A BUSCA DAS ALEGRIAS COMUNS:
ou ANDREI PLEȘU E O COMUNISMO COMO ELE É
O
que se alegra com a verdade é semelhante a alguém cuja casa se incendiou e que,
ferido pelo dissabor no fundo de seu coração, começa, no entanto, a construir
uma nova casa. E para cada tijolo novo assentado, o coração dele se enche de
alegria.
MARTIN BUBER
A
Romênia possui uma das histórias mais controversas e marcadas por batalhas de
toda a história da humanidade. Fora conquistada pelos romanos há quase 20
séculos, para que Trajano pudesse pagar suas dívidas de guerra, depois pelos
turcos, húngaros, austríacos, russos, até cair nas garras daquele que seria seu
pior pesadelo: o Comunismo. A própria língua romena é exemplo deste emaranhado
cultural trazido pelos muitos conquistadores ao longo de sua história. É uma
língua neolatina com muitos sons e estruturas sintáticas derivados do árabe e até
do eslavo. Pelo que sei, até meados do século XIX, o romeno usava o alfabeto
cirílico.
No
entanto, para muitos brasileiros com
o mínimo de inteligência e conhecimento, seu saber pela Romênia limitar-se-ia
ao fato de lá existir a Transilvânia, terra do Drácula. Mas a antiga Dácia, lá
nos tempos dos romanos, vai bem além de criaturas míticas e horripilantes. A
Romênia, hoje, é, de longe, a terra de bárbaros que tanto enojava o por lá exilado
poeta Ovídio. Poucos países, em nossos dias, podem se orgulhar de produzir uma
gama tão grande e tão qualificada de filósofos e escritores como a Romênia.
Nomes tarimbados como Emil Cioran, Mircea Eliade, Eugène Ionesco e Mihai
Eminescu, ao lado de mais recentemente difundidos como Lucian Blaga, Nicolae
Steinhardt e Constantin Noica (este último, um dos maiores e mais influentes
pensadores do século passado ao lado de nomes como Husserl e Ortega y Gasset),
vão desfazendo o mito de que na Romênia para nada vai além de vampiros e
empaladores, e provando, ao leitor mais curioso e ávido de novidades cada vez
mais repletas de qualidade, que existe uma vida filosófica para além dos berços
tradicionais do pensamento ocidental.
Para
completar este time, a editora É Realizações, acaba de lançar, no Brasil, o
livro Da alegria no Leste Europeu e na
Europa Ocidental e outros ensaios – Despre
bucurie în Est şi Vest şi alte eseuri, no original –, uma série de quatro
conferências do professor, filósofo e ex-ministro da Cultura e das relações
Exteriores da Romênia, Andrei Pleşu, numa iniciativa muito ousada e corajosa de
seu editor Edson Manoel de Oliveira Filho – porque viver de boa literatura ou
editar filosofia que não seja de Esquerda aqui no Brasil é pedir para abrir
falência –, e com mais uma tradução primorosa de meu amigo Elpídio Mário Dantas
Fonseca – o mesmo que traduzira para o Brasil a obra-prima de Nicolae
Steinhardt, O Diário da Felicidade,
editado e lançado pela mesma É Realizações.
O
leitor brasileiro, entretanto, perguntar-se-á: o que um livro sobre a Europa
Oriental tem a ver com o nosso Brasil varonil, ou em que contexto essas duas
nações podem se encontrar lá pelas curvas da história e das ideologias? Ou, o
que os escritos de um ex-ministro romeno, sobrevivente da ditadura comunista em
seu país, e de relativa contextualização sócio-política entre a Europa
Ocidental e Oriental, acrescentará em minha vida?! E eu, de pronto, ponho-me a
responder: mais do que você imagina, leitor amigo... mais do que você
imagina...
