicas. É professor, crítico literário e autor de dois livros de poesia O crânio dos Peixes, ( Ed MAC, 2002 ) e Baladas e outros aportes de viagem, ( Edições Pirapuama, 2006 ). seu próximo livro, Ciranda de Sombras, está no prelo. A entrevista a baixo, foi concedida ao blog Sopa de poesia http://sopadepoesia.zip.net/ do poeta e jornalista Gustavo Felicíssimo... é uma maneira de, na semana de aniversário do poeta, termos um pouco mais de suas palavras e de seu pensamento...











Gustavo Felicíssimo – É um estranho poder, o da poesia, capaz de opor-se à miséria humana, aos ditadores, e ao mesmo tempo tão impotente atualmente frente aos olhos da humanidade. Por que você acha que isso ocorre?




Silvério Duque
– Meu caro Gustavo, a Poesia, como quaisquer formas de arte, é, sem sombra de dúvidas, a primeira maneira, e, até hoje, a melhor, que o homem encontrou para se conhecer, expressar suas emoções e perpetuar seus princípios, seus valores, suas leis e sua cultura. A arte é tão velha quanto o homem e sua civilização e durante muito tempo o homem não teve a pretensão de se ver distinto da natureza e buscava, sobretudo, uma integração com todo o universo. O homem sempre teve a necessidade de transcendência, e de buscar um elo entre a aparente efemeridade da vida, das coisas e a Eternidade, e, nisso, sofisticou, ao longo das eras, as suas mais diversas formas de expressão, procurando representar sua percepção cada vez mais acurada do meio em que vivia. Em resumo, não há síntese mais perfeita entre a razão, a emoção, a vida prática e, acrescente-se a isso (doa em quem doer), a Presença Divina. E ela se faz perfeita por acabar-se em si mesma, porque, nela, se encerra todo um universo, uma maneira de compreender quando aceitamos que todas as coisas nos são possíveis, não podemos mudar ou acrescentar nada a um poema ou a uma obra de arte, apenas, a partir deles, deliberar; a Poesia é, em seu discurso, a probabilidade; ela capta tanto o real como imaginário àquilo que ela tem como presumível; o que não acontece com a filosofia, por exemplo: filosofar é um eterno reiterar-se (embora, os marxistas, em sua prática, discordem); é estar sempre aberto a uma nova frase, ou conceito,... ou coisa do tipo, que pode fazer com que aquele pensamento, antes direcionado para um lado, tome rumos completamente diferentes; a Filosofia, como a Ciência, de maneira geral, é um eterno acrescentar-se... e queira Deus que seja sempre assim. Já um poema, pode, sim, ser modificado ou acrescentado de muitos outros elementos por seu autor, mas, logo que publicado, tudo o que podemos fazer, sendo o poema, também, um assunto científico, é tirar dele o que ele nos tem a oferecer – sendo um bom poema, serão muitas e muitas coisas – porém, não podemos acrescentar-lhe um verso ou um pensamento sem destruí-lo ou transformá-lo em outra coisa, pois ele não é um sistema de pensamento, é a apreensão imediata e peculiar que seu autor fez de um momento de sua vida transmitindo-a a nós numa forma também própria de linguagem, no caso, artística; o que não quer dizer que o poeta não possa, mais tarde, deliberar sobre o que fez, mas não é a sua função primaz. Segundo o filósofo Olavo de Carvalho, em seu Aristóteles em nova perspectiva: introdução à teoria dos quatro discursos, este papel cabe, por exemplo, ao filósofo, que construirá, a partir do discurso poético, um pensamento filtrado naquilo que fora apreendido pelo poeta e, segundo o professor Olavo, “é sobre estas imagens retidas e organizadas na fantasia, e não diretamente sobre os dados dos sentidos, que a inteligência exerce a triagem e reorganização com base nas quais criará os esquemas eidéticos, ou conceitos abstratos das espécies, com os quais poderá, enfim, construir juízos e raciocínios”. Não podemos (não deveríamos) dizer: este verso ficaria melhor aqui, ou, o poema deveria ser menor, mais enxuto, menos prolixo... Podemos retirar do poema quantos conceitos queiramos arrancar, quantas análises acharmos por bem tirar-lhe, mas, no fim, ele será sempre o mesmo poema e não será nem mais nem menos por isso, porque ele é, acima de tudo, a síntese e o registro de uma época, de um modo de vida, de um momento no tempo, de uma maneira única e particular de ver as coisas, de uma maneira peculiar de expressar o que se pensava e o que se sentia naqueles exatos instantes onde cada palavra ganhava um sentido, uma função e um dever; dever que, muitas vezes, é, puro e simplesmente, o nosso sentir-se bem; é ter algo de onde arrancar ou compartilhar as nossas mais simples ou as nossas mais profundas emoções. Nas pinturas rupestres de Chauvet-Pont-d'Arc , e seus tão realísticos “cavalos”, ou na vestuária “teimosa” de Bentinho, em Dom Casmurro, de nosso inigualável Machado de Assis, a Arte, bem diferente da História, é um rigistro vivo daquelas coisas que citei há pouco: as épocas, os modos de vida, os momentos no tempo, aquela maneira única e particular de ver as coisas, a forma peculiar de expressar o que se pensava e o que se sentia naqueles exatos instantes onde cada palavra ganhava um sentido, uma função e um dever; tudo está em movimento, porque a Arte não é um produto da escavação ou da especulação do historiador, e as coisas nela contidas estão vivas porque são partes da vida de seu autor, elas são seu legado eterno; e as épocas, os modos de vida, os momentos no tempo, aquela maneira única e particular de ver as coisas... eternizar-se-ão com ele através de seu trabalho e nada de mais importante podemos tirar disso tudo que não seja nos admirar, nos alegrar e louvarmos a Deus com estes milagres pelo homem produzidos. A Poesia, em meu ver, como quaisquer formas de arte, é tão integrada à humanidade que chega a ser uma necessidade fisiológica como comer, dormir ou sentir dor quando algo nos fere; seja criando-a ou consumindo-a. Em cavernas ou em grandes templos egípcios, como os de Abu Simbel, nos cabarés da Belle Époque ou nas salas de cinema, nas camisetas que usamos ou naquela deselegante caneca de chopp na estante da casa de algum beberrão, há pouco ou muitíssimo da presença da Arte em nossas vidas; o que muda, evidentemente, é a hierarquia lingüística, os diferentes níveis de se apresentar, de se dizer, de apreender o mundo, os modos usados... E, por tudo isso e mais um pouco, a Arte se sobrepõe às épocas, às misérias, aos governos e a tudo isso que citaste, meu caro Gustavo, por não ser ela mesma um fato isolado da mente ou da história humana, mas porque ela integra a própria raça humana, preservando-a naquilo que ela tem de mais importante, como, por exemplo, seu Mito Fundador – um conceito de Schelling. Fazendo minhas, novamente, as palavras do filósofo Olavo de Carvalho (as quais podem ser conferidas no artigo: Do mito à ideologia, no Jornal da manhã do dia 21 de março de 2001, ou em seu site), um autêntico Mito Fundador “é uma verdade inicial compactada que, no decorrer da História, vai desdobrando o seu sentido e florescendo sob a forma de ciência, de leis, de valores, de civilização, não sendo ele mesmo um produto da cultura por ser ele mesmo a semente de uma cultura possível”. Basicamente, prossegue o filósofo, “um Mito fundador constitui-se, em geral, de uma narrativa simbólica de fatos que efetivamente os sucederam que de tão essenciais e significativos que acabam por transferir parte de seu padrão de significado para tudo o que venha a acontecer em seguida numa determinada área civilizacional”. A Bíblia é o Mito Fundador da civilização ocidental. E de que maneira este Mito Fundador se nos apresenta, e nos é repassado ao longo da História? Através da Literatura, primordialmente... Oral, depois escrita, xilogravada, depois pintada, melodiada por Bach etc. e tal... A arte é uma das muitas punções de um Mito Fundador. Quando Northrop Frye afirma ser, a Literatura Ocidental, uma variação dos enredos bíblicos, coisa que eu não tenho porque não acreditar, pelo contrário, reitero aqui tal afirmação, ele não só demonstra a existência e a importância do Mito Fundador como nos dá um belo exemplo do poder que a Poesia e a Arte exercem sobre nós ao longo de milênios. Assim sendo, não é a Poesia, ou a Arte, que está impotente diante da humanidade... é a humanidade que teima trocar seus mitos fundadores por ideologias fúteis, que em nada acrescentam e em tudo destroem. No entanto, a tendência de tudo é o melhoramento; tudo passa sobre a terra; viver, mudar, morrer é o nosso destino e a nossa dádiva. A Poesia sempre existirá como sempre existiu, com pouco ou muitos adeptos, com seus gênios ou poetas menores, e, como sempre, sairá vencedora com o passar dos anos, porque se não tivermos conceitos como bem e mal, bom ou ruim, se não tivermos uma idéia de sociedade e leis que façam prevalecer esta mesma sociedade, e formas de exprimir todas estas coisa – como só a Poesia exprime – nada mais nos restará ao não ser disputarmos, aos macacos, a floresta... ou coisa parecida. A Poesia, meu caríssimo, como a Arte, de uma maneira geral, está no centro mesmo destas coisas, como aquilo que nos une e nos conduz ao Divino, ao racional, ao emotivo, ao prático; e eu quero – e preciso – acreditar em tudo isso para que tudo que conheço não perca seu sentido e eu mesmo não me perca com todas essas coisas.









