sexta-feira, 25 de setembro de 2009

UM CONTO DE ALCÂNTARA MACHADO


O escritor Alcântara Machado (1901-1935)

Antônio de Alcântara Machado foi sem dúvida o primeiro escritor que nasceu dentro do espírito modernista de 1922, o que, necessariamente, não quer dizer que tenha morrido com tal espírito; aliás, ao abandonar tal estilo literário, Alcântara Machado amargou um ostracismo, no fim de sua vida, que lhe foi imposto pelo radicalismo que sempre permeou o Modernismo Paulista. Em 1927, publicou uma seleção de pequenos contos que batizou com o título de Brás, Bexiga e Barra Funda, obra com a qual se destacou no movimento, nela, percebe-se a profunda influência modernistas, sobretudo de Oswald de Andrade. Os 11 contos que compõem a obra nasceram da experiência do autor como jornalista e, como tal, apresentam a forma e o sabor da notícia, tendo três bairros paulistanos como cenário às suas narrativas, numa nítida qual sacaz ambientação ítalo-brasileira. Ancântara Machado parece defender a tese de que alguns imigrantes, principalmente os oriundos da Itália, trazem em si a alegria, o canto e a movimentação. Ao pisarem o solo brasileiro, carregam a força do trabalho e a vontade de se saírem bem na nova terra. Ao se adaptarem, misturam-se de forma espontânea, a ponto de se confundirem com a paisagem. Os personagens, moços e moças, adultos e velhos são captados de maneira singela, revelando com traços estilizados seus jeitos de ser, pensar, viver, que influenciarão definitivamente a cultura paulistana. Alcântara Machado, como um repórter, observa estes "novos mestiços", fixando aspectos da vida, do trabalho e do cotidiano dessa gente simples, simpática, aberta e batalhadora. Cada conto se transforma em flashes dos bairros registrados e o enredo, jornalisticamente, vai-se transformando em crônicas da cidade durante a década de 20, com a precisão de uma linguagem concisa, economizando meios, conduzindo as cenas de forma cinematográfica, com cortes perfeitos e dinâmicos, imitando a movimentação pretendida pelo cinema, e, por isso, isentou suas narrativas de descrições e o cenários surgem rápidos entre uma e outra ação. São Paulo vai se tornando transparente através do registro de uma época de trabalho e progresso. Em seus contos, Antônio de Alcântara Machado apresenta excelente investigação da influência que o imigrante trouxe inclusive para o linguajar paulistano, revelando, no autor, o artista consciente de que o literato é também um historiador, ao observar a realidade urbana que o cerca. O conto Lisetta, é um dos melhores exemplos deste estilo singular, além de ser uma de minhas narrativas preferidas:
LISETTA

Quando Lisetta subiu no bonde (o condutor ajudou) viu logo o urso. Felpudo, felpudo. E amarelo. Tão engraçadinho.Dona Mariana sentou-se, colocou a filha em pé diante dela.

Lisetta começou a namorar o bicho. Pôs o pirulito de abacaxi na boca. Pôs mas não chupou. Olhava o urso. O urso não ligava. Seus olhinhos de vidro não diziam absolutamente nada. No colo da menina de pulseira de ouro e meias de seda parecia um urso importante e feliz.

- Olha o ursinho que lindo, mamãe!

- Stai zitta!

A menina rica viu o enlevo e a inveja da Lisetta. E deu de brincar com o urso. Mexeu-lhe com o toquinho do rabo: e a cabeça do bicho virou para a esquerda, depois para a direita, olhou para cima, depois para baixo. Lisetta acompanhava a manobra. Sorrindo fascinada. E com um ardor nos olhos! O pirulito perdeu definitivamente toda a importância.

Agora são as pernas que sobem e descem, cumprimentam, se cruzam, batem umas nas outras.

- As patas também mexem, mamã. Olha lá!

- Stai ferma!

Lisetta sentia um desejo louco de tocar no ursinho. Jeitosamente procurou alcançá-lo. A menina rica percebeu, encarou a coitada com raiva, fez uma careta horrível e apertou contra o peito o bichinho que custara cinqüenta mil-réis na Casa São Nicolau.

- Deixa pegar um pouquinho, um pouquinho só nele, deixa?

- Ah!

- Scusi, senhora. Desculpe por favor. A senhora sabe, essas crianças são muito levadas. Scusi. Desculpe.

A mãe da menina rica não respondeu. Ajeitou o chapeuzinho da filha, sorriu para o bicho, fez uma carícia na cabeça dele, abriu a bolsa e olhou o espelho.

Dona Mariana, escarlate de vergonha, murmurou no ouvido da filha:

- In casa me lo pagherai!

E pespegou por conta um beliscão no bracinho magro. Um beliscão daqueles.

Lisetta então perdeu toda a compostura de uma vez. Chorou.

Soluçou. Chorou. Soluçou. Falando sempre.

- Hã! Hã! Hã! Hã! Eu que...ro o ur...so! O ur...so! Ai, mamãe! Ai, mamãe! Eu que...ro o... o... o... Hã! Hã!

- Stai ferina o ti amazzo, parola d'onore!

- Um pou...qui...nho só! Hã! E... hã! E... hã! Um pou...qui...

- Senti, Lisetta. Non ti porterò più in città! Mai più!

Um escândalo. E logo no banco da frente. O bonde inteiro testemunhou o feio que Lisetta fez.

O urso recomeçou a mexer com a cabeça. Da esquerda para a direita, para cima e para baixo.

- Non piangere più adesso!

Impossível.

O urso lá se fora nos braços da dona. E a dona só de má, antes de entrar no palacete estilo empreiteiro português, voltou-se e agitou no ar O bichinho. Para Lisetta ver. E Lisetta viu.

Dem-dem! O bonde deu um solavanco, sacudiu os passageiros, deslizou, rolou, seguiu. Dem-dem!

- Olha à direita!

Lisetta como compensação quis sentar-se no banco. Dona Mariana (havia pago uma passagem só) opôs-se com energia e outro beliscão.

A entrada de Lisetta em casa marcou época na história dramática da família Garbone.

Logo na porta um safanão. Depois um tabefe, Outro no corredor. Intervalo de dois minutos. Foi então a vez das chineladas. Para remate. Que não acabava mais.

O resto da gurizada (narizes escorrendo, pernas arranhadas, suspensórios de barbante) reunido na sala de jantar sapeava de longe.

Mas o Ugo chegou da oficina.

- Você assim machuca a menina, mamãe! Cotadinha dela!

Também Lisetta já não agüentava mais.

- Toma pra você. Mas não escache.

Lisetta deu um pulo de contente. Pequerrucho. Pequerrucho e de lata. Do tamanho de um passarinho. Mas urso.

Os irmãos chegaram-se para admirar. O Pasqualino quis logo pegar no bichinho. Quis mesmo tomá-lo à força. Lisetta berrou como uma desesperada:

- Ele é meu! O Ugo me deu!

Correu para o quarto. Fechou-se por dentro.

2 comentários:

Anônimo disse...

Poeta Querido Silvério Duque,
Deus Te Salve!

Na minha opinião, pois não sou autoridade no assunto e deixo para os críticos literários o julgamento. Porém, considero como o melhor conto brasileiro escrito no século vinte: "APÓLOGO BRASILEIRO SEM VÉU DE ALEGORIA", da Lavra de ALCÂNTARA MACHADO. Receba o meu abraço amigo, Miguel Carneiro.

Anônimo disse...

alcântara machado foi sim um bom escritor, mais não deveria ficar na história por falta de dialogo,um poeta é feito manoel bandeira.