Em Da alegria no Leste Europeu e na Europa Ocidental e outros ensaios,
Andrei Pleşu nos oferece uma real visão do que é viver em uma sociedade
socialista. Não àquela exaltada e barateada por nossos estudantes
universitários e demais simpatizantes da ditadura dos Castros – porque pimenta
no terceiro olho dos outros é refresco –, mas a visão de quem, realmente, viveu em uma sociedade totalitária
regida por uma ideologia de violências, onde o simples fato de ter pão em uma
padaria não signifique uma constatação óbvia e sim um acontecimento notório
capaz de gerar uma euforia e uma comoção despropositadas, pois se alegrar com
aquilo que, para nós do lado de cá do Globo, nos parece “natural ou pressuposto”
pode ser uma das experiências mais marcantes numa ditadura como a que se
estabeleceu na Romênia dos anos 60 a 1989.
Ao lado
dessas alegrias mínimas, que nada mais são do que a “euforia pelo estritamente
necessário”, Pleşu nos fala de outras alegrias que se poderiam viver numa
sociedade como a da Romênia comunista; um bom exemplo disso é o que ele chama
de alegrias negativas, ou seja, são aquelas derivantes não da sensação de ter
uma experiência desagradável, mas da de “não ter uma experiência ruim”. Numa
sociedade como a que Romênia viveu até 1989, que é a mesma que Cuba ou a Coreia
do Norte, por exemplo, vivem até hoje, estar à sombra do medo e das
expectativas negativas é algo que só se pode esquecer com a não realização de
tais expectativas. Desta maneira, enquanto do lado de cá – capitalista e livre –,
alegramo-nos quando, por aqui, não se produz a “anomalia do mal”, do lado de
lá, como aqueles que viviam à sombra da Securitate, ou como vivem os que moram
sob o sol caribenho de Fidel Castro, alegram-se por não se produzir a “anomalia
do bem”. A alegria de se escapar à censura ou da acusação de algum crime que,
supostamente, se possa cometer é, talvez, maior que a alegria de não perder a
saúde, ou ter o nome sujo no SPC, ou mesmo perder o capítulo de ontem da novela
das nove.
Estas
alegrias somam-se, segundo Andrei Pleşu, às alegrias
proibidas. Numa sociedade não comunista, e, só por isso mesmo, livre, como
a da Europa Ocidental, a proibição é um fator legítimo dentro de uma sociedade
de moral unanime, e, desta forma, aceita dentro dela, tornando quaisquer
violações a ela um ato maléfico legítimo. Todavia, numa sociedade como a que
existia na época dos Ceauşescu, a mera transgressão à legitimidade da proibição
era um motivo de júbilo e até de sentimento heroico, pois não representava um
ataque à moral, pelo contrário, em tal transgressão desenhava-se nada mais nada
menos do que um ato de coragem moral e, por que não, de “júbilo espiritual”, ou
como nos diz o próprio Pleşu: “As alegrias proibidas são alegrias perigosas. O
prazer é dobrado pela palpitação do risco. Até mesmo algumas alegrias que – em
condições normais – são ilegítimas, por exemplo, a alegria de enganar o Estado,
chegando até mesmo ao furto ao Estado, ganhavam, no contexto comunista, uma
estranha legitimidade: eram um ato de sabotagem, uma maneira de pegar de volta
o que o regime te confiscara de modo arbitrário quando chegou ao poder.” É de
se imaginar quantos cubanos devem ter essa alegria quando conseguem levar para
casa um pouco a mais de leite ou ter acesso, mesmo que ignorantemente, à
Internet. Isso sem contar o júbilo que dever ser chegar a um país livre depois
de atravessar meio oceano de perigos não maiores que o regime do qual acabara
de escapar. Enquanto que, em uma sociedade como a nossa, a corrupção, o roubo
ao Estado ou mesmo o vício são transgressões diretas à moral e ao bem estar de
nossa sociedade, na Romênia dos Ceauşescu tais transgressões são,
paradoxalmente, afirmações da moral sobre um governo de imorais.
