Mário Quintana (1906-1994) é um de meus poetas preferidos e, até onde lembro, um dos primeiros com quem tive contacto. Para falar a verdade, a poesia de Quintana é, por assim dizer, ao lado dos versos de Manuel Bandeira, Eurico Alves Boaventura e Fernando Pessoa, uma de minhas primeiras lembranças poéticas. Foi num livro de Língua Portuguesa, de minha 7ª série, num lapso que hoje me vêem à memória como mais uma de minhas epifanias de menino, onde li o seu tão singelo quão maravilhoso soneto: Dorme, ruazinha... É tudo escuro... e, apesar de alguns anos se terem passado (e uso aqui “alguns” como puro eufemismo), as impressões, ou melhor, os estranhamentos que aqueles versos me deixaram, mudaram muito pouco. Mário Quintana é um poeta de inquietudes, estejam elas presentes em sua alma de criança que amadureceu de repente ou num mundo de espantos à sua volta. Estas inquietudes, às vezes, revelam um poeta tristonho, angustiado, perdido em suas reminiscências, assustado ante à realidade, certo de seu sofrimento, consciente da morte. Em outros momentos, Quintana é um poeta de ironia refinada, de ácido sarcasmo, realista, preso aos mínimos detalhes da existência, envolto em um mundo de objetos singulares em sua simplicidade, tão cheios de significados quanto mais comuns eles nos pareçam. Como um todo, Quintana é um poeta lírico que, para a grande maioria de seus leitores, nadou contra uma maré poderosa, pois procurou manter-se fiel a um tipo de poesia e a uma temática, à época, por muitos, considerada obsoleta, tornando-se, em minha maneira de ver, um revolucionário às avessas: um poeta de sonetos, numa geração que questionava o verso tradicional; um poeta de palavras fáceis, quando o modismo era jogar tudo no “complicador”; um poeta do “simples”, quando nada o era ou queria sê-lo. Mas, inegavelmente, um grande poeta que, como só os grandes o fazem, personifica o mundo à sua volta, é-lhe o seu espelho, e, as imagens ali refletidas, são, também, suas emoções, a se multiplicarem nestes reflexos. Ao lado de Cecília Meireles, e, numa certa fase, de Vinícius de Moraes, Mário Quintana inovou buscando o passado, a tradição... a simplicidade; e, por isso mesmo, é um poeta tão popular, tão bom, tão único...
SONETO
a Dionélio Machado
Recordo ainda... e nada mais me importa...
aqueles dias de uma luz tão mansa
que me deixavam, sempre, de lembrança,
algum brinquedo novo à minha porta...
Mas veio um vento de Desesperança
soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
todos os meus brinquedos de criança...
Estrada afora após segui... Mas, aí,
embora idade e senso eu aparente
não vos iludais o velho que aqui vai:
eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
que envelheceu, um dia, de repente!...
Um comentário:
Que beleza! Que poema genial, tocante. Ainda mais agora que estou a escrever crônicas sobre minha infância. Quintana é tudo isso aí mesmo, meu caro Silvério.
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