quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

CENESTRA DI FRUTTA (1596)... OU UM POEMA DE NATAL


Cesto com frutas de Caravaggio (14596): óleo sobre tela 46x64 cm; Pinacoteca ambrosiana, Itália.





Esculpo
uma cesta de frutas
a cozinha
os cheiros da manhã
lá fora.


A solidão dos frutos:
a mesma solidão das coisas vivas
dos propósitos
das palavras que esperam por seus usos.


A beleza destas frutas

é a mesma beleza dos milagres

das súplicas

das lágrimas

da lâmina da morte e os seus cortes.

A beleza destas frutas

é a mesma beleza das obras inconclusas

do canavial ao vento

d’outras matérias

enfim

vencidas.

Todo amor é madureza

encanto descoberto

instante exato

cesto de mangas

bananas

romãs

tanjerinas

jabuticabas...

goiabas

figos

e melancias abertas como carne.

Todas as coisas trazem seu desejo

e o que não foi ou não quis

hoje

agoniza.

De aparições surgem brotos

abrem-se flores

abrigam-se grãos

e sucos...

Tudo que é belo assim o é e assim se mostra.

Mas

mesmo as coisa belas

mudam
envelhecem

amarelam-se como papel

frutos

peles

depressa ou lentamente escrevem seus nomes

suas promessas

seus sabores.

Assim é a poesia...

assim, os homens:

frutos da eternidade

e de tudo

que apodrece.





quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

GRANDE ELIMINATÓRIA DO PRELÚDIO 2010, NESTE DOMINGO. MAS, QUEM SAI GANHANDO COM ISSO...?


Prelúndio, único programa de calouros para música erudita no Brasil, chega a mais uma final...


Nesta foto: Os jurados Fábio Caramuru, Julio Medaglia, Silvia de Lucca e a apresentadora Estela Ribeiro*







Não faz muito tempo, em uma entrevista que concedi ao site Sopa de poesia: http://sopadepoesia.blogspot.com/ da importância de se ensinar arte nas escolas, seja poesia, música, pintura, etc. Mas também atentei para o facto de antes de qualquer coisa, ser importante estender esta meta não só com relação à poesia, mas quaisquer tipos de arte, contanto que, primeiramente, se observe o caráter e a qualidade do que se está transmitindo os nossos alunos como sendo arte.







Um dos grandes problemas de nossa atual sociedade é que ela desaprendeu o sentido tanto teórico quanto prático da palavra “critério”, ou mesmo “juízo” e “discernimento”. Não quero, nem me cabe (aqui) levar esta questão a outras áreas, no entanto, em termos de arte, o que vemos é um público incapaz de diferenciar bossa nova de um pagode de mesa, ou que vai a um show de arrocha como vai a um show do João Bosco sem se quer saber ao certo o que ouviu e, mesmo assim, arisca-se a arrotar intelectualidade ao sair de qualquer um dos dois sem o menor recato ou razão.







Por vários motivos, que seria impossível enumerá-los em tão pouco espaço, termos como “bom gosto”, “intelectual”, ou “mesmo erudito”, têm sofrido uma inversão enorme ou um total descrédito, principalmente por parte de quem deveria prezar por eles. Porque a arte é uma manifestação da raça humana plena de transcendência; porque é a mais completa manifestação do espírito e da inteligência humanos recortados pela racionalidade dos códigos possíveis: a música, a pintura, a escultura, o teatro, a dança e, claro, a poesia... E em todos reconhecemos o potencial, inato ao homem, de expressar emoção, beleza e razão. Algumas pessoas dominam ativamente estes códigos e conseguem conceber, criar a obra de arte; são os artistas: poetas, músicos, pintores, teatrólogos. Todavia, não é levando arte às escolas que, necessariamente, criaremos tais pessoas, mas não deixa de ser um incentivo e tanto; contudo, existem outras pessoas que, apesar de não serem criadoras, integram-se com a arte por meio de sua apreciação, descobrindo novas formas e sentidos; são os estudantes, os críticos e, sobretudo, os admiradores da arte. Formar estas pessoas é uma obrigação para nós que educamos... Daí, porém, mais imediatamente ainda, vem-me uma angústia: mas que poesia, ou arte, seria levada? Com que tipo de literatura os milhões de alunos deste país teriam contacto? Será que, ao saírem da escola, mesmo não se tornando escritores – ou, se quer, grandes intelectuais – estes alunos seriam capazes, como cidadãos dotados do mínimo possível de educação, de distinguir um texto de Pe. Antônio Vieira de uma das piadas bem arrumadinhas do Luis Fernando Veríssimo e, melhor ainda, dar a eles o devido valor que cada um tem em suas estruturas e contextos?





