terça-feira, 17 de junho de 2014

UM SONETO DE AMOR...

Amor e Dor (O Vampiro (1894)), de Edwar Munch. Óleo sobre tela 87X125, Coleção particular.





UM SONETO DE AMOR EM DESESPERO...*

                                                                                           
(por Silvério Duque)








                                                                                para S. C.





- "Fito o teu rosto de vazio e música:
recordação perfeita do abandono.
E o fruto adormecido nos teus braços
abre-se unânime por sobre as horas.

Quando a lua apagar-se na janela,
aguardarei, tranqüilo, a tua ausência.
Eu hei de carregar as tuas sombras
e a moldura vazia de teu corpo.

Amo os instantes que os teus olhos roubam,
amo estas mortes que os teus lábios sugam...
Em tua face há tantos rumos, tantos

ocasos, tantos nadas. Tua face,
porta entreaberta para o tempo; luz
a gerar a beleza dentre as trevas".










***

*Este soneto pertence ao meu livro A pele de Esaú (Via Litterarum, 2010), que tem capa de Gabriel Ferreira, prefácio de Ildásio Tavares eGustavo Felicíssimo... Adquira-o já o seu neste site:http://www.vleditora.com.br/lojavirtual/livro/a-pele-de-esau

segunda-feira, 9 de junho de 2014

SONETILHO PARA ANA LUÍZA...

Minha pequena Ana Luíza, numa foto tirada na última FLICA, por Lucifrance Castro





SONETILHO PARA ANA LUÍZA

(por Silvério Duque)





 

Foi contigo que aprendi:
mesmo as coisas mais estáveis
até as coisas que vivi
trazem brilhos infindáveis

e em teu rostinho reconheço
como a um novo manuscrito
o meu fim e o meu começo
com alegria revividos...

Não há coisa mais perfeita
(minha doce Ana Luíza)
nem imagem mais precisa

do que um mundo que se estreita
encurtando cada trilha
para o abraço de uma filha.








Alagoinhas, 06 de junho de 2014.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

A SOLIDÃO COMO OFÍCIO ou "A HISTÓRIA DECALCADA" POR HENRIQUE WAGNER


NomeA história decalcada
AutorHenrique Wagner
EditoraMondrongo
ISBN9788565170482
Número de páginas86







A SOLIDÃO COMO OFÍCIO
ou A HISTÓRIA DECALCADA POR HENRIQUE WAGNER


Car c’est vraiment, Seigneur, le meilleur témoignage
que nous pussions donner de notre dignité
que cet ardent sanglot qui roule d’âge em âge
et vient mourir au bord de votre eternité!
CHARLES BAUDELAIRE








Não há força poética maior do que aquela provocada pelo espanto. Não qualquer espanto; não tomo aqui o termo em seu sentido mais simplório, como um susto qualquer, mas o princípio mesmo do pensamento poético e filosófico; a poesia em seu sentido mais primordial, resultado de um poder de observação que só um poeta – e, diga-se sempre, um grande poeta – pode nos oferecer em toda a sua magnitude. A história decalcada, novo livro do poeta e crítico baiano, Henrique Wagner, que a Editora Mondrongo lançara ontem na cidade de Salvador, é um bom exemplo desta força poética a que me refiro.

Pertencente à coleção Horizontes, onde títulos como Minha Bahia, de Patrice de Moraes, A Morte da Amada & outros Poemas Rasgados, da poetisa Nívia Maria Vasconcellos e A dimensão necessária, de autoria de João Filho, também fazem parte – todos ilustrados com as belíssimas capas de Gabriel Ferreira – A história decalcada apresenta-se com uma poesia demasiadamente madura, sofisticada, deixando bem claro, às novas gerações de poetas e leitores, infelizmente pouco afeitos tanto à limpidez formal do texto quanto uso exemplar de sua linguagem, que A história decalcada não acrescenta mais à poesia contemporânea do que aquilo que ela pode nos apresentar de melhor. E digo mais: o mais novo livro de Henrique Wagner é, a princípio, um grande gesto de cortesia com seu público, pois agrada tanto ao leitor menos preparado ao mais exigente amante da boa poesia.

         Qualquer um que conheça muito bem os cenários onde se desenrolam os mais diversos e, na grande maioria das vezes, controversos enredos de nossa atual literatura baiana, sabe muito bem o papel que Henrique Wagner ocupa em tudo isso – tanto como poeta quanto crítico literário. Posso dizer aqui, com conhecimento de causa, que Henrique é alguém que, vendo todos nadando a favor da maré, escolheu trilhar o caminho inverso, ou como melhor expressou o poeta e editor Gustavo Felicíssimo: “contra a falta de valores de nosso tempo, eleva-se sobre tudo isso um raro escritor, aliado a um crítico atento e capaz de discorrer (com autoridade) sobre os mais diversos assuntos e com uma visão de arte que não deixa espaço para a falta de talento”, muito menos ao oportunismo de uma intelectualidade burra e venal a ocupar as “cadeiras” literárias da Bahia. E, por fazer com que inúmeras carapuças se encaixem muito bem, é que Henrique Wagner tem colecionado admiradores e detratores ao longo de sua caminhada literária. Todavia, não há como se esperar menos do que isso para alguém que escreve versos como os contidos em A história decalcada. Uma grande obra é, acima de tudo, uma personificação do verdadeiro caráter de quem a escreve... do contrário, leiam estes versos:

É quando mais sentimos,
quando falta luz à noite
e venta lá fora a ponto
de fazer cantar as janelas,
é quando mais tememos,
que sentimos a presença de Deus.

É quando mais trememos
ante o horror da vida humana
e a escuridão do medo da noite,
e a solidão de quem tem um amor,
é quando mais precisamos,
que sentimos a presença de Deus.

