quarta-feira, 20 de julho de 2011

A BALADA DE INÊS...


Súplica de Inês de Castro de Vieira Portuense. Óleo sobre tela (165X275); Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.








– Verás, amada minha
tuas mãos terminadas em segredo
sobre um peito de sopros findos
e então sentirás dentro de ti uma completude
como as folhas que mortas deixam nua aquela essência de vida
que as árvores nos trazem sobre os galhos
secos e escuros, como a carne que à terra volta
pois é da terra a carne, como do vento
a nuvem e sua possível imagem.



Também verás
os teus olhos fechados em repouso
e, na noite escura dos desejos sólidos
velar teu sono, com mil olhos claros
o coração que sofre de amor e de saudade e
que um dia, em tarde clara disse-te em segredo
“Amo-te!”, como ama em segredo, ao sentimento, a Sabedoria
pois é do mar o cais e a imensidão
que amedronta e também encanta.

Nesse momento, amada minha
quando fechada sobre um leito de duras sombras
combinadas: a dor, a ausência e a distância
na noite imensa de teu coração tão quieto
verás o meu Amor refeito em sonho leve
e toda a realidade te parecerá vazia,
como um Céu que um dia olhaste sem ternura e sem verdade...







BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE "CORISCO VERMELHO EM CASA CAIADA"... O MAIS NOVO LIVRO DE MIGUEL CARNEIRO


Editora: Virtual Books

Autor: Miguel Carneiro

Ano: 2011

Páginas: 89 il.

Formato: 15,5x21cm

ISBN: 978-85-98493-66-4

Como adquirir: através do E-mail: miguelcarneiro@hotmail.com.br















BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE



CORISCO VERMELHO EM CASA CAIADA



O MAIS NOVO LIVRO DE MIGUEL CARNEIRO












Meu Deus! Já deixamos

a praia tão longe...

no entanto, avistamos

bem perto, outro mar...

ASCENSO FERREIRA
























Alguns elementos estilísticos e estruturais, presentes no mais novo livro de Miguel Carneiro, Corisco Vermelho em Casa Caiada, revelam um talento nato e inquestionável, aliando-se a uma vigorosa consciência artística, pouco afeita a certos romantismos de onde sua prosa parece ter beber, extremamente identificada com a com a natureza, com a realidade, bem como ligada demasiadamente a uma prodigiosa e inventiva memória, desenhando ora auto-retratos, ora confissões... ora a mais profunda reconstrução de si mesmo.






Não tenho nenhuma dúvida de que a obra de Miguel Carneiro é muito maior e mais importante do que imagina a grande maioria de nossos leitores, críticos e ditos estudiosos de nossa literatura, desacostumados a uma produção prosaica e poética capaz de captar, como nenhuma de sua geração, bem como aos de seu métier, a essência da vida espiritual do povo simples de sua região de origem com inegável engenho artístico e técnica lingüística, além de uma grande sinceridade em tudo o que escreve e como escreve; embora, para muitos, a obra de Miguel Carneiro pareça o resultado imediato de uma “sabedoria tosca”, basta uma leitura cuidadosa e verdadeira em suas intenções para descobrir de que se trata da produção de um autor que conhece muito de nossas tradições e heranças da literatura medieval européia, ainda tão abundante em nossos sertões. Como se já não fosse o suficiente, o talento natural na construção de suas formas expressivas, fazem de Miguel Carneiro um autor intrigante, de onde uma descoberta pode sempre surgir da esquina de um parágrafo ou no âmago de um termo ou expressão sertaneja, por exemplo, que lhe surge tão natural e inventiva, não se apresentando, por sua vez, como produto reciclado dos artificialismos lingüísticos que parecem moldar autores em toda parte... e para todos os gostos.






Entre os escritores baianos em plena atividade, nestes últimos trinta anos, que se dedicam à prosa, Miguel Carneiro é o que melhor demonstra habilidade e franqueza de criação, cujo funcionamento não depende totalmente de mecanismos estilísticos facilmente apreendidos por viés dos moldes acadêmicos, mas de elementos extremamente significativos e engenhosamente dispostos de modo a passar despercebidos de nossos leitores e críticos descuidados... e, muitas vezes, despeitados.