Teoricamente, qualquer escola de zona rural estaria apta a dar a seus alunos algo aparentemente tão simples e lógico, todavia, o que temos em nossa realidade...? Quando, por exemplo, um aluno tem acesso a uma educação musical esmerada, mesmo que ele não se torne um Stravinsky ele não aceitará um tipo de música que não esteja em um nível equivalente àquele ao qual está acostumado, pois, como conhecedor das estruturas musicais e, tendo em si, um gosto desenvolvido em cima de composições sofisticadas, a sua tendência é rejeitar o frívolo, o simplista e o de “mau gosto”; assim, quando não formamos grandes músicos, que é algo que depende, como na poesia, na pintura, etc., muito mais do toque da Musa, certamente, formaremos grandes ouvintes cada vez mais cuidadosos e exigentes com aquilo que lhes é passado como musica. Com a poesia não seria diferente. Eu mesmo, ainda no primário, tive professores “à moda antiga” que me “forçavam” – e também aos meus colegas – a ler em pé, e em voz alta, poemas e contos de vários escritores brasileiros e portugueses; qual foi o resultado de tudo isso...? Para mim, conheci o Camões aos 10 anos e tenho poemas de Manuel Bandeira decorados desde o primário; em relação aos meus colegas, mesmo os que não seguiram uma carreira universitária, nunca ouvi deles expressões do tipo: “para mim comprar” ou “para mim ver”, nem dificuldades em interpretações básicas de textos ou reportagens, como se é possível ver nos alunos de hoje, educados no melhor programa de recrutamento à Paulo Freire. Eu tento aplicar métodos semelhantes e, “de vez em quando”, alguns “Guardiões” da pedagogia, imediatamente, me acusam de antiquado, agressivo e aplicador de métodos de adestramento.





Muitos, após lerem o que digo neste artigo, chamar-me-ão “fascista” – xingamento muito em moda nas rodas dos ideológicos de esquerda e coisa parecida –, e dirão até que eu desprezo a cultura popular e outras bobagens do tipo – porque não há nada pior no mundo que dá razão a idiotas e sínicos –; mas não é o caso aqui; o que eu quero é por as coisas em lugar preciso e lhes dar os devidos valores. Eu penso que, se passarmos aos nossos alunos os mais novos hits do Funk, ao invés do melhor que nos pode oferecer a Música Erudita, ou mesmo o Jazz, a Bossa Nova e o Chorinho; Haroldo de Campos, ao invés de Camões, ou João Cabral de Melo Neto e Patrice de Moraes; se levarmos os nossos alunos para ver e apreciar grafiteiros ao invés de Da Vinci, Caravaggio ou mesmo Di Cavalcante, Carybé e Gabriel Ferreira; se, principalmente, os ensinarmos que não há diferenças, nem hierarquias, entre estas coisas e as outras, como querem e praticam muitos, com auxílio tanto dos cofres públicos como de uma intelectualidade tão bem intencionada quanto pode haver no Inferno, destruiríamos, como já estão a destruir, todos os grandes valores que vêem formando a sociedade humana há milênios; perderíamos a própria noção de contraste que é a forma mesma pela qual o nosso pensamento e o nosso raciocínio trabalham ou a nossa perplexidade que é a forma mesma pela qual o nosso pensamento e o nosso raciocínio se formam e pararíamos estuporados diante de um mundo onde a menor e mais insignificante expressão possível andaria de mãos dadas com a mais genuína e grandíloqua linguagem.
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Felizmente, muitas de minhas concepções, tão aparentemente pessimistas quanto mais realistas se apresentam, desaparecem quando observo trabalhos como o do programa Prelúdio, da TV Cultura de São Paulo. Numa competição musical completamente diferente do que se vê em nossa televisão, o Prelúdio é um programa de calouros que já está em sua 6ª temporada, mas ao invés de explorar as vozes maçantes de um bando de adolescentes mimados e pré-fabricados, o programa investe no talento de jovens músicos que mal saindo da adolescência, encaram dificílimas peças de Bach, Mozart, Beethoven Chopin e até mesmo Debussy e Stravisnky. Sim, é um programa de calouros, mas um programa de calouros onde a música clássica é a grande vedete. É maravilhoso ver jovens de 18 e 20 anos e até mesmo de 14 e 15 aninhos dedicando-se ao canto lírico, ao celo, ao clarinete ou ao piano forte, além do canto lírico e à difícil e ingrata arte da regência. É praticamente impossível, para mim, dizer o quanto me alegro, vibro e me emociono com jovens tão dedicados e tão certos de si, pois, quem chega aos 18 anos tocando como muitos destes garotos e garotas, impossível não saber que é justamente isso que eles querem para suas vidas. Eu e minha mulher, que não perdemos o programa, temos nossos preferidos e os defendemos com unhas e dentes como quem defende seu time de futebol preferido. Eu, como clarinetista que sou, por exemplo, procuro “vender meu peixe”, e torço pela pequena Paula Pires, 22 anos, clarinetista; mesmo sabendo que, seja lá quem for o grande campeão, todos estarão muito bem encaminhados e certos de seu papel como continuadores de uma grandecíssima arte.

