quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

JORGE DE LIMA (1893-1953)




Destinado a pequenas notas de livros didáticos criminosos, pondo-o como um poeta menor e sem interesse, e que chegam às mãos de milhões de alunos de todo o Brasil, limitado-o apenas a uma Negra Fulô insípida, Jorge Mateus de Lima (1893-1953) é, ao lado de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, considerado por muitos, um dos poetas mais representativos de todo o Modernismo Brasileiro, mas, ao contrário dos outros dois, sua poesia é, sem sombras de dúvidas, a mais intelectual e a mais profundamente formal de todo o século XX, igualando-se apenas a Fernando Pessoa, em Portugal, e Bruno Tolentino, aqui, no Brasil. Todavia, passados mais de 50 anos de sua morte, nem um grande poeta foi tão boicotado, tanto na influência, como em sua importância, quanto este alagoano de União, e a crítica literária brasileira dos últimos 50 anos, medíocre e despreparada – com raríssimas exceções, é claro – tem sido segundo César Leal (um dos que fazem parte das exceções), em seu maravilhoso Os cavaleiros de Júpiter, a principal responsável por tal desprezo, pois muito mais interessados com os processos econômico-sociais do País, deslocam todo o seu interesse àqueles autores que, imbuídos de semelhante pensamento, têm sua participação mais intensa nesta “tomada de posição”, cujo resultado não poderia ser outro, senão um barbarismo estilístico parasitório que só o pensamento marxista poderia construir, o qual, infelizmente, tem sido a face mais conhecida não só de nossa crítica literária, mas de todo o “pensamento intelectual” brasileiro até os dias de hoje. Jorge de Lima, maior do que tudo isso, produz uma desdobrável visão da realidade, que é uma função essencial de todo grande poeta, realizando o milagre da fusão temporal, embora sinta a necessidade sempre urgente de transcrevê-lo, no dizer de Murilo Mendes, produzindo uma poesia do Espírito, no sentido mais autêntico do termo. Por estas razões, também, que não é de estranhar que os nossos críticos comunistas e os ditos poetas que nunca fizeram um soneto (não pelo facto de não gostarem, mas pela incapacidade de fazê-lo) sejam incapazes de compreender uma poesia elegante e de tão grande alcance intelectual como a de Jorge de Lima. Sabendo que o Cristianismo, principalmente o Cristianismo Católico Europeu, está na essência mesma da Cultura Brasileira e que a Bíblia nada mais é do que o principal Mito Fundador da Cultura Ocidental, Jorge Mateus de Lima é para Literatura Brasileira, um pilar fundamental e, por isso mesmo, indispensável, na compreensão não só de a nossa cultura, mas do muito de tudo aquilo que a antecede, pois o bardo alagoano nada mais é que uma síntese de toda a Literatura Universal, além de ser um dos poetas brasileiros que, logicamente, melhor compreendeu Dante Alighieri e Luis de Camões, como a própria História do Cristianismo. Quem duvidar, por favor, leia a obra de Jorge de Lima, mas vou logo avisando, é preciso ser um iniciado em muitas dessas coisas, para não acabar no time de ignorantes, que há mais de meio século, compõe nossa Crítica Literária:

SONETOS GÊMEOS

Se me vires inúmero, através
deste poema, entre as coisas e as criaturas,
como se eu próprio fosse o que ontrem é,
dissipado nas páginas impuras,

arrebatado pelo próprio poema,
possesso, surpreendido, fragmentado,
travestido de herói ou de réu, em
quase todos os versos degredado,

negarás, meu irmão, a alma que vive
perdida na ansiedade de si mesma
sonhando a paz, querendo a paz; a paz

até na álgida paz da insânia, Deus
me busca para ser o seu convulsivo
a amado filho em torno de quem crês
morar a paz que Ele destina viva

a todo aquele que lhe faz perguntas.
Eis as respostas nessas vozes gêmeas,
deblaterando sobre o seu defunto,
sobre seu louco, sobre o seu recente

corpo hoje inda nascido e já julgado
e já descido, e já movido nesses
campos da morte, sob os passos, pássaros,

aos ventos indo, sob as noites gastas
passos sobre as caliças, sob os gestos,
sob as bocas sem choro, em seus nadas.

TRÊS QUADROS BARROCOS (poema ganhador do Concurso Literário Bahia de Todas as Letras de 2008, promovido pelas editoras Via Litterarum & Editus-UESC )


Frontispício da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Salvador-BA.

