sábado, 5 de setembro de 2009

EMBATES POÉTICOS... I


O poeta Eurico Alves Boaventura (1909-1974), em sua biblioteca


O poeta Manuel Bandeira (1886-1968), também, em sua biblioteca


ELEGIA PARA MANUEL BANDEIRA

Eurico Alves Boaventura



Estou tão longe da terra e tão perto do céu,
quando venho de subir esta serra tão alta ...

Serra de São José das ltapororocas,
afogada no céu, quando a noite se despe
e crucificado no sol se o dia gargalha.

Estou no recanto da terra onde as mãos de mil virgens
tecem céus de corolas para o meu acalanto.
Perdi completamente a melancolia da cidade
e não tenho tristeza nos olhos
e espalho vibrações da minha força na paisagem.

Os bois escavam o chão para sentir o aroma da terra,
e é como se arranhassem um seio verde, moreno.

Manuel Bandeira, a subida da serra é um plágio da vida.
Poeta, me dê esta mão tão magra acostumada a bater nas teclas
da desumanizada máquina fria
e venha ver a vida da paisagem
onde o sol faz cócegas nos pulmões que passam
e enche a alma de gritos da madrugada.
Não desprezo os montes escalvados
tal o meu romântico homônimo de Guerra Junqueiro
Bebo leite aromático do candeial em flor
e sorvo a volúpia da manhã na cavalgada. Visto os couros do vaqueiro
e na corrida do cavalo sinto o chão pequeno para a galopada.

Aqui come-se carne cheia de sangue, cheirando a sol.

Que poeta nada! Sou vaqueiro.

Manuel Bandeira, todo tabaréu traz a manhã nascendo nos olhos
e sabe de um grito atemorizar o sol.

Feira de Santana! Alegria!

Alegria nas estradas, que são convites para a vida na vaquejada,
alegria nos currais de cheiro sadio,
alegria masculina das vaquejadas, que levam para a vida
e arrastam também para a morte!

Alegria de ser bruto e ter terra nas mãos selvagens!

Que lindo poema cor de mel esta alvorada!

A manhã veio deitar-se sobre o sempre verde.
Manuel Bandeira, dê um pulo a Feira de Santana e venha comer pirão de leite com carne assada de volta do curral
e venha sentir o perfume de eternidade que há nestas casas de fazenda,
nestes solares que os séculos escondem nos cabelos desnastrados das noites eternas venha ver como o céu aqui é céu de verdade
e o tabaréu como até se parece com Nosso Senhor.



***


ESCUSA

Manuel Bandeira


Eurico Alves, poeta baiano,
salpicado de orvalho, leite cru e tenro cocô de cabrito.
Sinto muito, mas não posso ir a Feira de Sant'Ana.

Sou poeta da cidade. Meus pulmões viraram máquinas inumanas e
aprenderam a respirar o gás carbônico das salas de cinema.

Como o pão que o diabo amassou.
Bebo leite de lata. Falo com A., que é ladrão.
Aperto a mão de B., que é assassino.

Há anos que não vejo romper o sol, que não lavo os olhos nas cores das madrugadas.

Eurico Alves, poeta baiano, não sou mais digno de respirar o ar puro dos currais da roça.


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