GF – Que você acha da afirmativa do poeta Alberto da Cunha Melo quando diz que "o mau uso do verso livre terminou por colocar em risco a própria identidade social da poesia."?




SD
– Para mim, meu caro amigo, ele está correto. Analisemos, contudo, esta consideração, do tão saudoso bardo pernambucano, por um viés filosófico...Quando, Alberto da Cunha Melo, afirma ser o mau uso do verso livre uma ameaça à identidade social da Poesia, penso que, necessariamente, ele não se refere a uma questão puramente formal, ou seja, não é o fato de o verso ser livre, no sentido de não estabelecer-se dentro de uma métrica rigorosa, mas, no quanto que este verso está, erroneamente, “livre” (desvinculado) de uma série de elementos, alguns dos quais, devo ter citado anteriormente, que constituem a sua legitimidade enquanto texto poético; principalmente, trazer em si o Mito Fundador, e, conseqüentemente – (já estou com saudades do trema) – de sua importância às gerações que se valerão dele. Neste sentido, caímos numa velha discussão com relação ao Modernismo de 22. O grande mal do Modernismo paulista, e, até hoje, uma grande desgraça para quem se alimentou dele, foi o fato de os paulistanos se afastarem completamente de um passado que só lhes podia fazer bem. Se olharmos, só por motivo de exemplo, para os primeiros modernistas de Portugal, veremos que eles não aboliram, de todo, as formas fixas, mesmo o soneto – e nem poderiam, pois, de tão enraizados estavam as língua e as tradições portuguesas nos decassílabos camonianos que eu posso afirmar, sem medo de cometer um despautério, que é o decassílabo a própria expressão do pensamento e da língua; nem, muito menos, aboliriam os grandes temas que percorrem a mentalidade humana há séculos e séculos; é por isso, e que nos sirva de exemplo, que as Odes de Álvaro de Campos são tão repletas de fábricas, engrenagens e automóveis velozes, quanto de uma retórica ou de um ritmo poético tradicionalíssimos, que estes mesmos elementos “modernos” tão contemporâneos não se fazem livres de um Virgílio ou de um Platão, tanto que estes chegam até a dividir os versos com aqueles; o próprio Fernando Pessoa era tão embriagado de Aristóteles quanto de Walt Whitman... Modernos sim, idiotas nunca; os portugueses sabiam que negar estas coisas é negar-se a si e a tudo que se podia definir como cultura; o menos que isso é caos puro e simples;Agora, se olharmos para o exemplo do Brasil, ou pelo menos o exemplo paulista que, infelizmente, impera sobre os demais, a coisa é contrária: despreza-se o passado, a tradição, a forma e mesmo a linguagem apurada, que não tinha nada de preciosismo, em troca de quê? Em troca de algo que não se sustenta por si mesmo por não ter onde agarrar-se. A velha tentativa de buscar uma identidade nacional desprezando mais da metade dos elementos que constituem esta identidade só poderia dar em nada, ou pior, numa anomalia. Tudo isso, no entanto, se se considerarmos os paulista de 1922, como precursores de nosso movimento modernista, o que eu não consideraria nem sobre tortura. E por quê? Porque há uma geração moderna bem antes deles que, por preguiça, incompetência de nossos críticos, ou espírito de cooperativismo porco, ou (o mais certo) os três juntos, não se enquadra como modernista, apenas como Pré-alguma-coisa... Agora, caro Gustavo, aponte-me uma característica dita como moderna ou como oriunda dos modernistas de São Paulo, que não tenha sido usada por um Augusto dos Anjos, ou um Lima Barreto ou um Euclides da Cunha? Diga-me, onde um Mário de Andrade foi melhor em retratar a urbis caótica que um Lima Barreto, ou se, por acaso, um Oswald de Andrade seria capaz de trazer tanta valorização ao passado, e às tradições culturais do Brasil, mais do que foram trazidas à luz no antológico Triste fim de Policarpo Quaresma? O que é o Manifesto Antropofágico frente àquele horror que nos traga, nos devora e, ao mesmo tempo, nos apaixona e nos faz admirados nos sonetos de Augusto dos Anjos – poemas como Os doentes e As cismas do destino, presentes em Eu, são mais repletos de urbanismo e de uma linguagem inovadora do que quaisquer textos de Mário de Andrade... Sobre Augusto dos Anjos, Ferreira Gullar, entre muitos, aponta-nos o caráter inovador – modernista – da poesia do bardo paraibano: é quando ela rompe com as muitas conveniências verbais e sociais da época, levando, o Augusto dos Anjos, a uma mescla perfeita entre a beleza e o asco, entre os momentos sublimes e toda a sujeira da vida, sem contar certo prosaísmo, que triunfa sobre a rígida linguagem de seus sonetos. Diga-me, meu caro Felicíssimo, isto é ser ou não ser modernista? O que é o Manifesto Antropofágico diante de um Eu? Antropófagos que eu saiba foram o Raul Bopp, a Tarsila e os índios que devoraram o Frei Sardinha. Certo foi o Manuel Bandeira, que não entrou de todo nessa história...Isso sem falar nos marginalizados como Graça Aranha e Monteiro Lobato; o primeiro soube enxergar, antes de muitos, os enganos e os horrores do Fascismo e do Comunismo bem antes de suas ascensões, é só ler o Canaã; o segundo caiu no ostracismo, vitimado pelo “cooperativismo de suínos”, algo que os paulistas de 22 aventaram como ninguém, por falar a verdade mais óbvia: que aqueles trabalhos de Anita Malfatti, tão aclamados pelos seus patéticos colegas, eram, e são até hoje, uma coisa ordinária. Não obstante, Monteiro nunca disse que ela era má pintora ou que, pelo menos, não era talentosa. Seríamos capazes de enumerar, caro Gustavo, as contribuições que os Contos gauchescos de Simão Lopes Neto deram a Guimarães Rosa e ao seu Grande sertão: Veredas? Para quem buscava a liberdade e o fim das segregações, ninguém mais negou-nos a primeira, nem nos pregou mais a segunda, meu amigo, do que os Modernistas paulistanos; não é à toa que, referindo-se ao Modernismo de 22, Luís Augusto Ficher não se acanha em dizer que “o Modernismo brasileiro, quer dizer, paulista, aquele que a gente aprendeu no colégio e hoje virou cânone obrigatório, inescapável, a ponto de excluir (da escola, dos manuais de história da literatura, portanto do horizonte prático da vida cultural) autores que não rezem por aquele catecismo – para os gaúchos é fácil ver isso, por exemplo, com o desprezo por Simões Lopes Neto, reduzido a ‘regionalista’ e, pior ainda, ‘pré-modernista’. Sem valor, portanto”.



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Em outros termos, mas reforçando tudo que disse e deliberei acima, eu penso que não existem versos livres; todo verso que se quer e se faz bom é um verso formal; toda poesia que se cobre de uma linguagem, de um ritmo e de temas que lhe são próprios, e que estão em comum acordo com a tradição, a cultura e, claro, com o gosto, a razão, a emoção de seu autor, é formal. Se pegarmos um verso antológico de nossa Literatura como: Assim calmo, assim triste assim magro... Muitos poderiam dizer, o verso da Cecília Meirelles não é um verso de dez sílabas poéticas perfeito, ou abre-se o verso em ...calmo assim... para se obrigar ao decassílabo. Porém o que se verá e se sentirá, ao ler este verso, mesmo fora de seu contexto, onde ele reina absoluto, como reinará qualquer outro verso do poema, é um verso extremamente musical e que se abrirá a uma infinidade de análises ou a outra infinidade de sensações.A formalidade de um verso reside muito menos nas sílabas que se contam do que nos significados que carrega. Com o próprio Alberto da Cunha Melo não é diferente; sua contribuição à poesia brasileira é bem maior pela tradição que florescem em seus versos do que na forma que criou: a retranca. Isso, claro, sem tirar-lhe o mérito de uma, nem diminuí-lo pela outra. Alberto da Cunha Melo sabia que, se tirarmos os valores metafísicos da poesia, para nada servirá um verso senão para o seu próprio enterro, “uma linguagem de catacumbas”, como ele próprio dissera. Há uma grande diferença entre um soneto, por exemplo, e um poema que se arruma em 14 versos. No primeiro, séculos de tradição oral e lingüística, aliados a um formalismo elegante, fundem-se à emoção genuína, à linguagem própria e ao talento de seu autor; no segundo, apenas aglomeram-se versos que flutuam à deriva procurando algo que lhes dê significado; por isso, se abusarmos desta falsa liberdade do verso não comprometeremos não só a identidade social da poesia como seu próprio valor metafísico.







GF – Aos seus olhos, que é professor, qual a importância se levar a poesia para os jovens na sala de aula?



