quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

GRANDE ELIMINATÓRIA DO PRELÚDIO 2010, NESTE DOMINGO. MAS, QUEM SAI GANHANDO COM ISSO...?


Prelúndio, único programa de calouros para música erudita no Brasil, chega a mais uma final...


Nesta foto: Os jurados Fábio Caramuru, Julio Medaglia, Silvia de Lucca e a apresentadora Estela Ribeiro*







Não faz muito tempo, em uma entrevista que concedi ao site Sopa de poesia: http://sopadepoesia.blogspot.com/ da importância de se ensinar arte nas escolas, seja poesia, música, pintura, etc. Mas também atentei para o facto de antes de qualquer coisa, ser importante estender esta meta não só com relação à poesia, mas quaisquer tipos de arte, contanto que, primeiramente, se observe o caráter e a qualidade do que se está transmitindo os nossos alunos como sendo arte.







Um dos grandes problemas de nossa atual sociedade é que ela desaprendeu o sentido tanto teórico quanto prático da palavra “critério”, ou mesmo “juízo” e “discernimento”. Não quero, nem me cabe (aqui) levar esta questão a outras áreas, no entanto, em termos de arte, o que vemos é um público incapaz de diferenciar bossa nova de um pagode de mesa, ou que vai a um show de arrocha como vai a um show do João Bosco sem se quer saber ao certo o que ouviu e, mesmo assim, arisca-se a arrotar intelectualidade ao sair de qualquer um dos dois sem o menor recato ou razão.







Por vários motivos, que seria impossível enumerá-los em tão pouco espaço, termos como “bom gosto”, “intelectual”, ou “mesmo erudito”, têm sofrido uma inversão enorme ou um total descrédito, principalmente por parte de quem deveria prezar por eles. Porque a arte é uma manifestação da raça humana plena de transcendência; porque é a mais completa manifestação do espírito e da inteligência humanos recortados pela racionalidade dos códigos possíveis: a música, a pintura, a escultura, o teatro, a dança e, claro, a poesia... E em todos reconhecemos o potencial, inato ao homem, de expressar emoção, beleza e razão. Algumas pessoas dominam ativamente estes códigos e conseguem conceber, criar a obra de arte; são os artistas: poetas, músicos, pintores, teatrólogos. Todavia, não é levando arte às escolas que, necessariamente, criaremos tais pessoas, mas não deixa de ser um incentivo e tanto; contudo, existem outras pessoas que, apesar de não serem criadoras, integram-se com a arte por meio de sua apreciação, descobrindo novas formas e sentidos; são os estudantes, os críticos e, sobretudo, os admiradores da arte. Formar estas pessoas é uma obrigação para nós que educamos... Daí, porém, mais imediatamente ainda, vem-me uma angústia: mas que poesia, ou arte, seria levada? Com que tipo de literatura os milhões de alunos deste país teriam contacto? Será que, ao saírem da escola, mesmo não se tornando escritores – ou, se quer, grandes intelectuais – estes alunos seriam capazes, como cidadãos dotados do mínimo possível de educação, de distinguir um texto de Pe. Antônio Vieira de uma das piadas bem arrumadinhas do Luis Fernando Veríssimo e, melhor ainda, dar a eles o devido valor que cada um tem em suas estruturas e contextos?





Teoricamente, qualquer escola de zona rural estaria apta a dar a seus alunos algo aparentemente tão simples e lógico, todavia, o que temos em nossa realidade...? Quando, por exemplo, um aluno tem acesso a uma educação musical esmerada, mesmo que ele não se torne um Stravinsky ele não aceitará um tipo de música que não esteja em um nível equivalente àquele ao qual está acostumado, pois, como conhecedor das estruturas musicais e, tendo em si, um gosto desenvolvido em cima de composições sofisticadas, a sua tendência é rejeitar o frívolo, o simplista e o de “mau gosto”; assim, quando não formamos grandes músicos, que é algo que depende, como na poesia, na pintura, etc., muito mais do toque da Musa, certamente, formaremos grandes ouvintes cada vez mais cuidadosos e exigentes com aquilo que lhes é passado como musica. Com a poesia não seria diferente. Eu mesmo, ainda no primário, tive professores “à moda antiga” que me “forçavam” – e também aos meus colegas – a ler em pé, e em voz alta, poemas e contos de vários escritores brasileiros e portugueses; qual foi o resultado de tudo isso...? Para mim, conheci o Camões aos 10 anos e tenho poemas de Manuel Bandeira decorados desde o primário; em relação aos meus colegas, mesmo os que não seguiram uma carreira universitária, nunca ouvi deles expressões do tipo: “para mim comprar” ou “para mim ver”, nem dificuldades em interpretações básicas de textos ou reportagens, como se é possível ver nos alunos de hoje, educados no melhor programa de recrutamento à Paulo Freire. Eu tento aplicar métodos semelhantes e, “de vez em quando”, alguns “Guardiões” da pedagogia, imediatamente, me acusam de antiquado, agressivo e aplicador de métodos de adestramento.





