sexta-feira, 9 de setembro de 2011

11 DE SETEMBRO... HORROR, MEMÓRIA E POESIA


Ccapitão América, arte do brasileiro Mike Deodato.
Fonte: http://irlandesmaluko.blogspot.com/2011/08/o-capitao-america-dos-quadrinhos.html



Passados quase 10 anos, as lembranças dos atentados de 11 de setembro ecoam em toda parte, seja como uma lembrança infeliz àqueles que, independentemente de partidos ou ideologias religiosas e políticas, não comungam com o uso da violência, seja ela aplicada a quaisquer fins, pois não existem justificativas para o injustificável, ou um insano alarde midiático para aqueles que acreditam que o ataque terrorista às Torres Gêmeas não passa de esquizofrenia moderna sem grande importância histórica.


Durante estas duas semanas, houve até quem me indagasse qual o maior atentado terrorista da história: se o ataque ao World Trade Center ou as explosões das bombas atômicas em Hiroshima e Nagazaki? Num belíssimo exemplo de quem é capaz de racionalizar e justificar assassinatos em nome de um sistema que muitos, à maneira de Fidel e Kim Jong-Il, ainda acreditam perfeito e aplicável, conseguem comparar a cabeça de um alfinete com o rabo de um hipopótamo.


Mas não sou um radical ideológico, um propagador do terrorismo revolucionário, muito menos um marxista. Interessam-me a discussão, as visões filosóficas, os ensinamentos éticos e morais e, claro, a poesia, que podem muito bem surgir e trazer beleza do caos e das incertezas, por isso seguem, aqui, duas visões deste acontecimento: a do artigo, O ressentimento e a memória, de Karleno Márcio Bocarro, publicado na revista de ensaios Dicta&Contradicta e o poema Sísifo, o fogo e as essências, de Florisvaldo Mattos, que faz parte de sua coletânea Poemas Reunidos e Inéditos.


Independentemente das conclusões que os leitores tomarão, é sempre bom lembrar que a História é feita de sujeitos... que, muitas vezes, não queriam entrar na história.       


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O RESSENTIMENTO E A MEMÓRIA

por Karleno Márcio Bocarro*



Goethe não compartilhou do entusiasmo com que Herder, Wieland, Klopstock e Schiller acolheram a Revolução Francesa. Acusado de conservador e inimigo da liberdade, defendeu, trinta e cinco anos mais tarde, para o amigo Eckermann, a sua posição: comoviam-lhe as vítimas do terror revolucionário, indignava-lhe o recurso à violência como solução aos problemas humanos. Além disso, os possíveis benefícios da Revolução não eram, na época, conclusivos. Para Goethe, os eventos humanos mudam de forma a cada 50 anos; o que é perfeito em 1800 pode encontrar-se, em 1850, em decomposição.

A cidade de Nova York recompõe-se rapidamente. Logo a Freedom Tower estará no local do principal alvo dos atentados de 11 de setembro, as Torres Gêmeas. A normalidade retorna, o mundo segue adiante, e os atentados terroristas não nos chocam mais. O evento histórico que inicia o nosso século parece precisar de datas comemorativas para ser relembrado. A literatura busca respostas: deixou-nos ele alguma lição, ou a sua interpretação encontra-se presa a concepções ressentidas de pensamento?

Para a escritora paquistanesa Kamila Shamsie, e o seu colega caribenho Caryl Phillips, falta na literatura, em especial a norte-americana, um grande romance que vá além dos eventos do 11 de setembro e discuta a prisão de Guantánamo, a guerra contra o terror, “sobre como aquilo tudo pode acontecer e se tornar algo dominante no governo dos Estados Unidos sem uma reação do povo” [sic]. Palavras que confirmam a filosofia de Richard Rorty. Para Rorty, as medidas do governo Bush contra o terror trariam a morte de instituições democráticas e o conformismo à população. Mas talvez precisemos, nós, os escritores, conceder um tempo maior (os 50 anos imaginados por Goethe?) aos nossos colegas norte-americanos para o romance que Shamsie e Philips tanto lhes cobram. Entre aqueles, porém, que ficam no 11 de setembro há sim excelentes romances, tanto europeus, como norte-americanos (infelizmente nenhum paquistanês ou caribenho): Sábado, de Ian McEwan, Die Habenichtse, de Katharina Hacker, Extremamente Alto & Incrivelmente Perto, de Jonathan Safran Foer, Terrorista, de John Updike, e O Homem em Queda, de Don DeLillo.