Encaminhando
tal discussão para um campo mais especificamente filosófico, Andrei Pleşu
constata que, à Europa Oriental, e, no caso dele, mais precisamente, à Romênia
comunista, faltava aquela alegria definida por René Descartes em seu Les Passions de l’âme: “a pura
contemplação dos bens presentes”. Que bens presentes, nem muito menos
contemplação de tais bens, podem existir em Cuba? Nada deve ser mais falto na
Ilha da Fantasia dos Castro, como na Romênia de Ceauşescu, que o Presente. O presente não pode sequer se
imaginar em uma sociedade cujo mal antecipado como provável tarda a acontecer,
embora ninguém queira duvidar de sua inevitabilidade nem, muito menos, apressar-lhe
a vinda. Desta maneira, a alegria pela realização das expectativas é, ao
contrário do que poderia nos parecer, bem menor do que a realização das coisas
cuja realização era duvidável. Este cuius
eventu dubitavimus, como aquele de que fala Spinoza, em sua Ética, está mais próximo do que,
realmente, sociedades que vivem sob as asas do medo passam a viver. A
satisfação pela lembrança de um passado ou da imaginação de algo passado a
despeito de nossas dúvidas resume bem os tipos de alegrias tão excêntricas que
eram experimentadas pelos romenos antes de 1989. Alegrar-se com um presente que
até então se duvidara possível, muito menos provável, consiste num sofrimento e
numa angústia temporais terríveis, pois há sempre uma nuvem escura a pairar
sobre este presente: eis o “sofrimento pela temporalidade” de que nos fala
Andrei Pleşu, em seu Da alegria no Leste
Europeu e na Europa Ocidental e outros ensaios: o passado imediato é
lúgubre, o presente é sempre difícil e o futuro um oceano de incertezas. Entre
“nostalgias estéreis e esperanças infundadas”, o homem (neste caso, não só o
cidadão do Leste Europeu), até então acossado pela falta total de liberdade,
perde o controle sobre aquilo mesmo que ele tanto queria, depois de alcançá-lo:
a Liberdade propriamente dita e o bom
uso de suas melhores atribuições.
O
resultado disso não é menos que um estranhamento por parte de quem não quer
voltar às garras do antigo regime, mas não consegue se debruçar nos braços da
nova realidade. Desta maneira, as alegrias oriundas da liberdade, outrora tão
desejadas, tornam-se difíceis e incompreensíveis. Tudo porque, a ideologia de
uma sociedade comunista, incapaz de garantir, aos seus cidadãos, o mínimo para
uma vida decente, por mais que nossos professores e estudantes de Histórias discordem
vociferadamente, e, antes, preocupada em comprometer, pelo medo, a própria
alegria de se viver, via, na felicidade, um bem tão caro quanto perigoso às
suas concepções. E se há alguma alegria em um governo comunista esta não vale
de nada por ser falsa e imposta.
O que
se verá com isso é um sentimento interior de orfandade e abandono muito comum
àqueles que acabam de sair de uma situação de horror, que o diga de um regime
que, em todas as suas formas, é horror puro. A alegria e a felicidade são bens
ao mesmo tempo impossíveis e estritamente obrigatórios. Só um universo privado
é capaz de assegurar alguma especialidade; só nas rodas de amigos ou nas
discussões intelectuais – as mais proibidas, principalmente – a alegria parecia
possível de se tornar um bem comum. A alegria, nesse contexto, parecia ganhar a
concepção de uma diffusio animi que
tanto falara Sto. Agostinho. Se a alegria é a “expansão da alma”, um regime
como o comunista sempre lutará para garantir o contrário. O Comunismo para Pleşu
é a institucionalização da “contração” desta mesma alma. Na atribuição de sua
dita “luta de classes”, o Comunismo é, na prática, uma usurpação das elites,
uma política de engodos e uma institucionalização da mediocridade. Em suma, a
ideologia comunista nada pode nos dar de real que a estatização da tristeza.
Todavia,
a usurpação das alegrias, por menores que elas sejam, deu aos dissidentes de
regimes como o da Romênia comunista uma visão demasiadamente crítica a muitas
alegrias comuns ao nosso mundo ocidental. Enquanto que, no regime dos Ceauşescu,
a alegria era algo fracionado e racionado, em nosso mundo ocidental ela parece
desperdiçada cada vez mais. Não é à toa que Andrei Pleşu nos lembra que o
Comunismo, e as ditaduras em geral, servem somente para “transtornar as
coisas”, produzindo alegrias de contração,
de redução voluntária e de restrição. Para Andrei Pleşu, a alegria,
no Comunismo, bem como em outros regimes ditatoriais, tem algo de “metabolismo
do sofrimento”, não sendo incomum que um autor como Nicolae Steinhardt, em seu O Diário da Felicidade, nos mostre que o
desastre da prisão não seja incompatível com os desastres interiores, mas que
“a alegria do prisioneiro é inevitavelmente contaminada pela atmosfera
concentracionária”. Marcada por esse tipo de experiência, Andrei Pleşu nos mostrará
o quanto que o oriental está despreparado para entender a simpatia unanime que
existe, na Europa Ocidental, por movimentos de rua para as grandes passeatas
públicas, destinadas a exprimir o protesto ou, pura e simplesmente, a alegria
comunitária.
