
Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe em cena de Anticristo de Lars Von Trier

O diretor Lars Von Trier

Gozo e tragédia ao som de Haendel... em Anticristo de Lars Von Trier
Que o diretor Lars Von Trier é de um talento extraordinário, isso eu nunca duvidei, principalmente ao me recordar de suas produções anteriores: Os idiotas, Dançando no escuro e Dogville, mas é com Anticristo, novo filme do renomado diretor dinamarquês, e que tive o prazer de assistir neste último sábado, Von Trier extravasa genialidade e emoção desenfreadas naquele que é, sem dúvida, o mais polêmico e melhor de todos os seus trabalhos. A história é dividida em capítulos, outra marca do cineasta: Luto, Dor (Caos reina), Desespero (Ginocídio) e Os Três Mendigos, além de um Prólogo e um Epílogo. As cartelas dos episódio surgem sujas, pintadas sobre ilustrações abstratas em giz, contrastando com a absorvente beleza plástica do filme, fotografado por Antony Dod Mantle, de Quem quer ser um milionário?
Desde a lindíssima abertura, toda em câmera lenta e preto e branco - retratando uma explícita cena de sexo e orgasmo, ao som da ária Lascia che io pianga, da ópera Reinaldo, de Haendel - ao assombroso final da cena causada pela morte de seu filho, atraído à janela e, conseqüentemente, à morte, pela neve que, suave e poeticamente, cai pelo lado de fora. Não há qualquer traço de restrições dogmáticas, pelo contrário, Lars Von Trier se mostra mais corajoso e despudorado do que nunca. Von Trier abraça, neste filme, a necessidade do uso de todos os recursos cinematográficos para contar sua história – e, como sempre preferil, chocar o público num processo que mistura beleza e crueldade como nunca dantes visto na história do cinema moderrno. Homem e mulher – ambos sem nome –, arrastados pela tragédia familiar que lhes atingem profundamente, mergulham numa profunda lamentação. Ele, numa metáfora bem elaborada de razão e arrogância tenta salvá-la usando o que sabe, a psicologia; Ela, em sua alma dilacerada, de escritora e mãe, entrega-se a uma dor psiclógica sem igual, que nenhuma dor física parece se sobrepor... e olhem que dores físicas não faltam, para ambos, neste filme. Ambos se infurnam em um chalé nas montanhas, denominado Éden, na busca de uma cura para seus sofrimentos. O tratamento não dá certo e as conseqüentes discussões, seguidas de agressões e depois por mutilações, são tão duras e verdadeiras que em algum momento me perguntei se me sentia um sádico ao acompanhá-las. O sentimento de pesar e cinismo – uma constante na carreira de von Trier – faz-se, aqui, presente como nunca. Segundo o que se vê, num primeiro momento, em Anticristo, não há alento para a humanidade quando tudo o que acreditamos sobre nós mesmos é essencialmente mal, errado e inglório. Ao redor de tudo isso está a Natureza, má e presente como o verdadeiro Anticristo.
É explorando as mais diversas, contraditórias e sinceras emoções que, aliás, o filme se vale em todos os seus momentos; essas emoções são extraídas de uma maneira crua e desgastante, tanto pela parte que cabe aos atores, a excelente Charlotte Gainsbourg e o impecável Willem Dafoe, quanto aos espectadores de seu filme; isso, diga-se é uma das principais características de Lars Von Trier que, por um motivo que se deverá saber um dia, em Anticristo, são levadas às últimas conseqüências, para compor um filme inclassificável, onde o menor sinal de rotulação diminuiria consideravelmente toda a dimensão de seu trabalho. Assim sendo, Anticristo se apresenta ora como um drama conjugal; ora como um trailer psicológico a encher de gozo qualquer psicanalista, até porque Von Trier coloca em questão a chamada psicoterapia cognitiva como uma alternativa menos profunda que a psicanálise, mas útil para resolver alguns tipos de problemas, medos e traumas; ora um filme de terror muito singular; ora como uma tragédia que se desenrola em contínuas e inevitáveis desgraças, sem perder as graças líricas que compõem as entrelinhas de seu roteiro, nem deixando de se apresentar como uma fábula singular e assombrosa, como em um dos momentos do filme em que uma raposa, eviscerada após um momento de auto-canibalismo, toma a tela para falar: "o Caos reina!". A cena, que deveria, de certo modo, parecer risível é de um desconforto puro e irrestrito, como a pornográfica exposição de seus atores e das emoções que estes, a todo custo, tentam arrancar desta subjetividade explícita que somente Lars Von Trier poderia criar.
Seja qual for o tipo de definição que se queira dar a Anticristo, ela sempre estará um passo atrás daquilo que este filme nos expõe na prática, pois, sobre certos pontos de vista, Von Trier consegue realizar o que parecia irrealizável, um torture-porn psicológico de arte, o que, ao mesmo tempo, parece ser a única forma possível de se mostrar tamanho hermetismo artístico. Anticristo é um filme ao mesmo tempo belo e cruel... deliciosamente belo e cruel.
Vejam o treiler do Filme: http://www.youtube.com/watch?v=Tm2A15GCs14