O Prelúdio reúne, ao todo, 24 calouros. A seqüência classificatória conta com oito eliminatórias, duas semifinais e a grande final, que acontece dia 12 de dezembro, na Sala São Paulo, com transmissão ao vivo. O vencedor ganha uma bolsa de estudos na Alemanha, patrocinada pelo Instituto Goethe, e o direito de ser solista em um concerto promovido pela TV Cultura.

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Seja quem for o grande campeão neste próximo domingo, é certamente a cultura brasileira quem sairá ganhando.



* Créditos das fotos: http://www.facebook.com/home.php?#!/photo.php?fbid=117970538256918&set=a.117968618257110.26078.100001319171047

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O PROJETO “NATAL NA PRAÇA” CELEBRA O CENTENÁRIO DE NOEL ROSA COM A APRESENTAÇÃO DO TRIBUTO PELA CANTORA CELIAH ZAIIN...




Feira de Santana também está na lista das cidades que estão celebrando os 100 anos do sambista, cantor, compositor, bandolinista, violonista brasileiro “Noel Rosa”, com o Tributo à Noel Rosa, apresentado pela cantora e compositora feirense Celiah Zaiin, o pianista popular Tito Pereira, o Clarinetista Silvério Duque e o percussionista Tunico Freitas com apresentação de Jeam Marques, o qual será apresentado no Natal na Praça no dia 10 de dezembro (próxima sexta) sendo que no dia 11 de dezembro o compositor completou seu primeiro centenário.




O Show reune 12 músicas as quais ultrapassam os 70 anos e segundo a legislação brasileira é considerada “domínio público”, clássicos como “Com que roupa”, “Três Apitos”, “Ultimo desejo”, palpite infeliz, etc...Noel Rosa teve contribuição fundamental na legitimação do samba de morro e no "asfalto", ou seja, entre a classe média e o rádio, principal meio de comunicação em sua época - fato de grande importância, não só o samba, mas a história da música popular brasileira.




Não Percam!!!

DIÁLOGOS: 2ª EDIÇÃO... EU RECOMENDO...






Mais conhecida fora da Bahia por conta da obra de Jorge Amado e Adonias Filho, a região Grapiúna, cujas cidades pólo são Ilhéus e Itabuna, onde se desenvolveu o cultivo do cacau, também viu nascerem poetas de fundamental importância para a literatura baiana, como Sosígenes Costa, Adelmo Oliveira, Ildásio Tavares, Abel Pereira e Florisvaldo Mattos, apenas para citar alguns.


Calcados nessa forte tradição, uma nova geração de poetas grapiúnas foram apresentados em Diálogos – Panorama da Nova Poesia Grapiúna (Ilhéus/Itabuna: Via Litterarum/Editus, 2009), obra organizada pelo poeta e ensaísta Gustavo Felicíssimo. Aos dez antologiados da primeira edição – Edson Cruz, Heitor Brasileiro Filho, Noélia Estrela, Piligra, George Pellegrini, Rita Santana, Fabrício Brandão, Daniela Galdino, Mither Amorim e Geraldo Lavigne – juntam-se, agora, em segunda edição, mais dois poetas – André Rosa e Marcus Vinícius Rodrigues – dessa vez com sete poemas cada um, contra cinco da primeira edição. São doze poetas (alguns deles bastante premiados) que já estão inseridos entre aqueles que produzem a melhor poesia baiana, quiçá brasileira, deste início de século. Como afirma o crítico de arte Henrique Wagner, “a segunda edição de um livro de poemas é acontecimento incomum, infelizmente, em nossos dias – e em verdade sempre o foi, mas tem sido cada vez mais incomum, a ponto da primeira edição já ser, ela mesma, uma raridade. Se tal acontece, é porque um milagre chegou perto de acontecer, se não aconteceu, de fato”.