No ensaio, In the Ruins of the Future, publicado três meses após o 11 de setembro, DeLillo fala do mundo como uma narrativa que finda no pó e na destruição. Ao escritor cabe inventar uma contra-narrativa, a qual virá à tona como uma espécie de cura às dores abertas pelos erros da época. O escritor quer entender o 11 de setembro e suas consequências. Ainda é cedo? Além de nos faltar o tempo, a compreensão, como a cura, requer paciência. DeLillo, porém, adverte: nossas ideias, assim como o idioma, não podem separar-se do mundo que as provoca. É grande o risco de distorcermos a realidade. O escritor, segundo DeLillo, deve iniciar suas reflexões em meio a ruínas (das torres); ele imagina a ordem inicial aos ataques – o momento em que o Mal dá o primeiro sopro –, desespera-se com a exigência do tema, pois antes mesmo da Política, da História e da Filosofia há o espanto original: justifica-se a perversão terrorista?, e assume um compromisso com as vítimas. Pessoas caem das torres, algumas de mãos dadas… Esse compromisso com o sofrimento não é brincadeira de idiotas! A literatura faz então a contra-narrativa, une corpo e alma; indica que mesmo no caos convulsivo do aço e do concreto há espaços para a beleza humana, expressa nos gestos de sacrifício e esperança.

DeLillo precisou de mais seis anos para escrever um dos melhores romance sobre o 11 de Setembro, Homem em Queda. Seis anos de muito trabalho: esperar, escrever, corrigir, pensar… A tarefa nunca é fácil. No mesmo ensaio, DeLillo nos fala do terrorista: a vantagem que ele possui é uma força monstruosa. O terrorista conhece apenas uma ação; reduz o mundo a um só plano, o da destruição.

Ambiento o meu romance, As Almas que se Quebram no Chão, antes dos ataques de 11 de Setembro. A história, contudo, cobre o primeiro ataque ao World Trade Center, o de 26 de Fevereiro de 1993. Marco, o protagonista, uma personagem de caráter duvidoso, encontra-se no aeroporto de Berlim quando lê a manchete do atentado no El País, e comenta: “Castigo merecido! O que querem os americanos com torres gigantes rasgando o céu?’. Na mesma linha de raciocínio, Noam Chomsky, o grande linguista, numa série de entrevistas – publicada no Brasil com o título “11 de Setembro” – atribuiu aos Estados Unidos, com sua política externa intervencionista, a responsabilidade pelos atentados às Torres Gêmeas.

Para Marco, assim como para Chomsky, a preocupação não é com a dor e o pânico das vítima. Em relação à opinião dos escritores Shamsie e Philps, próximas a um anti-americanismo comum no meio intelectual, podemos responder com um conceito de Samuel P. Huntington, o “choque de civilizações”. As ideias encontram-se hoje contaminadas por um forte sentimento anti-ocidental e são seletivas com qual sofrimento devem identificar-se.

Talvez o mundo pouco tenha mudado desde os atentados de 11 de setembro. A violência e a estupidez permanecem. Mas nos consola a presença, na literatura, de escritores como Don DeLillo que nos ajuda a lembrar de suas vítimas.




...


SÍSIFO, O FOGO E AS ESSÊNCIAS







aos mortos do World Trade Center de Nova York,

Terça-feira, 11 set. 2001.









por Florisvaldo Mattos**

















Grandes e estranhos pensamentos
francamente trafegam pelas
rotundas da noite. Desperto
de longínquas esferas, ardo.
Propenso a inundar-me do ar da noite,
absorvo mapas de passado grávidos.


