sexta-feira, 20 de maio de 2011

UMA BALADA PARA A MORTE...



O dia da morte de Willian-Adolphe Bouguereau (1810), óleo sobre tela; 153 X 119 cm. Sãp Petesburgo.


UM IMPROVISO HERÁLDICO
ANTE AS SOBRAS DO BANQUETE ILÚDICO
( em ocasião do 60º aniversário do poeta Antônio Brasileiro )



`a Fabiane Santana, aluna estimada e meiga lembrança de Aracy.


Talvez em outras paragens
do viver
se possa extirpar as feras.
E morrer.
ANTÔNIO BRASILEIRO






( Suavemente,
a noite nos envolve indecifrável...
fugindo de sua obrigação de negar-nos
a grande sombra desce,
mas todos se amontoam no
silêncio e no medo
de sermos tantos.

Amontoamo-nos
no indecifrável espaço do torpor
e parecemos um só homem espalhado pela escuridão imensa...
nessa sombra que somos
nos perdemos...
porém,
sobra nas retinas o que fomos
e presa à garganta
tudo
o que queríamos.

A noite...
sim, a noite...
a noite nos embrulhou com ódio,
e toda a noite enraivecida é a grande
verdade
que buscávamos,
uma deslavada verdade
que todos contam entre nós:
era dos nossos sonhos que ela vinha;
de nossa realidade ela se criava;
amadureceu em nosso egoísmo;
modificou-se por nossa angústia;
em nós...
em todos nós
espatifou-se,
neste momento que ainda corre:

e todos somos um
nesses pedaços de tantas coisas
únicas;
tantas vontades
a serem sempre as mesmas;
tantas fomes iguais
de tudo.

Esta noite nos uniu em nada...,
mastigou
o humano
que tínhamos engolido,
despojou-nos
neste leito de escuridão em que deitamos;
enraizou-nos
neste princípio de coisa alguma
impedido-nos
a aurora.






2.a

A noite está
inquieta
como um homem morto –
toda a noite
é um tumulto –
é toda um coração que bate e vai morrer e o sabe...

A noite
sorveu a paciência
destes banquetes; deu ao tempo
propósitos que não tinha;
a noite
deu propósitos a tudo:
à nossa morte,
ao nosso odor de morte,
à nossa inquietude de estar dentro
da
morte,
ao nosso esquecimento
de sermos
morte...

a noite
humanizou a terra superior dos cemitérios;
tornou fundamental
a nossa poesia dispersa;
apagou-nos
da manhã
que não
viria.





2.b

A noite
deu-nos um mistério em nosso nascimento;
e nenhum dia será mais claro do que esta noite
e os dias que virão de dentro dela.

A noite assombrosa de nosso desejo
é toda uma mística certeza que nunca tivemos.

– Existimos
dentro desta noite como
nunca existimos
antes. )






3

UM APÓLOGO
:



“ Ó amigos, ó coisas inexatas...
filhos das feras que moravam em nós:
esta noite tudo ficará retido sob o chão
destas mentiras tão puras;
a manhã se foi sem ternura
e sem a simplicidade
que os amanheceres
nos trazem.

Ó irmãos,
crianças maliciosas que fomos,
a manhã se foi escura
porque nunca verdadeiramente nos houve
uma manhã mais clara.


A perfeição,
irmãos,
reside nesta escuridão que este não-dia nos trouxe.
Nada vimos,
porque nada queríamos ver.
Nada evocamos,
pois sempre fomos esta mesma ausência.
Nada construímos sobre esta imensa mão ruidosa,
porque toda a nossa poesia foi um truque.
E nenhuma lágrima rolará,
pois nunca existiu em nós a alegria
para que, então, experimentemos a tristeza
de sermos tantos e tão sozinhos.

Nada, amigos...
nada...
nada será,
porque nada foi.


Tudo
apenas é:
e tudo é noite...
tudo é simples,
vasta e absoluta noite.

Somente
noite.”



Um comentário:

MaRiShKa disse...

'De manhã escureço, de dia tardo, de tarde anoiteço, de noite ardo... A oeste a morte, contra quem vivo, do sul cativo, o este é meu norte.... Outros que contém passo por passo:
Eu morro ontem! Nasço amanhã,ando onde há espaço:– Meu tempo é quando!'