A segunda edição, revista e ampliada, de Diálogos, será lançada no próximo dia 11 de dezembro, às 18 horas, na Academia de Letras de Ilhéus, oportunidade em que haverá um bate-papo com Jorge de Souza Araújo, prefaciador da obra, sobre a poesia baiana contemporânea.

Todos os poetas antologiados na 2ª Edição de Diálogos – Panorama da Nova Poesia Grapiúna, com exceção de Edson Cruz, que reside em São Paulo, estarão presentes no lançamento para uma seção de autógrafos.


São eles: Heitor Brasileiro Filho, André Rosa, Noélia Estrela, Marcus Vinícius Rodrigues, Piligra, George Pellegrini, Rita Santana, Fabrício Brandão, Daniela Galdino, Mither Amorim e Geraldo Lavigne.

É imperdível!!!

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

DOIS POEMAS E UM COMENTÁRIO... POR OVÍDIO, SILVÉRIO DUQUE E JESSÉ DE ALMEIDA PRIMO


A morte dos Nióbidas, por Pierre Charles Jombert


NÍOBE

por Ovídio

(...)Queda-se só,
entre os cadáveres dos filhos, e os das filhas, e o do marido.
Pela desgraça fica hirta. A brisa já nem um só cabelo move,
...o rosto empalidece, sem pinga de sangue, os olhos param,
imóveis, na desolada face: nada está vivo na sua figura.

Até a própria língua se congela no interior do palato
endurecido, e as veias desistem de poder palpitar.
E já nem o pescoço se flecte, nem os braços se movem,
nem os pés logram andar: até o interior das vísceras é pedra.

Porém ela chora. E, apanhada pelo turbilhão de um vendaval,
é levada para sua terra. Ali, fixada no cimo de um monte,
desfaz-se a chorar, e ainda hoje do mármore jorram lágrimas.

(...Ovídio, Metamorfoses, livro VI, VV. 301-312, trad. Paulo Farmhouse Alberto)


A CANÇÃO DE NÍOBE
por Silvério Duque

Se morta, sim, eu me fizesse, adormecendo
sobre os braços da terra amiga, pouparia
meu coração desesperado e me faria
...como a doce romã que, agora, florescendo,

amadurece alegre, e, enfim, apodrecendo,
reduz sua doçura à lembrança de, um dia,
ter sido, entre outras tantas, a que, de alegria,
povoou o chão com belas sementes; mas vendo

minha função de mãe minorada a um momento
de mais profunda angústia, assim, eu permaneço,
petrificada, imóvel pelo sofrimento,

...não recordando mais da luz do sol nascente
e nem sentindo a forma fria onde me esqueço:
esta fonte a fluir sua dor, eternamente...


COMENTÁRIO

por Jessé de Almeida Primo

Este é o momento em que Níobe - após ter disputado com Latona a primazia das oferendas - vê seus sete filhos, seu maior orgulho, morrendo um a um alvejados pelas setas de Apolo e de Diana, filhos da própria Latona. Alguém submerso numa dor tão imensurável que a única imagem possível é de uma ...pedra que chora, é uma metáfora tão poderosa quanto tocante.

O soneto - do livro Ciranda de Sombras a ser lançado proximamente - que antecede ao trecho de Ovídio foi resultado de um desafio que fiz a seu autor e meu amigo Silvério Duque. Após ouvi-lo narrar esse mito, fiquei tão impressionado com a precisão com que o fez que não vi outra saída senão pedir-lhe que ...escrevesse um poema sobre o assunto.

Afinal, da mesma forma que só a mutação em pedra-fonte poderia dizer a dor da personagem, a poesia seria a única forma de dizer essa dor.Eis que poucos dias depois, o autor me aparece com esse alexandrino em que dá voz à própria vítima do infortúnio e que encerra com um verso extraído ao fragmento da poetisa Safo de Lesbos. Salvo engano, a única parte do poema que chegou ao nosso conhecimento.Reparem a mobilidade das cesuras no primeiro quarteto que aos poucos cede espaço à sua imobilidade a partir do quarteto seguinte, sempre nas sextas sílabas, como se estivesse a ilustrar assim o processo de petrificação.

