Batman - O cavaleiro das trevas... uma união de antigos e novos mitos
Watchmen... apenas mais uma revistinha
Após o estrondoso sucesso de público e, principalmente, de crítica (numa proporção, até agora, inédita para um filme baseado em um herói dos quadrinhos, porém, não sem os devidos merecimentos, os quais, aliás, são inúmeros) que Batman – O cavaleiro das trevas (EUA/2008, Warner Bros) recebeu, era de se esperar que os produtores de semelhantes filmes seguissem pelo mesmo viés tão bem explorado pelo filme de Christopher Nolan (com Christian Bale, Michael Caine, Heath Ledger, Gary Oldman, Aaron Eckhart, Maggie Gyllenhall, Morgan Freeman, Eric Roberts, Cillian Murphy, Anthony Michael Hall, Monique Curnen e Nestor Carbonell)... pelo menos era o que se esperava de Watchmen (EUA/Inglaterra/Canadá; 2009, Warner Bros, Paramount Pictures, DC Comics & Legendary Pictures ), um dos filmes mais aguardados por membros de todas as facções cinéfilas existentes, que vão dos críticos mais turrões – aqueles que pensam que somente filmes introspectivos e sem nenhum atrativo além de diálogos de inspiração existencialista merecem o título de obra cinematográfica –, aos nerds de primeiro time – os que lotam as salas de cinema só pelo prazer indescritível de ver os seus heróis de infância, mesmo que a maioria já tenha passado dos trinta anos, ganhando vida, em corpos de carne e osso, nas telonas do mundo inteiro, mesmo que nenhuma gatinha se proponha a acompanhá-los em tão “idiossincrática” jornada. Baseado na obra homônima de Alan Moore e Dave Giobbons – sem dúvida, um dos melhores HQs já produzidos – Watchmen está muito longe de repitir o mesmo efeito que Batman, em dois filmes, mas, principalmente, no segundo, consegiu. Isso porque, em O cavaleiro das trevas, não podemos ver além da realidade por mais que seu protagonista não advenha dela, ou seja, batman é um herói de quadrinhos, podendo, no entanto, ser muito bem concebido no mundo real; aliás o mundo onde Batman é jogado é o nosso mundo real. Foi unindo aspectos de uma sociedade corrupta em todos os seus pilares, principalmente naqueles que deveriam salvaguardar os valores pelos quais toda Sociedade se sustenta, que Batman conseguiu sua principal cartada, opondo, na estrema direita, o cavaleiro solitário, o herói angustiado que serve a esta sociedade esquecida dos verdadeiros motivos que este cavaleiro representa, e, pelos quais, luta – Bruce Wayne é quase que praticamente um Sísifo moderno; já na estrema esquerda, o antagonista deste mesmo herói, o Coringa, aquilo ao qual toda a sociedade parece inspirar-se, ao niilismo total e iminente, e, claro, a uma caricatura tosca de toda humanidade, que não vai muito além do chipanzé darwiniano; no centro, as instituições que tem a obrigação moral de proteger a decadente sociedade, representadas pelas figuras do Comissário James Gordon e do Promotor público Harvey Dent... um se manterá firme em suas posições, por mais que não confie em mais ninguém, o outro personificará os dois lados de uma realidade aparentemente sombria, mas é a gente comum, os ingênuos “protegidos” que serão responsáveis por demonstrar, na tão bela, quão significante, sena das “barcas”, que aquilo que, realmente nos forma, nos diferencia e nos faz superiores a quaisquer outros seres que habitam este mundo, está mais vivo e protegido do que nunca e que não há ninguém melhor para cuidar dos nossos valores do que nós mesmos. A cena que eu citei acima é um golpe mortal em todo materialismo, evolucionismo e niilismo que alguém, cinematograficamente, já imaginou dar; e o tapa com luva de pelica é ironicamente representada por um Coringa, que prefere acreditar num aparelho com defeito do que em pessoas se sacrificando para não fazerem o mal, da mesma maneira que o ateu, não acreditando em uma força suprema é incapaz de enxergar, e menos ainda de entender, a mudança radical pela qual uma pessoa se submete a passar em nome de sua conversão, antes preferindo acreditar numa possível “doença mental”, numa “alienação” temporária ou num "fingimento" interesseiro do que, longe de seus olhos objetivos, aparecer-lhe-ia como o mais óbvio.
Já no caso de Watchmen tudo parecia tender para uma outra história que uniria heróis dos quadrinhos com velhas receitas egressas de grandes epopéias e tragédias, como fez Batman – O cavaleiro das trevas, o filme de Zack Snyder (com Malin Akerman, Billy Crudup, Matthew Goode, Jackie Earle Haley, Jeffrey Dean Morgan, Patrick Wilson, Carla Gugino e Matt Frewer) acaba caindo numa velha armadilha na qual muitas adaptações de quadrinhos, por melhor que sejam tais adaptações ou os quadrinhos pelos quais foram baseados, acabam caindo... não deixar de ser um quadrinho. Isto é o maior pecado de Watchmen que, diga-se, tinha tudo para não cometê-lo. Logo na abertura, relembramos acontecimentos memoráveis, que, mesmo sob a óptica distorcida, para se encaixar no mundo paralelo onde toda a trama acontece, formam momentos marcantes da história não só americana, mas levando em conta a grande influência política que estes acontecimentos tiveram em todo o mundo, são acontecimentos que falam a todo o Planeta, como a Guerra do Vietnã, a ascensão comunista em várias partes do mundo, o assassinato de Jonh F. Kennedy e, claro, a distante, mas não exorcizada, Guerra Fria, dando ao filme um aspecto realista, apesar do mundo paralelo, e, principalmente, humano. Pena que este realismo, e este aspecto humano parem por aí... Watchmen não consegue ir além de um roteiro complexo e sem aprofundamento, por mais que a falta de caráter de muitos heróis como é o caso do Comediante – uma personificação de tudo que de mais abjeto possa existir num ser humano – ou o complexo triângulo amoroso entre a segunda Espectral (a primeira, sua mãe, é uma bêbada depressiva que esconde da filha o facto de ela ser fruto da paixão doentia dela por seu estuprador), o Dr. Manhattan (o único com super-poderes – e bota poder nisso –, mas com problemas emocionais demais e péssima lógica para usá-los responsavelmente, e o Coruja, um depressivo, impotente sexual e que perdeu seu total senso de dever –, possam ser elementos formidáveis para se construir uma bela história... Watchmen, infelizmente, fica só no quase e não impressiona para além dos efeitos especiais que são muitos, e maravilhosos, principalmente para uma super-produção que, por mais que queira e nos deva isso, não consegue dizer absolutamente nada. Assim sendo, só resta a Watchmen, o quadrinho, servir de influência a outras produções que dele souberam tirar melhor proveito, como Os Incríveis, por exemplo, do que a sua própria produção homônima que, do contrário ao desenho da Pixar, e, claro, de Batman - O cavaleiro das trevas, que reuniu o maior número possível de elementos oriundos das grandes narrativas da história, sem perder os rumos da realidade, muito menos de nossa sociedade atual, estas tão distintas quão excelentes produções não quiseram ser somente uma revistinha...
Um comentário:
Compartilho destas impressões e decepções, ressalvando que, na minha opinião, os clássicos do HQ, reunindo qualidade gráfica, desenhos de valor artístico e redação com qualidade literária não seriam "revistinhas", mas, de fato, a transposição para o cinema requereria alguns cuidados que não foram tomados.
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