I
A DÚVIDA DE SÃO TOMÉ DE CARAVAGGIO

Para o homem, que tanto necessita
do Mistério, a vida é de um esplendor
tamanho, que o espanto, e a imensa dor,
são chaves pro milagre em que ele habita.

Em silêncio, a Imensidão, transcrita
por nosso grito, vem nos recompor
de Sua ausência, e faz-se em carne e amor
a Palavra, por tantas vozes dita.

Mas, os olhos de um homem podem ser
a mais profunda cova deste mundo...
Diante dos que alcançaram o dom de crer,

já não sinto o viver que em tudo corre,
e o vazio de meus olhos é mais fundo,
porque em minha alma habita um Deus que morre.


II
A CRUCIFICAÇÃO PETER PAUL RUBENS

...mas, tudo é leve agora... é tudo pó
sob este Céu envolto na agonia
e a dor, que se imprimiu na pele fria,
é a tessitura exígua de um Ó

por onde se desfaz o último nó
do vetusto preceito que podia
fazer da Graça Eterna uma porfia
vã, porque todo homem morre só.

Mas a treva, plantada sobre o lume,
desvaneceu-se toda sob o abraço
de um grande Amor sem mácula e sem ciúme.

E assim se espera, pela Fé, a nova
chama que brotará sobre o ocaso,
pois pela Graça tudo se renova.

III
AO ESPELHO DE DIEGO VELÁZQUES

...e nós, ante à Beleza, viva ou morta,
somos mero reflexo do abandono
neste enleio que faz perder o sono
porque o descanso já não mais importa;

desesperado, o olhar suporta a dor
do que deslumbra; pois é mais profunda
a dor do olhar se a alma então se inunda
de uma luz que nos enche de pavor...

pois se a boca do Tempo tudo come,
dela também escapam velhas trovas
para fugir de sua foice e fome,

nos entalhando, então, cruel lembrança,
que sempre nos expõe a duras provas
como a imagem do amor de uma criança.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

REGIONALISMO & POESIA


Retirantes de Cândido Portinari



No ano que passou, o romance Vidas secas, do alagoano de Quebrângulo, Graciliano Ramos (1892-1953), completou 70 anos, merecidamente festejado como uma das maiores obras da História da Literatura Brasileira. Graciliano encontra-se no centro (não só no sentido metafórico) de uma tendência literária que se divide, historicamente, entre a celebração e o olhar pejorativo – o Regionalismo; que, desde o exotismo romântico de José de Alencar, e, não totalmente, do Visconde de Taunay, ao quase desprezo de autores, tanto já veteranos, como João Ulbaldo Ribeiro e Antônio Torres, a contemporâneos de igual qualidade, tais quais Milton Hatoum, José Lins Passos e Ronaldo Correa, acusando tal tendência de ser uma forte variante de “beletrismo estético”, o Regionalismo (e entenda-se aqui toda literatura que, desde a segunda metade do século XIX, se direciona para o interior geográfico do Brasil, apresentando uma série de aspectos muito próprios das comunidades afastadas dos grandes centros urbanos, que vão desde o modo como declinam a minudências na descrição de dados locais, à maneira como incorporam certos maneirismos lingüísticos) tem nos dado algumas das maiores obras de nossa literatura, além de ser o responsável pelo desbravamento cultural de regiões, até meados do século XX, desconhecidas do grande público leitor, como o Sertão do Nordeste, os Pampas gaúchos, os canaviais próximos ao litoral nordestino, a região cacaueira da Bahia ou a Amazônia, mesmo como o já citado exotismo de alguns românticos ou com o realismo profundo, e com uma verdadeira preocupação político-social e histórico-cultural, propostos, já no fim do século XIX, por Franklin Távora, autor de O Cabeleira. Aliás o apogeu do Regionalismo vem com a geração neo-realista de 1930, onde, como é sabido de todos, encontra-se algumas das melhores obras da ficção brasileira, como o já citado Vidas secas, além dos antológicos Fogo morto de José Lins do Rêgo, Gabriela, de Jorge Amado, O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, O Quinze, de Raquel de Queirós, A Bagaceira, de José Américo de Almeida, por exemplo; já o que me parece ser muito pouco comentado, inclusive nos livros didáticos que chegam às mãos de milhões de alunos de todo o País, com respeito ao Regionalismo, é a grande participação que a Poesia assume em todo esses contexto, até porque, a linguagem poética, extremamente diversa e subjetiva – abrindo-se à possibilidades infinitas de interpretação, inclusive à péssimas interpretações –, por mais que muitos a queiram anti-lírica e objetiva, não se limitaria totalmente a quaisquer paradigmas, por mais que os autores se dedicassem à tamanha proeza, no entanto, alguns tornaram-se famosos por trazer, à poesia, as mesmas propriedades presentes nos romances ditos regionais, tais como João Cabral de Melo Neto, Ascenso Ferreira, Alberto da Cunha Melo, e o tão desconhecido do grande público, quanto notável em suas aptidões de poeta, o feirense Eurico Alves Boaventura (1909-1976), que, neste ano, completa seu primeiro centenário, e de quem recolho um dos melhores exemplos de uma poesia regionalista, no mais autêntico e perfeito sentido do termo:




MANHÃ

Há uma douçura nos longes de um azul discreto.