SD – Antes de qualquer coisa é importante estender esta meta não só com relação à poesia, mas quaisquer tipos de arte, contanto que, primeiramente, se observe o caráter e a qualidade do que se está transmitindo os nossos alunos como sendo arte.Um dos grandes problemas de nossa atual sociedade é que ela desaprendeu o sentido tanto teórico quanto prático da palavra “critério”, ou mesmo “juízo” e “discernimento”. Não quero, nem me cabe (aqui) levar esta questão a outras áreas, no entanto, em termos de arte, o que vemos é um público incapaz de diferenciar bossa nova de um pagode de mesa, ou que vai a um show de arrocha como vai a um show do João Bosco sem se quer saber ao certo o que ouviu e, mesmo assim, arisca-se a arrotar intelectualidade ao sair de qualquer um dos dois sem o menor recato ou razão, a começar por nossa classe média “letrada”. Por vários motivos, que seria impossível enumerá-los em tão pouco espaço, termos como “bom gosto”, “intelectual”, ou “mesmo erudito”, têm sofrido uma inversão enorme ou um total descrédito, principalmente por parte de quem deveria prezar por eles. Por isso, quando tu me perguntas se seria importante levar a poesia às escolas, a resposta imediata é sim e por quê? Porque poesia é arte e por isso mesmo é uma manifestação da raça humana plena de transcendência; porque é a mais completa manifestação do espírito e da inteligência humanos recortados pela racionalidade dos códigos possíveis: a música, a pintura, a escultura, o teatro, a dança e, claro, a poesia... E em todos reconhecemos o potencial, inato ao homem, de expressar emoção, beleza e razão. Algumas pessoas dominam ativamente estes códigos e conseguem conceber, criar a obra de arte; são os artistas: poetas, músicos, pintores, teatrólogos... Não é levando arte às escolas que, necessariamente, criaremos tais pessoas, mas não deixa de ser um incentivo e tanto; contudo, existem outras pessoas que, apesar de não serem criadoras, integram-se com a arte por meio de sua apreciação, descobrindo novas formas e sentidos; são os estudantes, os críticos e, sobretudo, os admiradores da arte. Formar estas pessoas é uma obrigação para nós que educamos... Daí, porém, mais imediatamente ainda, vem-me uma angústia: mas que poesia, ou arte, seria levada? Com que tipo de literatura os milhões de alunos deste país teriam contacto? Será que, ao saírem da escola, mesmo não se tornando escritores – ou, se quer, grandes intelectuais – estes alunos seriam capazes, como cidadãos dotados do mínimo possível de educação, de distinguir um texto de Pe. Antônio Vieira de uma das piadas bem arrumadinhas do Luis Fernando Veríssimo e, melhor ainda, dar a eles o devido valor que cada um têm em suas estruturas e contextos? Teoricamente, qualquer escola de zona rural estaria apta a dar a seus alunos algo aparentemente tão simples e lógico, todavia, o que temos em nossa realidade...? Quando, por exemplo, um aluno tem acesso a uma educação musical esmerada, mesmo que ele não se torne um Stravinsky ele não aceitará um tipo de música que não esteja em um nível equivalente àquele ao qual está acostumado, pois, como conhecedor das estruturas musicais e, tendo em si, um gosto desenvolvido em cima de composições sofisticadas, a sua tendência é rejeitar o frívolo, o simplista e o de “mau gosto”; assim, quando não formamos grandes músicos, que é algo que depende, como na poesia, na pintura, etc., muito mais do toque da Musa, certamente, formaremos grandes ouvintes cada vez mais cuidadosos e exigentes com aquilo que lhes é passado como musica. Com a poesia não seria diferente. Eu mesmo, ainda no primário, tive professores “à moda antiga” que me “forçavam” – e também aos meus colegas – a ler em pé, e em voz alta, poemas e contos de vários escritores brasileiros e portugueses; qual foi o resultado de tudo isso...? Para mim, conheci o Camões aos 10 anos e tenho poemas de Manuel Bandeira decorados desde o primário; em relação aos meus colegas, mesmo os que não seguiram uma carreira universitária, nunca ouvi deles expressões do tipo: “para mim comprar” ou “para mim ver”, nem dificuldades em interpretações básicas de textos ou reportagens, como se é possível ver nos alunos de hoje, educados no melhor programa de recrutamento à Paulo Freire. Eu tento aplicar métodos semelhantes e, “de vez em quando”, alguns “Guardiões” da pedagogia, imediatamente, me acusam de antiquado, agressivo e aplicador de métodos de adestramento. Muitos, após lerem o que digo nesta entrevista, chamar-me-ão “fascista” – xingamento muito em moda nas rodas dos ideológicos de esquerda e coisa parecida –, e dirão até que eu desprezo a cultura popular e outras bobagens do tipo – porque não há nada pior no mundo que dá razão a idiotas e sínicos –; mas não é o caso aqui; o que eu quero é por as coisas em lugar preciso e lhes dar os devidos valores. Eu penso que, se passarmos aos nossos alunos os mais novos hits do Funk, ao invés do melhor que nos pode oferecer a Música Erudita, ou mesmo o Jazz, a Bossa Nova e o Chorinho; Haroldo de Campos, ao invés de Camões, ou João Cabral de Melo Neto e Patrice de Moraes; se levarmos os nossos alunos para ver e apreciar grafiteiros ao invés de Da Vinci, Caravaggio ou mesmo Di Cavalcante, Carybé e Gabriel Ferreira; se, principalmente, os ensinarmos que não há diferenças, nem hierarquias, entre estas coisas e as outras, como querem e praticam muitos, com auxílio tanto dos cofres públicos como de uma intelectualidade tão bem intencionada quanto pode haver no Inferno, destruiríamos, como já estão a destruir, todos os grandes valores que vêem formando a sociedade humana há milênios; perderíamos a própria noção de contraste que é a forma mesma pela qual o nosso pensamento e o nosso raciocínio trabalham ou a nossa perplexidade que é a forma mesma pela qual o nosso pensamento e o nosso raciocínio se formam e pararíamos estuporados diante de um mundo onde a menor e mais insignificante expressão possível andaria de mãos dadas com a mais genuína e grandíloqua linguagem. Este mundo nefasto é mais real do que imaginamos e está se formando e se expandindo tanto nas escolas, quanto nas ruas e até mesmo em nossas casas... Tudo porque alguém começou a acreditar em algum idiota que disse que noções de bom e mau são noções criadas para a segregação de classes, ou coisa do tipo... Levemos poesia sim, mas boa poesia acima de tudo; e boa poesia só pode nos ser dada por aqueles que têm um compromisso com os grandes temas da humanidade, que expressam estes temas com a mais sofisticada linguagem possível e não abrem mão das influências daqueles que, como eles, se apegaram aos grandes valores construtores deste nosso mundo há séculos para não sermos vítimas daquilo que Bruno Tolentino, em sua última aula (conferir: Dicta&Contardicta, nº 1, IFE, junho de 2008), referindo-se a um livro de Roland Barthes, chamou de Le degré zéro de l’imposture e depois, levando em conta a proximidade sonora, de Le degré zéro de épluchure:

...como se o macaco pegasse a banana e jogasse a fruta fora porque acabou de descobrir a casca. Um país inteiro que já deu Baudelaire, Racine, Villon e até Voltaire com aquele beicinho, uma das grandes culturas do mundo, de repente descobre a casca de banana e lança-se inteiro naquele estado de adoração do nada.