Para
Andrei Pleşu, o civismo do Ocidental, nesta variante, é meramente fácil e
carnavalesco. Acostumado a desfiles impostos, e educados, sob ameaça, a
abster-se do protesto coletivo, o cidadão do Leste Europeu, por exemplo, não
entende como um cidadão ocidental pode organizar, de boamente e fé, “marchas de
Páscoa” patrocinadas por emblemas de assassinos como Che Guevara ao invés de
passarem tranquilamente com alguns amigos, nem muito menos qual o propósito de
protestos barulhentos de rua, quando os protestadores não ariscam nada e tudo
não passa de uma grande “diversão”.
Andrei Pleşu entende a necessidade de se exprimir inerente a cada ser
humano, e até mesmo que tais “protestadores” queiram comportar-se
responsavelmente demonstrando uma lucidez política digna a qualquer cidadão,
mas não pode deixar de notar a pequenez da proposta e a “candura” de tais
manifestações. Além do mais, é difícil para alguém que viveu os horrores do
Comunismo, como Andrei Pleşu, constatar que centenas de milhares de pessoas se
mobilizam em todo o globo para condenar a Guerra do Irã, mas contra alguns ditadores
sanguinários como Kim Jon Il, Ceauşescu ou Fidel Castro, nunca surgiram
movimentos de tal envergadura.
Não
obstante, quando Andrei Pleşu traça um perfil minucioso do combate comunista às
elites (de todas elas: tipos, graus e espécies), descobrimos duas coisas: a
primeira é a obsessão que o Comunismo tem pela “planificação do humano”,
destruindo tudo que tem de “valor de identidade para o individuo humano e tudo
que lhe confere alguma autoridade seja para si ou dentro de sua classe”. Anular
a individualidade é planificar a espécie humana e isso sempre foi um objetivo
muito prático para o tipo de controle que o Comunismo representa e tanto se
empenha em difundir. Não é à toa que, de todos os grupos perseguidos pelos
comunistas em todos os cantos do planeta onde seu regime se estabeleceu, os
intelectuais foram seu maior alvo. Já a
segunda, é a necessidade de destruição da intelectualidade porque essa, segundo
Andrei Pleşu, “abusa do espírito crítico e manobra conceitos como ‘verdade’,
‘cultura’, ‘ideias’...” Não se pode ser um intelectual no sentido pleno da
palavra e servir ao Comunismo, pois o conhecimento não pode servir à burrice.
De
igual modo também se combateu, ou se cooptaram artistas, e se repudiou qualquer
tipo de formação realmente acadêmica, como também é comum aqui no Brasil, onde
qualquer forma de conservadorismo é logo vilipendiada ou ridicularizada, pois é
algo a que se deve apenas desprezo. Há mais de trinta anos, por exemplo, que
toda produção artística brasileira se empenha em destruir não só as elites
econômicas, taxando-as de exploradoras e corruptas, numa generalização
descabida e leviana, mas também todo pensamento religioso, moral ou conservador
é logo estereotipado, as “culturas populares” se sobrepõe fantasiosamente à
erudita, o “achismo” toma o lugar da verdadeira dedução e do estudo
aprofundado, a “esquerda” será sempre a boazinha e a vítima abusada, enquanto
qualquer pensamento de Direita receberá a alcunha da intolerância e do
genocídio que, basta olhar para a história, se verá que é uma condição
essencial da Esquerda. O Comunismo é, para Andrei Pleşu, “o delírio do
igualitarismo”... e como tem gente delirando por aqui, em terras tupiniquins.