Além disso, o estilo contido que diz de algum modo esse estado pétreo da narradora, e a distribuição imitativa da rimas. Ou seja, os verbos “florescer” e “apodrecer” encerram, cada um, respectivamente, o quarto e o quinto versos, seguindo assim uma seqüência lógica.






sábado, 27 de novembro de 2010

LIVRO INÉDITO DE DAMÁRIO DACRUZ SERÁ LANÇADO, ESTA SEMANA, EM CACHOEIRA...


DAMÁRIO DACRUZ (27 julho de 1953 - 21 de maio de 2010)


Divulgador da sua própria produção literária, a exemplo do pôster-poema Todo Risco, seu texto mais famoso, meu amigo e poeta, Damário Dacruz, faleceu no dia 21 de maio em plena produção. Deixou saudades em todos que o conheceram mais de perto, aqueles que tiveram a oportunidade de trabalhar com ele e de compartilhar com suas experiências poéticas. Seu livro inédito, Bem que te avisei, será lançado, dia 15 de dezembro, às 19h, no Pouso da Palavra que fica à praça da aclamação, nº 8, Cachoeira-BA. É uma oportunidade imperdível de homenagem e de contato com a sua poesia.

TODO RISCO

A possibilidade

de arriscar

é que nos faz homens.

Voo perfeito

no espaço que criamos.

Ninguém decide

sobre os passos

que evitamos.

Certeza

de que não somos pássaros

e que voamos.

Tristeza

de que não vamos

por medo dos caminhos.

Do livro Todo Risco – o ofício

da paixão (Versarte Editora, 1993).

terça-feira, 23 de novembro de 2010

CICLO CULTURAL “BERNANOS: DA LITERATURA AO CINEMA”...




CICLO CULTURAL “BERNANOS: DA LITERATURA AO CINEMA”, NOS DIAS 24 E 25 DE NOVEMBRO, A PARTIR DAS 19:00HRS.





ESTE EVENTO É UMA PARCERIA DA EDITORA E ESPAÇO CULTURAL É REALIZAÇÕES COM O JORNAL O ESTADO DE S. PAULO.





NÃO DEIXEM DE IR!!!

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

AS ALMAS QUE SE QUEBRAM NO CHÃO... RELANÇAMENTO



A editora É Realizações e o Goethe-Institut, em São Paulo, convidam a todos para o relançamento do romance As almas que se quebram no chão, de meu amigo, o professor Karleno Bocarro. Na oportunidade, o autor falará de sua experiência na Alemanha Oriental, após a queda do Muro de Berlim. Logo em seguida, palestra do crítico literário, e, também, meu grande amigo, Jessé de Alemeida Primo, intitulada O Belo e o Sublime por conta do impacto do Homem do Subsolo de Dostoiévski, sobre o romance de Karleno Bocarro. Eu, que li o livro de Karleno Bocarro, vi o que esperava: um livro maravilhoso! Um romance como, há muito, a nova Literatura Brasileira clamava; onde, lendo-o, pude ri, chorar, indignar-me, surpreender-me... É um livro que, ...na busca incansável de seu personagem, como aquele Salieri, do Filme do Milos Forman, incapaz de aceitar sua mediocridade, por um lugar na História – lugar este que não lhe pertence –, possui todas as qualidades de uma grande obra; dentre elas, a que eu mais gosto: a capacidade de nos desafiar, de nos instigar a buscar outras histórias, informações, leituras... de, muitas vezes, buscarmos a nós mesmo; de nos questionarmos sobre tudo, sobre o nosso papel no mundo, sobre nós. Tudo isso com a grandeza sutil dos maiores mestres. Ignorar uma obra como esta, ou as futuras grandes obras que virão da pena de Karleno Bocarro, é ignorar o que a nova Ficção Brasileira tem de melhor.




Terça, 23 de novembro de 2010, às 19:30h
Goethe-Institut, rua Lisboa, 974,
Pinheiros, São Paulo - SP.


Tel. (11) 3296-7000


sexta-feira, 5 de novembro de 2010

TRÊS VEZES ILDÁSIO TAVARES: POR GUSTAVO FELICÍSSIMO, JOÃO UBALDO RIBEIRO E POR ELE MESMO...


Ildásio Tavares (Gongogi, 25 de Janeiro de 1940 - Salvador, 31 de Outubro de 2010)


ILDÁSIO TAVARES: EXISTÊNCIA CONSAGRADA À POESIA



por Gustavo Felicíssimo








É impossível ater-se à história da literatura baiana no Século XX sem se dedicar demoradamente a Ildásio Tavares. É tão vasta a sua obra, sua formação e suas incursões literárias que seria inviável e extravagante, no curto espaço que temos, discorrer sobre essa questão.