Desta maneira, para que não nos aconteça mesmíssima coisa, até porque, yes! We have bananas... é preciso prezar o quanto antes pela boa qualidade de tudo que é ensinado aos nossos alunos, principalmente, acredito eu, no que concerne à poesia, por todas as razões por mim apontadas ao longo desta entrevista – principalmente a de que, pela poesia, a inteligência exerce a triagem e reorganização do que foi apreendido criando os esquemas eidéticos, ou conceitos abstratos das espécies, com os quais poderá enfim construir os juízos e raciocínios e coisa e tal... Mas tudo passa sobre a terra...

terça-feira, 24 de março de 2009

UMA HOMENAGEM À HILDA HILST...


A poetisa, romancista e dramaturga Hilda Hilst (1930-2004)


BALADA PARA HILDA

à Nívia Maria Vasconcellos, minha irmã.







É semelhante à brisa que só nos deixa o frio
deste quase não pressenti-la,
o nosso olhar que se perdeu no tempo,
sem nada haver além de sombra e sobras...
porque nos era só desejo e vazio
os dias de solidão
e inquietude,
os quais só nos deixaram os olhos
e aquilo que prometiam.

( Mas
do amor antigo que vivemos
somos apenas a lembrança viva do inevitável destino
e a amargura inconsolável de quem,
por toda a vida,
esperou pelas coisas que se mostram sempre as mesmas,
como quem contempla a última hora,
ante a dor intensa de quem só obteve,
da Eternidade,
o silêncio, o espanto
e a imóvel presença. )


sexta-feira, 20 de março de 2009

WOODY ALLEN E O ETERNO RETORNO...



Desde o seu surpreendente, e, por isso mesmo, maravilhoso Ponto Final, Woody Allen tem nos mostrado possuir uma capacidade pouco comum em cineastas veteranos, por melhor que eles sejam, a de “renovação”, e isso aconteceu justamente quando Woody era acusado por muitos de não se cansar de New York, de Jazz, de comédias e de outros temas tão comuns à sua obra cinematográfica... aí aparece Ponto Final, onde New York é trocada por uma Londres sem estereótipos, onde o jazz dá lugar à ópera e a comédia é envolvida por uma tragédia sem precedentes. Seguindo esta mesma receita, vieram Scoop – O grande furo (a partir daí, ninguém mais teve dúvidas de seu casamento profissional com a talentosa e e-xu-be-ran-te, Scarlett Johansson) e o não compreendido O sonho de Cassandra. Mas é com seu mais novo sucesso, Vicky Cristina Barcelona (Espanha/Estados Unidos, 2008; com Rebecca Hall, Scarlett Johansson, Penélope Cruz, Javier Bardem, Christopher Evan Welch, Chris Messina, Patricia Clarkson, Kevin Dunn, Julio Perillán e Josep Maria Domènech... Aproveitem, também, para ver o trailer: http://www.youtube.com/watch?v=NfmWONdVFlc) que Woody Allen nos mostra que, aos 72 anos, sua mente e seu talento estão mais maduros e criativos do que nunca. Num filme onde tudo, aparentemente, parece se dirigir para o óbvio e para o lugar-comum, a aparente ordem dos factos se subverte e o que antes parecia racional, se entrega quase que inteiramente ao romantismo intenso, a um Carpe Dien impulsionado pelo desejo de felicidade incondicional, que é o caso da personagem Vicky, vivido pela talentosíssima Rebecca Hall (mais que merecedora de um Oscar), e o que antes era apenas impulso e desejo de descoberta, se deixa arrebatar por situações incontroláveis e impossíveis de se fugir, que se aplica à Cristina, personagem de Scarlett Johansson. Vicky aproveitará o impulso para se construir uma nova rota para sua vida; Cristina declinará e se envolverá em um círculo e voltará ao mesmo ponto de partida, porém triste, insatisfeita e angustiada, principalmente por descobrir que a vida pode conter inúmeras coisas em que lhe falta a coragem e a sabedoria para abraçá-las. No centro desde dilema, estão as figuras do sedutor Juan Antonio, muito bem interpretado por Javier Barden, e da caótica e sensual Maria Elena, a quem Penélope Cruz empresta toda a sua força e beleza. Segundo Isabela Boscov, “trata-se, enfim, quase de um jogo de salão, em que cada espectador deve decidir, ao final, se é mais Vicky ou mais Cristina, e se isso lhe convém realmente ou não”. Vicky Cristina... mergulha profundamente no universo de Barcelona, e o seu diretor parece se absorver (e também querer que experimentemos tamanha sensação), da arte, da música, da cultura e do calor catalão. Mostrando-se, mais uma vez um profundo conhecedor do ambiente cinematográfico europeu, Woody Allen tem seus vários momentos de Pedro Almodóvar, capitando, deste, suas cores fortes e sua visão feminilizada da vida; aliás, desde Hannah e suas irmãs, de 1986, que Woody Allen não se entregava tanto às suas personagens femininas, nem fazia um filme tão marcado pelo sabor e pela imagem do desejo...

terça-feira, 17 de março de 2009

UMA HOMENAGEM A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


O poeta Carlos Drummond de Andradede (1902-1987)

BALADA PARA AS RUAS DA VELHA SÃO SALVADOR

APÓS A LEITURA DO POEMA O CHAMADO

DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE




ao professor e amigo, Aleilton Fonseca,
contista e amante das cidades.