Como se
não bastasse, o fato de o Comunismo se apoiar nas massas nada tem de solidário
ou político e socialmente correto; se assim o faz é porque as massas, que pouco
se envolvem verdadeiramente nas coisas importante e quando o fazem é para
estragar tudo, são, em seu contexto, burras e violentas, além de facilmente
manipuláveis, e “desprezam toda e qualquer forma de excelência”, como, certa
vez, afirmou Ortega y Gasset, em Espanha
Invertebrada, pois qualquer idiota que se preste a ler um pouquinho mais
logo perceberá que o Comunismo é uma espécie de teorização do ressentimento e a
prática da mediocridade da parte de quem a ele se associa. O fim que se destina
tudo isso, como já se disse aqui é o combate às elites, tornando-as não um
corpo diverso dentro de uma diversidade, mas um corpo único e cancerígeno dentro
de uma sociedade que se quer unificada pelo ressentimento, por isso mesmo Pleşu
não deixa de abordar o tema das elites e sua importância, sem lhes desnudar, é
claro, as contradições e problemáticas, todavia, nos relembrando seu principal
papel, aquele que Platão chamou de μέγας
καί τελήιος, e verificando que mais que um problema de ordem teorética, a
questão das elites, em todo o mundo, e não só o dos antigos países dos Leste
Europeu, é um problema de ordem prática, como o foi a sua destruição nos países
comunistas.
Como é
possível ver, Andrei Pleşu, que além de ocupar os cargos de ministro aqui
citados, é formado em Artes Plásticas e doutorado em História da Arte, em
Bucareste, e membro da World Academy of Art and Science e da Académie
Internationale de Philosophie de l’Art, de Genebra, afora os diversos títulos
que recebeu como o de Dr. phil. Honoris
Causa da Universidade Albert Ludwing
de Freiburg im Breisgau, Alemanha, e da Universidade Humboldt de Berlim,
Commandeur des Arts et des Letters, em Paris, e outros tantos, em seu Da alegria no Leste Europeu e na Europa
Ocidental e outros ensaios, é dono de um conhecimento filosófico tão
abrangente quanto prático, resultado da união de uma educação esmerada e
profunda, como também de uma experiência de vida dolorosa, mas,
independentemente, tomada de um poder de observação digno apenas de quem tem,
na filosofia, mais que um diploma da USP, e sim um modus operandi comum ao que ele é e representa: um homem de ação
cuja voz do filósofo, do esteta e do educador pode ser ouvida de forma clara e
inteligível mesmo em nosso mundo assolado pela banalidade e exaltação da
ignorância; um homem “cujo Curriculum
Vitæ, inclui não apenas referências acadêmicas abundantes, mas também
episódios políticos”, como afirmará Mihail Neanţu, um dos maiores teólogos e
ensaísta político de seu país. Mas, certamente, seu maior legado intelectivo é,
sem dúvida, a amizade e o aprendizado que recebera do amigo e filósofo
Constantin Noica, e, sob sua orientação, soube como ampliar sua gama de
interesses, voltando para o aprofundamento de discussões sobre ética, política
e educação, e, pelo visto, não limitou seus interesses ao mero enriquecimento
de seu currículo acadêmico, o que faz dele, com este mero gesto, um Filósofo
por natureza e não uma mula de cabresto e diploma na mão como as que as nossas
Universidades produzem.
Não é à
toa que Andrei Pleşu tanto demonstre, em seu livro, a profunda preocupação com
a Educação. De todos os problemas urgentes aos quais os países do Leste Europeu
se confrontam, e todos os problemas dos países do Leste Europeu são urgentes, o
da Educação é sem dúvida o mais importante. Anos e anos de mentalidades
destruídas pelo Comunismo precisam ser urgente mente reparados, por isso, para Pleşu,
a reabilitação do nível de vida da população não é mais urgente do que o
remodelamento das mentalidades, nem a reforma da indústria sem a reforma
escolar, ou a queda da inflação frente à consolidação da sociedade civil pelo
saber e conhecimento. E, igualmente, não
é mais importante a melhoria do ensino público que o refazer das elites, ou
seja, de um grupo de grandes homens cujas qualificações fazem a diferença na
construção e na grandeza de uma sociedade.