Mas vale lembrar que aos nove anos de idade Ildásio já tinha lido toda a obra infantil de Monteiro Lobato, que antes do ginásio era fluente em latim, francês e inglês. Formado em Direito e Letras pela UFBA, tem Mestrado cursado na Southern Illinois University, USA, em 1971; Doutorado em Língua Portuguesa na UFRJ, em 1984; e Pós-Doutorado na Universidade de Lisboa, com bolsa do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1990.




Como literatura não se faz com nomes nem com títulos, ao seu agente sempre é exigido produção, renovação ou silêncio, como é o caso de muitos escritores que não passaram de um par de livros, ou até mesmo de um único, o que não o impede de ter a obra reconhecida e valorizada, como é o caso de Sosígenes Costa, grapiúna como Ildásio, falecido em 1968 com apenas um livro publicado.




Esse, certamente, não foi o caso de Ildásio Tavares que estreia na poesia no ano de 1967, com poemas inseridos na antologia “Moderna Poesia Bahiana”. Seu primeiro livro veio ao público em 1968, com “Somente Canto”, a esse seguem-se outros, entre os quais se destacam: “Tapete do Tempo”, 1980; “IX Sonetos da Inconfidência”, 1997; e o moderno “Odes Brasileiras”, de 1999.




Talvez o próprio vate não se dê conta, mas também podemos acrescentar à sua biografia a importante e valorosa contribuição que dá ao futuro da poesia brasileira ao abrir, generosamente, as portas da sua casa aos jovens escritores baianos que para lá marcham semanalmente em busca de um papo agradável e, principalmente, conselhos sobre seus escritos.




Ali, na varanda da casa, na espaçosa sala de visitas ou no escritório repleto de livros e correspondências, tendo ao fundo o mar de Itapuã, muita gente ouviu Ildásio falar sobre a arte de escrever. Ali, sob sua pena severa, porque severa é a poesia, muita gente aprendeu a escandir um verso, muita gente ouviu falar pela primeira vez em soneto, redondilha, ode ou terça rima. Ali, muitos livros, poemas, poetas e críticos foram estudados à exaustão.





No dizer de Jorge Luis Borges um livro somente merece ser lido se for capaz de entreter. Foi dessa forma, me entretendo, dando inúmeras gargalhadas, literalmente, que li ainda no original o livro mais recente de Ildásio Tavares, “As Flores do Caos”, 2009, vencedor do prêmio literário do Pen Clube de Portugal em 2010, uma obra que reúne sonetos selecionados pelo autor, frutos de uma vida inteira dedica à arte, especialmente à poesia. Entre eles estão os IX Sonetos da Inconfidência, escolhidos para esse encontro.




Em meio a tão bons poemas, cada leitor acaba tendo o seu preferido. Certo mesmo é que tudo gira em torno de personagens importantes da Inconfidência Mineira. Esses personagens se transformam em símbolos, e as composições em versos decassílabos, com grande versatilidade e muita inventividade.




Sentia-me feliz ao descobrir em cada poema uma variação métrica própria, a forma como o poeta desloca a cesura dos versos sem perder a musicalidade. Aqui o de Arte Maior, ali o Sáfico, o Heróico. Vemos a estrutura do poema cedendo ao impulso da emoção.




O destaque maior fica por conta do poema III, O Alferes. Trata-se de um grito zombeteiro, apesar de angustiado, de Joaquim José da Silva Xavier, dentista e militar de baixa patente que ficou sendo o símbolo maior do movimento. Enforcado, teve seu corpo esquartejado e seus pedaços exibidos em lugares onde pregou ideais de liberdade. O alferes no primeiro quarteto: Meu coração é um arsenal de horrores/ e dores que atropelam meu país./ Gargalha, puta! Zomba, meretriz!/ O dia há de chegar dos teus senhores.




Fábio Lucas, um dos mais importantes críticos e conferencistas internacionais de literatura brasileira, unanimemente apontado como um dos críticos literários mais importantes do Brasil, reportou-se sobre estes poemas dizendo que O trabalho de Ildásio Tavares vai além do divertimento semântico. Sob pretexto de celebrar personagens de nossa história, constrói sonetos carregados de sentido, mensagens plurivocais, pejadas de palavras explosivas, pois, no curso da sonora abundância, se atiram além das idéias, como uma carruagem iluminada na escuridão da noite.