Muitos, após lerem o que digo neste artigo, chamar-me-ão “fascista” – xingamento muito em moda nas rodas dos ideológicos de esquerda e coisa parecida –, e dirão até que eu desprezo a cultura popular e outras bobagens do tipo – porque não há nada pior no mundo que dá razão a idiotas e sínicos –; mas não é o caso aqui; o que eu quero é por as coisas em lugar preciso e lhes dar os devidos valores. Eu penso que, se passarmos aos nossos alunos os mais novos hits do Funk, ao invés do melhor que nos pode oferecer a Música Erudita, ou mesmo o Jazz, a Bossa Nova e o Chorinho; Haroldo de Campos, ao invés de Camões, ou João Cabral de Melo Neto e Patrice de Moraes; se levarmos os nossos alunos para ver e apreciar grafiteiros ao invés de Da Vinci, Caravaggio ou mesmo Di Cavalcante, Carybé e Gabriel Ferreira; se, principalmente, os ensinarmos que não há diferenças, nem hierarquias, entre estas coisas e as outras, como querem e praticam muitos, com auxílio tanto dos cofres públicos como de uma intelectualidade tão bem intencionada quanto pode haver no Inferno, destruiríamos, como já estão a destruir, todos os grandes valores que vêem formando a sociedade humana há milênios; perderíamos a própria noção de contraste que é a forma mesma pela qual o nosso pensamento e o nosso raciocínio trabalham ou a nossa perplexidade que é a forma mesma pela qual o nosso pensamento e o nosso raciocínio se formam e pararíamos estuporados diante de um mundo onde a menor e mais insignificante expressão possível andaria de mãos dadas com a mais genuína e grandíloqua linguagem.
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Felizmente, muitas de minhas concepções, tão aparentemente pessimistas quanto mais realistas se apresentam, desaparecem quando observo trabalhos como o do programa Prelúdio, da TV Cultura de São Paulo. Numa competição musical completamente diferente do que se vê em nossa televisão, o Prelúdio é um programa de calouros que já está em sua 6ª temporada, mas ao invés de explorar as vozes maçantes de um bando de adolescentes mimados e pré-fabricados, o programa investe no talento de jovens músicos que mal saindo da adolescência, encaram dificílimas peças de Bach, Mozart, Beethoven Chopin e até mesmo Debussy e Stravisnky. Sim, é um programa de calouros, mas um programa de calouros onde a música clássica é a grande vedete. É maravilhoso ver jovens de 18 e 20 anos e até mesmo de 14 e 15 aninhos dedicando-se ao canto lírico, ao celo, ao clarinete ou ao piano forte, além do canto lírico e à difícil e ingrata arte da regência. É praticamente impossível, para mim, dizer o quanto me alegro, vibro e me emociono com jovens tão dedicados e tão certos de si, pois, quem chega aos 18 anos tocando como muitos destes garotos e garotas, impossível não saber que é justamente isso que eles querem para suas vidas. Eu e minha mulher, que não perdemos o programa, temos nossos preferidos e os defendemos com unhas e dentes como quem defende seu time de futebol preferido. Eu, como clarinetista que sou, por exemplo, procuro “vender meu peixe”, e torço pela pequena Paula Pires, 22 anos, clarinetista; mesmo sabendo que, seja lá quem for o grande campeão, todos estarão muito bem encaminhados e certos de seu papel como continuadores de uma grandecíssima arte.

O Prelúdio reúne, ao todo, 24 calouros. A seqüência classificatória conta com oito eliminatórias, duas semifinais e a grande final, que acontece dia 12 de dezembro, na Sala São Paulo, com transmissão ao vivo. O vencedor ganha uma bolsa de estudos na Alemanha, patrocinada pelo Instituto Goethe, e o direito de ser solista em um concerto promovido pela TV Cultura.

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Seja quem for o grande campeão neste próximo domingo, é certamente a cultura brasileira quem sairá ganhando.



* Créditos das fotos: http://www.facebook.com/home.php?#!/photo.php?fbid=117970538256918&set=a.117968618257110.26078.100001319171047

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