Em sua prosa, a construção de imagens, que constituem a própria imagem de seu pensamento de escritor, cede lugar ao peculiarismo da língua e a emoção como princípio determinante para as mais diversas situações encontradas em suas estórias; tudo para alcançar a máxima plenitude de significado e beleza, pois Miguel sabe planejar – como poucos – os instrumentos mais característicos da poesia e da prosa de raízes populares, não sofrendo, como muitos, o dilema de construir uma literatura elaborada com a melhor técnica artística, mas completamente desprovida da mais simples beleza, graça e sinceridade. Além do mais, o que chama muito a minha atenção para a prosa de Miguel Carneiro é a sua fácil distinção entre o regionalismo maduro, sobrepondo-se ao sertanismo ingênuo, tão difundido e confundido entre os nossos consumidores de literatura – quando não por nossos escritores sem noção de um quanto do outro... isso quando não têm noção de nada. Nesta diferença, o servilismo diante da paisagem geográfica desaparece e a natureza não se apresenta como determinante ao espírito ao à natureza humana. Com Miguel Carneiro, o erro mui comum de moldar o homem à semelhança do espaço geográfico – como o fez até mesmo Graciliano Ramos – não existe como necessidade. O meio geográfico apresentar-se-á apenas como mero condicionador às condições e às relações humanas e não como um determinador. Se a literatura de Miguel Carneiro tem erros – e é lógico que tem – não é este o maior, nem o mais constante, muito menos o mais difundido... mas, ao contrário da grande maioria de nossos críticos, são as virtudes dos autores que me interessam, não seus pecados; sejam eles naturais ou forjados.






Miguel também não distingue seus personagens pelo seu “modo” de falar, não amesquinha seus tipos por mera convenções de linguagem. Tal apresentação tem sua hora certa de aparecer e de sumir, evitando a artificialidade e a imitação barata de certos diálogos toscos e exteriorizados, como os tenho visto em muitos de nossos contemporâneos – mesmos os mais afamados e, já há um tempo, “academizados”. Ao invés disso, Miguel Carneiro aprofunda mais ainda seus aspectos regionais, apropriando-se de uma verossimilhança muito intensa e muito típica aos grandes escritores deste estilo, principalmente por sua convivência pessoal entre esses muitos sertões e sertanejos, permitindo que a fala da vida se acomode à fala ficcional, mas sem se perder no tipicismo puro, no pitoresco simplório, na cor-local burra, no sertanismo idealizado ou mesmo na cópia barata dos neologismos e caboclismos de Guimarães Rosa. Para sustentar o que afirmo, a respeito da sinceridade deste aedo de Riachão do Jacuípe, é que sua obra não cai no jogo perigoso do tratamento postiço da linguagem, nem da falsidade estilística... e o leitor, ganhando com isso, agradece. Mas, faz-se necessário reconhecer as limitações comuns a todas as formas de métodos – e esta crítica diz respeito, principalmente, a mim mesmo – quanto maiores e mais amplos no que se refere às variações estéticas e não colocar Miguel Carneiro como escritor regionalista (simplesmente); rótulo que, como todos os estereótipos, seria injusto, limitado e de fácil reconhecimento da preguiça intelectual de seu crítico – Vixe! –, pois Miguel tanto transita pelos aspectos trágicos e épicos do regionalismo pós 1930, como por uma peculiar maneira de reinventar o realismo-fantástico, bem como o conto policial e a crônica política e cotidiana, muito embora sejam os dois primeiros aspectos os mais presentes, os melhor elaborados, bem como os mais predominantes, sem seu instigante Corisco Vermelho em Casa Caiada, como podemos ver tanto na abertura do conto que intitula o livro, ou no sensual e fantasmagórico Breviário da Danação... que encerra a coletânea.