Em “O canto do homem cotidiano”, 1977, a poesia de Ildásio Tavares estabelece uma lírica que quer se esquivar da realidade opressora do nosso tempo, sem, contudo, deixar de reconhecê-la, como faz no poema que dá título ao livro: Eu canto o homem vulgar, desconhecido/ Da imprensa, do sucesso, da evidência/ O herói da rotina,/ O rei do pijama,/ O magnata/ Do décimo terceiro mês,/ O play-boy das mariposas/ O imperador da contabilidade.” (...) “Mas que, na frustração cotidiana,/ Vai encontrando aos poucos sua glória/ Por isso eu canto a luta sem memória/ Desse homem que perde, e não se ufana/ De no rosário de derrotas várias/ E de omissões, e condições precárias/ Poder contar com uma só vitória/ Que não se exprime nas mentiras tantas/ Espirradas sem medo das gargantas/ Mas sim no que ele vence sem saber/ E não se orgulha, campeão na história/ Da eterna luta de sobreviver.





Este é o homem que encontramos nas ruas, nos bares, nas praças, nos bancos. Homens que jogam bola, capoeira, dama, dominó. São profissionais autônomos, empregados no comércio, na indústria e funcionários públicos. Todos estes, matéria prima para a lírica moderna, onde o poeta canta a própria existência em confronto à realidade opressora do nosso tempo. Perguntado sobre essa questão em uma entrevista que nos concedeu o poeta responde que sempre foi assim. Contudo, em nossa época, o poeta sofre uma crise tão forte de identidade ante um sistema esmagador que, às vezes, cantar sabe a um grito no escuro.




Ciente que o tempo do artista difere do tempo do homem comum, o poeta abre mão das cronologias para privilegiar o seu tempo interior e mostra-nos uma alma que difere do mundo circunstante. Alheia às necessidades humanas, a poesia insiste em colocar o inexistente acima do existente. No poema O meu tempo (infelizmente fora do rol que nos foi passado), do qual trazemos aqui apenas um fragmento, ele nos mostra tal implicação com clareza:





Não existe hora certa, existe o meu relógio,


Lembrando sempre com seu tic-tac


Que há vida


Para ser vivida,


Que houve a vida


Que não se viveu.


Não importa que o rádio renitente ruja


São tal hora e tal minuto,


Hora oficial,


Afinal,


Que há de oficial em minha vida?





Se O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada, como afiança Cora Coralina, então, povoada de momentos de uma história construída pelos trajetos que vem percorrendo, de análises teóricas dos autores, de poetas, de músicos, enfim, o cotidiano presente, da religiosidade, ilustrando o acadêmico, o conhecimento e as ideias, o cognitivo e o afetivo, o singular no plural, o universal no particular, com inventividade e ironia, a obra de Ildásio Tavares, pode-se dizer, tem as qualidades necessárias para, por certo, ser considerada uma obra importante.




Podemos afirmar que o substrato da sua poesia está em uma determinada concepção onde o criador se constrói ao se relacionar com o mundo concreto, como observamos também no poema Restos, onde ao estabelecer relações e interações com outros homens, se apropria dos dados da cultura através das mediações simbólicas que estabelece e que se configura por sua totalidade, causando a estranheza necessária para tirar o leitor da sua inércia e levá-lo à reflexão.







Para concluir, compartilhamos as palavras do crítico literário e historiador Nelson Werneck Sodré sobre o poder de criação de Ildásio Tavares, considerações com as quais nos alinhamos totalmente. Diz ele: É fácil compreender a alta qualidade do poeta. Em primeiro lugar pelo domínio da arte poética na linguagem de síntese que é sua essência. E ainda pela capacidade, nessa linguagem, praticar aquilo que Brecht ensinou, as diferentes maneiras de dizer a verdade.














MEU AMIGO ILDÁSIO TAVARES

por João Ubaldo Ribeiro








Depois dos quarenta, mais ou menos, a gente dificilmente faz amigos. Faz companheiros, aliados, cúmplices, sócios, correligionários, o que lá for, mas amigos mesmo, desses que conhecem a alma da gente, desses com quem às vezes a gente conversa sem precisar falar, desses que, mesmo sem nos dar razão, ficam do nosso lado, desses que carregam com eles lances fundamentais de nossa história, amigos que se abraçam com calor depois de uma longa ausência, amigos com quem se quer partilhar todas as alegrias, nossas e deles, amigos de raiz, esses amigos se fazem ainda cedo. A vida afasta alguns, talvez muitos, mas os que permanecem são suficientes para provar o valor supremo da amizade, o sentimento mais nobre que podemos abrigar.