– Na rua escura com suas velhas casas...
seus escuros casarões
são ossadas de tempos idos,
pedaços despedaçados de passado,
novos e antigos abandonos
que me rodeiam – ou será que Eu os rodeio?
Que caminho traçar por entre a vaga
idéia de abandono que me pesa?

Rua escura e este novo poeta
( lume de minha velhice que me chega )
exposto às agruras e aos largos passos de seus sonhos;
quem há de dizer-te as mentiras que todos sabem e por isso vivem
tão vazios, porém felizes?

Quem há de ser outra
pedra no caminho
que a mente
traça e o coração percorre...? Quem há de ser
o caminho...

Onde um dia ouviu-se
tantos adeuses,
tantas lágrimas
em vão entornadas,
tantas saudades na solidão perdidas, há o meu coração...

Coração sem rumo:
quantos naufrágios
em teus lamaçais,
quantas angústias
nos becos teus,
quantos dizeres nesse calar de breu
sobre meus olhos...

Ruas escuras:
estes versos, e este poeta, são de todo seus,
mas, em minhas mãos, e, em meu olhar,...
é tudo...
adeus!




Rodoviária de Salvador, 20 de maio de 2007/Candeias, 30 de janeiro de 2008.








sábado, 14 de março de 2009

GREGÓRIO ALLEGRI (1582-1652): MESERERE MEI, DEUS...


Gregório Allegri (1582-1652),

Quatro vozes se distribuem em uma melodia graciosa, as mais graves parecem se prenderem ao chão, como que prostradas ao solo, enquanto que as vozes médias, seguindo a mesma melodia das demais, elevam-se um pouco, como quem necessita olhar para cima, buscar algo além... de repente, a terceira voz parece vacilar, mas é arrebatada pelas outras vozes superiores, que parecem pairar sobre as vozes mais graves e, quando tudo parece desmoronar, todas recitam, em uníssono, um salmo de clamor e adoração e retornam à mesma melodia, até que uma voz agudíssima desliza, elevada, pelo ar, acima de todas as vozes, como se fosse o próprio propósito das demais, enfim, conquistado, e, levíssima, abençoa àquelas que ainda não alcançaram tamanho grau de santificação e as conduz a persistir, fazendo-as crer que, se ali ela chegou, todas, assim, o podem. É dessa maneira que eu imagino o Miserere mei, Deus..., (Salmo 51: Miserere mei, Deus: secundum magnam misericordiam tuam...) de Gregório Allegri (1582-1652), desde a primeira vez que o escutei, como se fora "a própria musicalização da Graça"; como se todo o sentido do Cristianismo se resumisse numa melodia, se nos fosse dado ouvir o Espírito Santo cantar. Nascido na Itália, Allegri foi um modesto cantor e compositor da Igreja do Santo Espírito, em Roma, quando Urbano VIII era o Sumo Pontífice e, não temendo compor uma música antiquada para os padrões do seissentismo, onde se alteram um dulcíssimo canto para quatro solistas, com uma voz superior que deveria alcançar notas agudíssimas, em toda, uma raridade para este tempo, Allegri logo conseguiu que sua composição se tornasse de uso exclusivo da Capela Papal. A partitura original nunca fora publicada e, com o tempo, o registro escrito se perdeu sobre a ameaça de quem o editasse sofrer severos castigos. Até, é claro, a Semana Santa de 1770, quando Leopold Mozart e seu filho Wolfgang, com apenas 14 anos, foram à Basílica de São Pedro para escutar, como era de costume de anos, o coro e o enigmático Miserere mei, Deus... Arrebatado pela forma grandiosa de sua melodia, o pequeno Mozart, usado de sua tão lendária memória musical o copiou, de uma só audição, e nos legou a notação desta que é uma das mais elevadas composições já feitas pelo homem... O ruim desta história é que a fama de Gregório Allegri, a mais de 200 anos, se dá muito mais pela façanha do jovem Wolfgang Amadeus Mozart do que pela qualidade de seu Misere... A composição de Gregório Allegri, sobre o Salmo Bíblico, é cantada todas as Sextas-Feiras Santas, na Capela Cistina, desde 1668, ano em que fora escrita. Se quiserem escutá-la, por favor, acessem: http://www.youtube.com/watch?v=yDRoL7ziDP4



PSALMO LI


Miserere mei, Deus: secundum magnam misericordiam tuam.
Et secundum multitudinem miserationum tuarum, dele iniquitatem meam.
Amplius lava me ab iniquitate mea: et a peccato meo munda me.
Quoniam iniquitatem meam ego cognosco: et peccatum meum contra me est semper.
Tibi soli peccavi, et malum coram te feci: ut iustificeris in sermonibus tuis, et vincas cum iudicaris.
Ecce enim in inquitatibus conceptus sum: et in peccatis concepit me mater mea.
Ecce enim veritatem dilexisti: incerta et occulta sapientiae tuae manifestasti mihi.
Asperges me, Domine, hyssopo, et mundabor: lavabis me, et super nivem dealbabor.
Auditui meo dabis gaudium et laetitiam: et exsultabunt ossa humiliata.
Averte faciem tuam a peccatis meis: et omnes iniquitates meas dele.
Cor mundum crea in me, Deus: et spiritum rectum innova in visceribus meis.
Ne proiicias me a facie tua: et spiritum sanctum tuum ne auferas a me.
Redde mihi laetitiam salutaris tui: et spiritu principali confirma me.
Docebo iniquos vias tuas: et impii ad te convertentur.
Libera me de sanguinibus, Deus, Deus salutis meae: et exsultabit lingua mea iustitiam tuam.
Domine, labia mea aperies: et os meum annuntiabit laudem tuam.
Quoniam si voluisses sacrificium, dedissem utique: holocaustis non delectaberis.
Sacrificium Deo spiritus contribulatus: cor contritum, et humiliatum, Deus, non despicies.
Benigne fac, Domine, in bona voluntate tua Sion: ut aedificentur muri Ierusalem.
Tunc acceptabis sacrificium iustitiae, oblationes, et holocausta: tunc imponent super altare tuum vitulos.