Só a noite, sim, me recupera os tendões
nervosos que me amarram a almejadas
glórias, as que me faziam anjo
pairando sobre mantos estelares
e, súbito, perdi. Tateio entre ventres,
entre seios, flores murchas de olor sugado.


Não estou nada feliz. No mar revolto
de sonhos desvanecidos, resta-me,
de meu posto, aguardar o êxtase tempestuoso.
Gêmeas torres sem alegrias, imponentes,
diáfanas: o orgulho traspassa constelações,
a enrijecer, petrificar corações em febre.


Tudo se parece com o mar: profundidade
e sobressalto. Outrora eram desertos,
fecundas areias de canto e idílio
nostálgicas. Ou, antes, com céu propício
a viagens, ao sopro de ventos perenes,
navegações de alma, semblantes nômades.


E, assim, marcho para a noite de estilhaços,
onde submerjo. Sobrevieram devastações.
Mal os pássaros acordavam, quando tudo
transmudou-se em frágua vertical, depois ruiu,
poeira e pedra no descambo caçando Sísifo,
solerte adubação, solo propenso a iras.


Ó pranto hereditário de Velho Oeste
sem anjos, fogo de revólveres pedagógicos,
terras (disseram) de glorioso fundamento.
Metralhadoras em noites de ritos fumegantes,
ó didático pragmatismo do aço, sangue e balas,
moedas de fel sobre relva de surdos passos!


Decididamente, perco-me entre grossas
cordilheiras de fumo, de caliça e ferro
retorcido; corpos de forma e cor nenhuma.
Decididamente, o caos se fez medo e escombros,
ante rostos atônitos, bocas empedernidas.
De novo Guernica? De novo Nagasaki?


Pássaros cegos descreveram linhas rubras
no céu da manhã, refletidas na água verde
do rio que segue indiferente destino
sob grandes pontes. No chão, decididamente,
em letras de cimento e alumínio, a mão do anjo
escreve: “Humanidade, vergonha é o teu nome.”








* Karleno Bocarro é escritor, autor de “As almas que se quebram no chão” (É Realizações, 2010) e de “O Advento” (no prelo). A fonte deste artigo é: http://www.dicta.com.br/especial-11-de-setembro-parte-3-o-ressentimento-e-a-memoria/#respond


** Florisvaldo Mattos é poeta, formado em direito, mas optou pelo jornalismo, atividade que exerce até o presente. Nos anos 60, integrou em Salvador o grupo da chamada Geração Mapa, liderado pelo cineasta Glauber Rocha. Entre suas obras publicadas, estão Reverdor (1965); Fábula Civil (1975); A Caligrafia do Soluço & Poesia Anterior (1996); e Mares Acontecidos (2000). Ele lança agora um ensaio, Travessia de Oásis – A Sensualidade na Poesia de Sosígenes Costa. Este poema pertence ao seu livro Poesia Reunida e Inéditos (São Paulo: Escrituras Editora, 2011.)





3 comentários:

Anônimo disse...

uma dica de artes plásticas: http://www.andersonpinturas.blogspot.com/

Gabriel é gente boa e jovem, precisa parar de ficar ouvindo as lorotas de quem não conhece NADA de porra nenhuma pra ver se chega num nível mais técnico mais ou menos desse. Miguélevy é só um esgarçadpr de fotogradias com um bom apuro técnico (Gabriel precisa avançar muito nisso) mas com uma composição e um queilíbrio de cores sofríveis.

este toque é pra Gabriel. por favor, passe pra ele.


Xoxó

Henrique Wagner disse...

Li o poema de Florisvaldo quando publicado no caderno de cultura do jornal A TARDE, que saía aos sábados. Suas palavras aumentaram meu terror, à época. Abç, Silvério.

Poeta Silvério Duque disse...

Amigo Henrique,

Estas coberto de razão, como sempre... A sinceridade poética e emocional do Florisvaldo transmitiram com muita maestria todo aquele horror.
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Quanto às tuas considerações, caro Xoxó, já as transmiti ao Gabriel.
Um fraternal abraço,

Silvério Duque