O que se vê aqui é que os problemas enfrentados pelo Leste
Europeu não são muito diferentes aos problemas que enfrentamos aqui no Brasil,
mas nos falta, de longe, uma mentalidade tão centrada e sofisticada como a de
um Andrei Pleşu. Jamais poderemos esperar da imensa maioria de nossos políticos
e intelectuais um mero pensamento desta altura, quanto mais a sua prática. Até
porque seus modelos de solução são bem diferentes aos modelos adotados ou
admirados por aqueles que lutam pela reconstrução de anos de dominação
comunista. Nossos modelos não são o da democracia americana ou europeu ocidental,
mas o modelo cubano, norte coreano e mesmo o da Venezuela de Hugo Chaves;
justamente modelos políticos que, por onde foram aplicados, não deixaram menos
que uma trilha de corrupção, censura e morte. O mais interessante e agradável em toda essa explanação que
Andrei Pleşu nos traz, em seu Da alegria
no Leste Europeu e na Europa Ocidental e outros ensaios, é que ele a faz
com muita simplicidade e profundo bom humor. Apesar de ser um livro escrito por
alguém que vivenciou os anos negros da ditadura comunista de seu país, Andrei
Pleşu não nos dá um livro para estômagos fortes; seu humor romeno é o humor de
quem não teme o que diz, porque tem a verdade como alicerce. E este humor se
torna mais intenso à medida que ele próprio se torna assunto de seu trabalho e
de sua crítica às ideologias, ais quais, por natureza, são mesquinhas,
mentirosas e ridicularmente dignas de quanto mais produzem figuras risíveis por
levarem-se a sério demais em suas atitudes ridículas – e, aqui, eu não consigo
parar de pensar em figuras ridicularmente abomináveis, tais como Marilena Chauí,
Emir Sader e Leonardo Boff... só pra começar.
Para Andrei
Pleşu, a falta de humor, sabe-se, é “uma das fontes mais abundantes de humor
que existem”. E é, de fato, com muito bom humor que Pleşu nos mostra as agruras
desta patologia social que se chama ideologia
e suas práticas dogmáticas. Pois as ideologias também são faltas de humor, as
ideologias também são falhas, e, por conseguinte, são ridículas; mas, ao mesmo
tempo, são contagiosas e mortíferas, e toda e qualquer revolução, desde a da
França de 1789, estão cheias delas, impregnando, contaminando e acarretando em
um grande e descabido sofrimento humano.
É por
tratar de coisas assim, caro leitor, tão caras não só ao contexto de seu autor,
mais ao contexto de todo o mundo, que este é um livro para quem quer viver ou vive
em uma sociedade saudável – e a nossa sociedade brasileira está longe de gozar
de plena saúde –, e quem vive em uma sociedade saudável precisa tanto de substância
bem como de reflexão, de meias e sonhos, de pão e utopias... Aliás, este é um livro que deve ser lido por
todos aqueles que não querem se tornar idiotas, nem, tão pouco, se contentarem
em ver sua sociedade adoentada e pobre intelectualmente por querer se entregar
a um regime que deixou um rastro de morte, miséria e destruição cultural por
todos os lugares em que se fez presente. É para isso que um livro de um
ex-ministro romeno, sobrevivente da ditadura comunista em seu país e de
relativa contextualização sócio-política entre a Europa Ocidental e Oriental servirá
em sua vida, leitor brasileiro.
Mas, se
por um acaso, você for um daqueles “bons mocinhos” que, à semelhança dos que
negam os horrores causados pelos nazistas aos judeus em seus campos de
concentração, negam também os horrores que os comunistas infringiram e infringem
aos seus – pois o maior crime do comunismo é sempre “aquele cometido contra seu
próprio povo”, como afirmara Stephane Courtois, em O Livro Negro do Comunismo –, por acreditarem que conhece mais de
um país comunista do que aqueles que verdadeiramente viveram e sobreviveram
nele, então este livro não é para você... porque você já é um idiota.
Feira
de Santana/Candeias, agosto de 2013.
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