terça-feira, 10 de março de 2009

GUILLERMO MORDILLO (1932 - ... ): MIL IMAGENS... NENHUMA PALAVRA


Um dos muitos e inigualáveis cartoons de Mordillo

Há uma velha máxima, que aprendi com o grande poeta, mestre e amigo, Ildásio Tavares, a qual deve ser seguida por todo grande poeta e, é claro, por aqueles que se aventuram em sê-lo; é a que devemos dizer o máximo com o mínimo de palavras; enxugar o nosso discurso o quanto for possível para que, nele, só sobressaia aquilo que é realmente essencial - Graciliano Ramos é, em nossa Literatura, o melhor exemplo que conheço -; na poesia, como nas artes em geral, devemos dispensar tudo que é frívolo, repetitivo e comum; em resumo: “quanto menos falamos, mais devemos dizer”... Isso me faz lembrar um outro Mestre, Ortega y Gasset, ao afirmar que, o que distingui o grande poeta é o poder de ele dizer algo novo daquilo que todo mundo já conhece. Em ambos os casos, não conheço ninguém, em sua devida área de atuação, que siga tais "regras" com mais afinco do que Guillermo Mordillo; este sim, um dos pouquíssimos autores que conseguiram construir uma obra extremamente consistente, um universo impressionante e original, a partir de tão poucos (e “repetidos”) elementos. Seus personagens são seres minúsculos, branquelos e, por vezes, rechonchudos, com narizes enormes e esféricos e que nunca pronunciam uma palavra se quer. Nisso, aliás, consiste seu segredo, a maneira como consegue cativar os seus leitores com uma única ilustração e sem nenhum balão de fala. Desde os 5 anos quando, num livro que se quer me lembro o título e a utilidade, deparei-me com um cartoon de Mordillo, jamais nenhum autor do gênero conseguira me cativar e me impressionar como este argentino, hoje com seus 76 anos. O mais interessante nestes desenhos é que eles têm sempre o mesmo tamanho, elementos gráficos e temáticas recorrentes: bonequinhos brancos, girafas, elefantes, bolas de futebol, ilhas, montanhas, prédios. Com uma meia-dúzia de objetos deste gênero, o que não daria nenhum trabalho em organizar o seu trabalho em álbuns temáticos, ele é capaz de produzir um número infinito de situações, umas mais inspiradas do que outras, às vezes ingênuas e românticas, em outros casos, de profunda denuncia social, aliada a uma ironia, muitas vezes, ácida, mantendo, porém, sempre um nível muito alto de humor com os mesmíssimos elementos e, ainda assim, causar-me, e a qualquer um que se depare com estes cartoons, a mesma perplexidade, tão comum, em um menino, no encantamento de seus 5 anos...

HOMENAGEM A DAMÁRIO DA CRUZ


O poeta, fotógrafo e jornalista Damário DaCruz
CONTEMPLAÇÃO DE CACHOEIRA:

ou SONATINA EM Ab MAIOR
PARA PIANO, VIOLA, CLARINETE IN Bb & VOZ
( À JANELA DO POUSO DA PALAVRA, ABSORTO... )



ao poeta e amigo, Damário Dacruz,
semente renascida em Cachoeira .





– Silenciosa Cachoeira,
silencioso
grito
de História
erguido
à minha frente,
és integração
entre a noite escura
e meu sonho de poeta...
e serias
sem dúvida
a minha morte
se,
de contemplação,
esta
toda fosse.

Silencioso solar
de poesia...
Soma
indecifrável
de novas
e velhas batalhas,
d’outras tantas
e tantas liberdades
que buscamos
dia após dia...
noite após noite,
já não sei se é saudade
ou sombra
este abandono;
sei apenas que sou
( de mim )
esta verdade,
à tua janela
debruçado,
a esperar
que outras
tardes
venham
me trazer
novos pássaros
...e antigas
rotas.

Silencioso solar
de poesia,...
sinfonia
mais perfeita
de Cachoeira,
tudo,
em mim,
é retorno.





Cachoeira, março de 2007/Candeias, maio de 2007 .

terça-feira, 3 de março de 2009

SONETO, MODERNISMO E ANTÔNIO BRASILEIRO


O poeta e artista plástico Antonio Brasileiro


Se se perguntar a quaisquer alunos de nossas melhores escolas, ou, até mesmo, aos neófitos do Materialismo Histórico, os quais compõem a grande maioria de nossos universitários, não só nos cursos de Letras, mas, nas Universidades brasileiras, como um todo, sobre o que seria um soneto, ouvir-se-ia, entre ludibriações de todos os tipos (recurso muito comum àqueles que não gostam de adimitir suas ignorâncias; talvez, a coisa mais honrosa que a grande maioria destas pessoas poderiam fazer em vida) e retumbantes, porém dignos, “não sei!”, a resposta mais comum seria: “é um poema de quatorze versos, dividido em dois quartetos e dois tercetos”. Afirmação esta muito comum de se ouvir com relação àquilo que se perguntou (pois para a grande maioria dos alunos de Literatura, seja lá qual for o seu grau de instrução, extraviados do mais simples e decente rumo intelectual, esta será toda consideração, a respeito deste assunto, que eles terão em toda vida acadêmica), mas que, de longe, açambarcaria esta forma que, dentre as “castas” poéticas em que se diversifica o gênero lírico, é a que exige, de seu criador, o maior nível de intelectualidade, de concretude e de pensamento lógico-reflexivo, ou seja, o soneto precisa ser rimado, metrificado e apresentar uma estrutura dissertativa em seu discurso, exigindo de seu autor grande conhecimento daquilo que faz e do que fala através dele (além do esqueleto estrófico tão comumente citado), que, em nada, ajudaria a compreender a grandeza e a complexidade desta forma, a qual se encontra no cerne de toda a Poesia Ocidental há séculos, e, ainda assim, é o mais sofisticado modelo poético existente, mostrando-nos, só por motivo de exemplo, que não foi à toa que os parnasianos e simbolistas, tão diferentes entre si, o preferiam incondicionalmente. Desde os exemplos mais clássicos, como os de Petrarca, Camões e Shakespeare, aos melhores mestres deste gênero em nossa literatura colonial e pré-moderna, como Gregório de Matos, Cláudio Manuel da Costa, Machado de Assis, Raimundo Correa, Cruz e Sousa e Olavo Bilac, o soneto tem se mostrado o fim a que se dirigirem os versos de muitos dos maiores poetas do mundo há mais de meio milênio. Nem mesmo o advento do Modernismo – e, quando falo de Modernismo, não me refiro, aqui, à pantomima paulista de 1922, nem à Disney World canibalística que a ela se seguiu, antes, refiro-me àquele Modernismo onde o clássico e o novo convergiam sem nenhum tipo de inconveniência ideológica ou de extravagância lírica, como é o caso do Modernismo de Euclides da Cunha, Lima Barreto e Augusto dos Anjos, logo retomado pelas gerações de 30 e 45, por exemplo – destruiu a importância e a tradição às quais o soneto se vale até os dias de hoje; pelo contrário, o Modernismo cultivou um soneto dotado de rigor e beleza como jamais se viu, antes, isso já com muitos de seus precursores em todo o mundo, a exemplo de Charles Baudelaire...