Quanto mais velhos ficamos, menos desses amigos fazemos e mais nos reaproximamos dos antigos. Com a idade se vão as ilusões que nos arrebatavam na juventude, juntam-se os desenganos, brota um certo cinismo tido na conta de sabedoria, cresce talvez o ceticismo quanto à natureza humana. E fazer uma nova amizade dá muito trabalho, não é uma empresa simples, enquanto os dois candidatos a amigos passam um ao outro o seu perfil e a biografia que querem ter, se familiarizam com a personalidade de cada um, decidem sobre concessões mútuas e, enfim, se entregam a um período de sintonia que frequentemente não se completa, dá mesmo muito trabalho.



Também quanto mais velhos ficamos, vamos compreendendo com maior vividez como os amigos são importantes, muito mais importantes do que imaginávamos antes. Os amigos compõem a nossa identidade, quem entende nossos amigos nos entende um pouco, quem conhece nossos amigos nos conhece um pouco. Somos vistos e avaliados não apenas pelo que temos de individual, mas também pelo que nossos amigos nos acrescentam, até porque aprendemos com eles, e eles conosco. E, a par disso, como é bom contar com um interlocutor que nos ouve e quer genuinamente o nosso bem, que desperta em nós o que de melhor temos, que nos traz lembranças alegres e cuja convivência nos deixa um pouco mais em paz com a vida, e nos torna a existência menos solitária. Como, por tudo isso, são raros e preciosos os amigos, mais raros e mais preciosos a cada instante.



Quando morre um amigo assim, morremos também um pouco. Por ser lugar-comum, não deixa de ser verdade. Acabo de morrer um pouco, acabo de morrer bastante, porque morreu meu amigo Ildásio Marques Tavares, de quem jamais vou deixar de sentir grande saudade e cuja memória procurarei sempre honrar. As amizades não se explicam, acontecem espontaneamente e amadurecem com o convívio. Minha amizade com Ildásio veio de afinidades descobertas desde a adolescência e se fortaleceu ao longo dos anos, culminando em compadragem, porque ele me convidou para batizar seu filho Gil Vicente. Lemos juntos, escrevemos juntos, fizemos farras juntos, viramos noites estudando juntos, aprontamos happenings juntos, juntos reformamos o Brasil e o mundo. Sua memória certeira guardava praticamente todos os momentos dessa convivência — e tudo agora lá se foi, lá me fui eu também um pouco, a recuperação é impossível.



Perda pessoal muita dura de enfrentar, é difícil estimar sua extensão, o vazio que vai deixar. Só sei que uma grande referência minha desaparece, uma das mais importantes, desde que Glauber morreu. Ildásio não tinha nada a ver com Glauber, mas com ambos eu podia aparecer de peito aberto, mostrar fraqueza, pedir palpite, conversar desguarnecido, abrir segredos. E ambos seguraram minha barra, quando enfrentei vicissitudes para as quais não estava preparado, me acudiram quando precisei de força. Até hoje não me habituei à ausência de Glauber e sei que não vou habituar-me à ausência de Ildásio, o mundo ficou desfalcado.



E a Bahia também ficou desfalcada. Ildásio era um intelectual superior, conhecedor íntimo do ofício das letras, de senso crítico aguçado e erudito. Talvez isso não se percebesse com facilidade, por trás de seu comportamento muitas vezes desabusado, sua poesia satírica (de magnífica qualidade e da qual nem amigos como eu escapavam), seus modos informais e irreverentes. Escritor de cultura sólida, ensaísta informado e sensível, poeta laureado, meu compadre Ildásio era, além disso, um homem bom, de belos sentimentos e apego a causas nobres. E, para mim, sobretudo um velho amigo de fé, um grande amigo, insubstituível amigo, querido amigo, saudoso amigo, que Deus o tenha em Sua glória.








RESTOS

por Ildásio Tavares



Há um resto de noite pela rua
Que se dissolve em bruma e madrugada.


Há um resto de tédio inevitável
Que se evola na tênue antemanhã.


Há um resto de sonho em cada passo
Que antes de ser se foi, já não existe.


Há um resto de ontem nas calçadas
Que foi dia de festa e fantasia.


Há um resto de mim em toda a parte
Que nunca pude ser inteiramente.