A manhã desce pela serra,
uma doce, suave manhã adolescente.
Há um gosto de mulher nua pelo ar úmido de luz.
E as longas estradas esquecem-se de si mesmas,
numa indolência vaga, indefinida.

Mugidos de reses nos currais perto da vida adormecida.

Os meus pulmões cansados de civilização,
agora gritam como cabritos ágeis e vadios,
bebendo o ar puro da manhã de sol,
quando vem este perfume de rosa-amélia dos quintais abertos.
Nem anúncios de jornais, nem estrídulos de carros,
nem o drama angustioso de mocinhas para o trabalho,
nem o tédio bom das boemias doiradas, nem o rumor,
da vida encantadora da cidade, nada, nada...

A vila é um compêndio natural de moral e probidade
Que vive da ignorância de viver, que é a felicidade afinal.

Manhã pura.

Salpicada de orvalho, atarantada, suja,
passa na douce manhã vilarenga, numa auréola de mosquitos,
a doidinha trazendo no chapéu braçadas de malua veludosa,
para lavar a louça das casas abastadas da vila.

Olho as estradas. Penso nas lindas mulheres que adormecem ainda,
lá pelas cidades grandes, depois das reuniões veladas.
Um juiz, para a vila pacata, não deve
nunca ter pensamentos assim. Comprometê-los-ão tais pensamentos.

* * *

Os caminhos perdem-se na boca escancarada do céu,
deitado sobre o horizonte lá longe...

E, na manhã doce como amora madura,
a pequena vilazinha, sem ninguém, descuidada, ressoa
.




Feira de Santana/Capivari, 14 de março de 1935.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

ANGELUS


Angelus de Jean-François Millet

ANGELUS
à Mílvia Cerqueira, voz e mãe...


Quando as tardes sem fim nos trazem sonhos
que, um dia, abraçaremos sobre os nadas
e o que sobrou de luz nos preenche as asas
onde guardamos certos vôos medonhos;

quando a noite nos vem como um abandono
– mais um, em meio à dor que nos chamava
e um soluço de amor nos arrancava
a nossa última ilusão de sono,

o que nos resta além do que lembramos
ou o que sobrou de nós além de instantes?
( Mas repousas agora entre as raízes,

vidas que tão penosamente aramos,
e, sem seus nomes, volvem à terra... antes,
nos dão certeza de horas mais felizes. )

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

PARA VER, OUVIR E LER...


Ladainha (série Capoeira) de Gabriel Ferreira



http://www.sougabrielferreira.blogspot.com




Capa do CD As Flores do Caos de Ildásio Tavares


PLENILÚNIO
Ildásio Tavares


Na cidade amordaçada
ladra a distância na rua
e reluz sobre a calçada
uma indiferente lua.

Não sei se é março ou setembro,
se é segunda-feira ou quinta.
Não sei se esqueço ou se lebro,
se fala a veradade ou minta.

O sol tarda na cidade
e a luz reluz no alto,
esparzindo claridade
sobre o negrume do asfalto





Capa do livro Escondedouro do amor de Nívia Maria Vasconcellos


ESCONDEDOURO DO AMOR
Nívia Maria vasconcellos


O amor não está na estrela
que, ao cair, carrega o pedido sussurrado,
está no olhar que a percebe e espera.

O amor não está nas cartas
lançadas sobre mesas postas,
está na tensão de quem as ouve e deseja.

Búzios, números e datas
não contêm o amor,
ele não está numa procura.

Rezas, promessas e velas
não trazem o amor,
só a esperança de encontrá-lo.

Mas, ninguém encontra o amor,
ele é (misteriosamente) despertado...
num momento de distração e abandono.