Viens, mon beau chat, sur mon coeur amoureux;
retiens les griffes de ta patte,
et laisse-moi plonger dans tes beaux yeux,
mêlés de métal et d'agate.

Lorsque mes doigts caressent à loisir
ta tête et ton dos élastique,
et que ma main s'enivre du plaisir
de palper ton corps électrique,

je vois ma femme en esprit. Son regard,
comme le tien, aimable bête,
profond et froid, coupe et fend comme un dard,

et, des pieds jusques à la tête,
un air subtil, un dangereux parfum,
nagent autour de son corps brun.





...Fernando Pessoa...




Olha, Daisy, quando eu morrer tu hás-de
dizer aos meus amigos aí de Londres,
que, embora não o sintas, tu escondes
a grande dor da minha morte.

Irás de Londres pra York, onde nasceste
(dizes —Que eu nada que tu digas acredito…)
contar àquele pobre rapazito
que me deu tantas horas tão felizes


(Embora não o saibas) que morri.
Mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
nada se importará. Depois vai dar


a notícia a essa estranha Cecily
que acreditava que eu seria grande…
Raios partam a vida e quem lá ande!...





...e Augusto dos Anjos...



Que força pôde adstrita e embriões informes,
tua garganta estúpida arrancar
do segredo da célula ovular
para latir nas solidões enormes?!


Esta obnóxia inconsciência, em que tu dormes,
suficientíssima é, para provar
a incógnita alma, avoenga e elementar
dos teus antepassados vermiformes.

Cão! - Alma de inferior rapsodo errante!
Resigna-a, ampara-a, arrima-a, afaga-a, acode-a
a escala dos latidos ancestrais...

E irás assim, pelos séculos, adiante,
latindo a esquisitíssima prosódia
da angustia hereditária dos teus pais!





* * *

Se, para Georg Wilhelm Friedrich Hegel, em épocas mais romanescas, o poeta, ao compor um bom soneto, não descreve, de forma ingênua, as disposições da alma, as aspirações, as dores, os desejos, as percepções das coisas à sua volta, com uma grande concentração interior, antes, dirige, com calma e precisão, o seu olhar aos mitos, à história, ao presente, no mesmo momento em que se reintegra a si mesmo, limitando-se e se contendo, tornando o soneto uma das construções mais complexas e difíceis em que um poeta pode se aventurar, para o Modernismo, esta prática se torna mais difícil e mais fluida... em outras palavras, mais complexa para o seu autor, mas compreensível a quem o lê. Segundo César Leal, em Os Cavaleiros de Júpiter, “o elemento protéico do soneto é o pensamento reflexivo”, mesmo quando este “alcança uma ordenação mágica como é freqüente em Jorge de Lima”. É, no soneto, que conhecimento, ciência e instrução geral se fundem com legitimidade, por isso mesmo, no Modernismo, apesar do descrédito e difamação de muitos, o soneto se aperfeiçoou, tornado-se, inclusive, “independente e diverso em relação aos modelos clássicos” – afirma César Leal –, apresentando – ainda de acordo com o poeta e ensaísta pernembucano – “traços estilísticos inconfundíveis”, como são os casos de Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Vinícius de Moraes, Bruno Tolentino, Sosígenes Costa, Mário Quintana, Emílio Moura, Ariano Suassuna, Dante Milano, Ildásio Tavares, Carlos Pena Filho e até mesmo Carlos Drummnd de Andrade e Ruy Espinheira Filho... isso sem falar no pioneirismo de Augusto dos Anjos e em autores menos conhecidos ou naqueles onde a tradição do soneto não acompanha a obra do autor, embora por lá se encontrem exemplos magníficos como os de Patrice de Moraes, Nívia Maria Vasconcellos, Edmir Domingues, Florisvaldo Mattos, Maria da Conceição Paranhos e ainda, mesmo que escassos, Ferreira Gullar e Hilda Hiltz, além de Reynaldo Valinho Alvarez (cuja máxima intensidade de sua poesia é justamente alcançada em seus sonetos peculiaríssimos) entre outros tantos que agora me escapam à lembrança. O soneto moderno, como todo bom poema de qualquer época, deve estar pleno de sentido, de significados, e não ser um mero jogo de idéias sobrepostas ao acaso; deve aparecer e soar ao seu leitor dentro de uma “imaginação auditiva” (lá vem o César Leal, de novo), tão comum em Milton, segundo T. S, Eliot, como no próprio Eliot, mas também em castro Alves e até mesmo em Ascenso Ferreira, e, por recortar uma realidade instigante, por ter uma penetração psicológica muito intensa, por proporcionar uma fácil compreensão de tudo e de si mesmo, é uma obra da razão recortada pelos malabarismos lingüísticos e dos signos comuns, como é o caso deste extraordinário soneto de Antônio Brasileiro que, à maneira da inovação formal proposta por mestres como Jorge de Lima, e mantendo aquela tradição oral e simbólica comum em Vinícius, é-me uma das mais belas realizações do gênero:





Não passar. Ficar para semente.

Não era isto que meu pai queria?
Sentava-se na rede e adormecia
julgando ter domado a dama ausente.

E sonhava talvez. Talvez menino
montando burros bravos, nu, ao vento;
um homem é a sua ação sobre o destino.

Meu pai então fazia um movimento
e a rede, a adormecer, estremecia:
pequenos sustos no tempo, era só isto.

E escancarava os olhos duramente
para mostrar que se Ela o procurava
era de cara a cara que a encarava.

Que Deus guarde meu pai. Eternamente.