É quando mais sofremos
e hesitamos diante de tanta dor
no mundo, por entre os homens,
e por todos os lados e dobradiças da porta,
é quando, enfim, desesperadamente choramos
que sentimos a presença de Deus.

Como a de um demônio.


Um fundamento muito importante existente em A história decalcada é a presença de certa junção entre passado e modernidade, e em cujo brilho poético se alia tanto o rigor formal quanto a emoção desenfreada. Não é de se estranhar, então, o grande emaranhado de conflitos internos comuns aos seus poemas que, à maneira de um Baudelaire ou de um Augusto dos Anjos, nada mais são do que metáforas à condição de ascensão e degradação as quais o homem se submete para encontrar as próprias razões de sua existência e, dela, imitar a própria vida. Por isso mesmo, o mundo poético apresentado em A história decalcada é este mundo que explode à nossa frente com uma força e vigor descomunais, mas sem que este mesmo mundo se entranhe em nós, repleto de perpétua agonia.
Toda esta mágoa, tão fácil de perceber, entretanto, parece-me pertencer única e exclusivamente ao poeta: que dela faz o ponto de partida e culminância de todos os seus versos. Por isso mesmo, não consigo encarar os poemas que Henrique Wagner distribui, ao longo de seu A história decalcada, por um viés que não seja o de um poeta a contemplar a sua própria solidão e dela fazer um ofício que não lhe exigirá menos que uma dedicação tão intensa que o poeta não lhe dará menos que a mais pura estranheza diante de tudo que está ao seu redor. Em outras palavras, os versos contidos em A história decalcada não revelam menos do que uma visão da própria poesia em seu sentido mais primordial; talvez, por isso, é que Henrique Wagner tenha preferido começar seu livro com verso em que diz:

(...) Eu me cansei de poemas,
eu me cansei de poetas, eu me cansei de palavras
que apenas substituem palavras (...)



e o epiloga da seguinte maneira:

Eu quero o poema fácil,
difícil de ser escrito.
Que seja a minha a tortura,
e meu silêncio o que eu grito.

O entendimento imediato
no tempo da epifania.
E o resto a chuva branda
sobre  o calor da poesia.

Que entendam o que não sinto
em cada verso de prata,
e sintam a imprecisão
que incomoda mas não mata.

Difícil de ser escrito
aquilo que sente a mão:
o plástico da caneta
 – a carne do coração.
        

Lidar com a poesia é lidar consigo mesmo, mergulhando em sua própria solidão, e, dela, extrair os mais diversos diálogos. Como poeta, por exemplo, Henrique Wagner não abre mão de uma boa conversa com seus escritores preferidos, seus maiores influenciadores, seus poemas mais lidos, vivos ou mortos (como já se pode ver logo na dedicatória do livro: Alberto da Costa e Silva, Anderson Braga Horta, Antonio Cícero, Nelson Ascher, Paulo Bonfim, Alexei Bueno, Antônio Brasileiro; Dante Milano, Carlos Penna Filho, Raul de Leoni, Paulo Mendes Campos, Carlos Anísio Melhor, Orides Fontela, Lêdo Ivo e, por que não, Augusto dos Anjos, Baudelaire, Vallejo, Gregório de Matos... ) e emulados além de outras artes, como podemos ver neste soneto que, particularmente, é-me muito especial:

 A sempre inacabada sinfonia
de Schubert vai formando, em meus ouvidos,
aquilo que o compositor queria:
o som de seus achados e perdidos. 

O corpo de um poema é a poesia
que exala de axilas e gemidos,
e aquele que suava e que gemia,
resiste, inacabado, a alguns olvidos.

Que efeito de beleza na escultura
em riste, mutilada, e que não dura
senão o apaixonado olhar que passa

de um rosto para outro, e continua
a mesma exibição, cadente e nua,
a nos formar por dentro a nossa graça.


Música, pintura, arquitetura ou, simplesmente, poesia... todas são maneiras de nos revelar para além do simplório, do meramente comum, da pequenez que, de facto, é a nossa vida; a busca desenfreada pela Beleza é a caminhada incessante do homem por sua própria revelação desde suas formas mais grotesca às  realizações mais sublimes criadas pelo próprio homem. É sabendo disso e poetizando sobre essas coisas que Henrique Wagner nos oferece um livro de poemas como o apresentado em A história decalcada, porque é nas suas linhas essenciais que conhecemos a realidade em seu modo mais primário, senão, por que razão fazer arte ou escrever um poema...?!

Estou certo de que A história decalcada nada mais é do que um tratado sobre tudo isso, sobre este reencontro do homem consigo mesmo que só pode ser feito mediante o auxilio da poesia, por exemplo. A poesia é um ofício de sozinhos; e os versos de A história decalcada são uma exaltação a tudo que se corta, que se vai, que se espalha, que se esquece para depois relembrar e tornar a esquecer; do cotidiano, do lugar comum, do dia a dia, da leitura vulgar e das grandes leituras, dos pequenos e grandes temas; de poetas vivos e mortos, mas sempre admirados – pois ninguém influencia verdadeiramente mais um poeta do que outro poeta... e, depois, de como tirar beleza de tudo isso, seja através da simplicidade do verso livre, ou da limpidez da forma fixa, e, principalmente, do domínio do soneto.

A história decalcada é um livro de quem conhece e reconhece o real valor de um verso, a verdadeira importância da poesia e de todo a papel que ele desempenha em nossa vida; e, como a aquele grito que, de era em era, teima em correr, como nos alertou o autor de As Flores do Mal, o autor de A história decalcada segue em não querer ser menos e fazer com que cada palavra que escreva não se faça sem propósito... E é por isso que poetas como Henrique Wagner são tão necessários.





Salvador/Candeias, 06 de maio de 2014.