MÁRIO QUINTANA (1906-1994)



Mário Quintana (1906-1994) é um de meus poetas preferidos e, até onde lembro, um dos primeiros com quem tive contacto. Para falar a verdade, a poesia de Quintana é, por assim dizer, ao lado dos versos de Manuel Bandeira, Eurico Alves Boaventura e Fernando Pessoa, uma de minhas primeiras lembranças poéticas. Foi num livro de Língua Portuguesa, de minha 7ª série, num lapso que hoje me vêem à memória como mais uma de minhas epifanias de menino, onde li o seu tão singelo quão maravilhoso soneto: Dorme, ruazinha... É tudo escuro... e, apesar de alguns anos se terem passado (e uso aqui “alguns” como puro eufemismo), as impressões, ou melhor, os estranhamentos que aqueles versos me deixaram, mudaram muito pouco. Mário Quintana é um poeta de inquietudes, estejam elas presentes em sua alma de criança que amadureceu de repente ou num mundo de espantos à sua volta. Estas inquietudes, às vezes, revelam um poeta tristonho, angustiado, perdido em suas reminiscências, assustado ante à realidade, certo de seu sofrimento, consciente da morte. Em outros momentos, Quintana é um poeta de ironia refinada, de ácido sarcasmo, realista, preso aos mínimos detalhes da existência, envolto em um mundo de objetos singulares em sua simplicidade, tão cheios de significados quanto mais comuns eles nos pareçam. Como um todo, Quintana é um poeta lírico que, para a grande maioria de seus leitores, nadou contra uma maré poderosa, pois procurou manter-se fiel a um tipo de poesia e a uma temática, à época, por muitos, considerada obsoleta, tornando-se, em minha maneira de ver, um revolucionário às avessas: um poeta de sonetos, numa geração que questionava o verso tradicional; um poeta de palavras fáceis, quando o modismo era jogar tudo no “complicador”; um poeta do “simples”, quando nada o era ou queria sê-lo. Mas, inegavelmente, um grande poeta que, como só os grandes o fazem, personifica o mundo à sua volta, é-lhe o seu espelho, e, as imagens ali refletidas, são, também, suas emoções, a se multiplicarem nestes reflexos. Ao lado de Cecília Meireles, e, numa certa fase, de Vinícius de Moraes, Mário Quintana inovou buscando o passado, a tradição... a simplicidade; e, por isso mesmo, é um poeta tão popular, tão bom, tão único...


SONETO

a Dionélio Machado


Recordo ainda... e nada mais me importa...
aqueles dias de uma luz tão mansa
que me deixavam, sempre, de lembrança,
algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, aí,
embora idade e senso eu aparente
não vos iludais o velho que aqui vai:

eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
que envelheceu, um dia, de repente!...

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON



O filme, O curioso caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button) de David Fincher, com Brad Pitt, Cate Blanchett, Kimberly Scott, Jason Flemyng, Taraji Henson, Elle Fanning, Mahershalalhashbaz Ali e Emma Degerstedt, produsido numa parceria dos estúdios Warner e Paramount, com a consagrada direção de David Fincher, é um daqueles filmes onde uma velha máxima se faz surpreendentemente verdadeira: "O Cinema é mágico". Não importa se nascemos jovens e morramos velhos, ou se fosse ao contrário, como é a existência singular do personagem que nomeia este conto de Scott Fitzgerald, de onde o filme é baseado; não podemos nos furtar daquilo que a vida nos oferece, nem daquilo que ela é. Molharemos as calças, sentiremos medo, ficaremos curiosos, teremos prazer, dor, dúvida, e, no fim, esquecidos ou não, teremos que aceitar, de uma forma ou de outra. Não podemos nos furtar ao tempo e de como, nele, a vida se conduz única para qualquer um de nós. Isto que estou a dizer até poderia soar tenebroso, mas em nenhum momento do filme isto é mostrado desta maneira – e eu duvido que alguém tenha se sentido assim, mesmo naquela que, para mim, é uma das mais "barrocas" cenas já construídas pelo cinema, que é a da morte de Benjamin (ops!, contei o que não devia), nos braços de sua amada Queenie, ele, inconsciente, por sua condição, finalmente, de recém-nascido ao inverso, e, ela, envelhecida, no mais profundo sentido da palavra; desta forma, onde, à primeira vista, deveria haver uma cena de amor trivial entre avó e neto, revela-se uma das mais angustiantes representações da morte que o cinema poderia proporcionar. Além do mais, não tive, como em todo bom filme, que ficar indiferente a tudo que me era ali mostrado, principalmente na história de um homem que rejuvenesce em um século que também parece ficar mais jovem, à medida que se aproxima de seu término; como me foi impossível ficar indiferente à minha própria vida, a qual eu mesmo fui levado a rever, ao assistir este filme. O Curioso caso de Benjamin Button me deu algumas das 3h15 mais prazerosas de minha vida.