Miguel Carneiro maneja, como habitual destreza, as formas mais características das prosas de origem popular ao tempo que se mostra habilmente capaz de sustentar uma narrativa fantástica sem mascará nenhuma nem outra com o uso de cacoetes lingüísticos ou de estilo. É literatura simples e pura, buscando-se sempre assim, optando por uma clareza e uma objetividade marcantes, mas sem deixar de fazer literatura por conta disso. Miguel, como todo bom autor, é livre para tratar e escolher seus temas, através de uma linguagem que se faz por formas e conteúdos tanto realísticos quanto tanto realísticos quanto imagéticos, dissonando-os numa atmosfera demasiadamente onírica, muitas vezes, embora com objetivos muito verossímeis, quão singulares. Sob esses aspectos, a literatura de Miguel Carneiro não rompe com os modelos mais tradicionais de nossa literatura e é, talvez, nesta fidelidade às tradições que se encontre a fácil absorção de um conteúdo tão vasto em sua prosa e isso é muito bom, porque esta essência tradicional e profundamente emotiva faz com que muito não se perceba de sua elaboração e engenhosidade literárias, o que, para mim constitui uma grande virtude ao trovador Miguel Carneiro.






Por fim, considero Miguel Carneiro um grande autor que se fixa muito bem ao corpus Universal do fazer literário, diferentemente aos seus contemporâneos – e aos meus também –, cuja grande maioria sustenta-se apenas pelas estufas do cooperativismo porco e da “propaganda jornalística”, mas que facilmente morreriam se cultivadas pelas mãos exigentes dos leitores mais ávidos e hábeis, porque que sabe fazer literatura por ser talentoso e por saber reconhecer o real valor daquilo que faz; coisas que a história leva bastante em conta na hora de eternizar aqueles que são realmente grandes. E Miguel Carneiro é realmente grande em sua força literária e domínio estilístico, mesmo que à sua maneira, por assim dizer. Todavia, se alguém duvidar... que pague pra ver.



























Candeias, 18 de julho de 2011




quarta-feira, 13 de julho de 2011

JORGE ELIAS NETO... DUAS PALAVRAS...






Jorge Elias Neto (1964) é Natural de Vitória, Espírito Santo. É médico cardiologista, pesquisador e poeta. Autor de Verdes versos (Vitória: Flor&cultura, 2007) e Rascunhos do absurdo (Vitória: Flor&cultura, 2010). Também tem poemas publicados em diversas antologias poéticas. Participa de vários portais e sites de literatura. Escreve o blogger O Estalo da Palavra.







Pelo muito pouco que sei, há apenas um caminho para se alcançar a verdadeira poesia; este caminho consiste na busca incessante pela forma, adequando-se à idéia que a precede e a exige, e no preceito de que nada deve ficar além o necessário.




Na poesia não a lugar para o supérfluo ou para substituível.




Jorge Elias Neto, pelo que tenho apreciado em seus poemas desde seu Verdes Verso, ao seu mais recente trabalho, Rascunhos do Absurdo, com o qual, não faz muito tempo, gentilmente me presenteou, entende muito bem este preceito e, pelo visto, tem seguido e vencido este caminho.




Vale apena conferir, também, a entrevista que Jorge Elias Neto concedeu ao poeta Hilton Valeriano, em seu Blogger, Poesia Diversa:







http://poesiadiversidade.blogspot.com/2010/06/entrevista-com-o-poeta-jorge-elias-neto.html#comments













SONOLENTO







Quisera eu poder contar-te tudo, lúdico luar...
É que pálpebras me pesam de mais um dia...
Mas bem sei que, entre amantes, basta um sutil entreolhar,
para retirar dos guardados a palavra fugidia.


Mesmo assim, me esquivo dos teus olhos, cândida Lua...
É que as verdades fogem mais fácil de um olhar cansado...
Sei, entretanto, que é inútil querer poupar-te do que se insinua.
Em cada gesto tenso de meus dedos crispados.

Queria deitar-me em teu colo, luar idílico.
Apagar de minha mente esses pensamentos nômades;
e num ressonar de anjo te dizer de meu medo.


Só que a bruta vida que me faz ridículo
fez-me preso a esse chão de homens distantes.
Parto... outra vez sem ti... para o sono... com meus segredos...














Jorge Elias Neto
(Verdes versos - ed. Flor&cultura - 2007)