Tia Nastácia, de uma edição de 1974, de Reinações de Narizinho. Fonte:
http://wp.clicrbs.com.br/aprendizdechef/as-travessuras-culinarias-da-tia-nastacia/ |
ao
amigo José Renato Lima
Sou
reacionário. Minha reação é contra tudo que não presta...
NELSON
RODRIGUES
Embora muitos
descordem, existem o bem e o mal, o certo e o errado; e, para
tudo isso, há, e deve, realmente, haver um limite, inclusive para a burrice. Os
vigilantes da correção étnica, e outros membros das patrulhas ideológicas que
aparelham o governo na última década, pelo que me parecem, não pensam assim, e
continuam fazendo da burrice uma coisa tão infinita quanto o próprio universo
que nos rodeia.
Num dos melhores
exemplos de uma política educacional para idiotas promovida por nosso governo,
ou, simplesmente, uma grande falta do que fazer, e do uso da máquina e do dinheiro
público para coisa nenhuma, os vigilantes do vocabulário racialmente correto, a
ocupar um cargo de técnico em gestão educacional, em nosso “Ministério da
Deseducação”, empenham-se em ler obras consagradas de muitos de nossos grandes
autores, com o único intuito de, ali, encontrar algum sinal de racismo,
homofobia, machismo exacerbado ou qualquer outra forma de preconceito –
inclusive o dito “preconceito linguístico”, que nada mais é do que um termo
aparentemente técnico para se desculpar as mais diferentes formas de
inabilidade e escassez de conhecimento gramatical – com o intuito de
censurá-las e transformá-las em exemplo de uma política torpe e ditatorial,
cujo único objetivo é a dominação irrestrita das mentes despreparadas e
facilmente enganáveis, mas com a desculpa de se compromissar com a defesa da
mais ampla liberdade de produção e circulação de ideias.
O pior é que esse
tipo de coisa não acontece em uma ditadura comunista clássica, como a da antiga
U.R.S.S. de Stalin ou da “ilha da fantasia” dos Castro, mas numa outra forma de
ditadura: a que usa a própria democracia para oficializar a perseguição, a
restrição e o domínio de várias formas de liberdade e inteligência e que vem se
tornando uma realidade e uma prática comum, na Venezuela de Chaves, na
Argentina dos Kirchner, e no Brasil do PT.
Exagero...?
Então, leitor de
pequena memória, recorde o que aconteceu, há mais ou menos dois anos, com o
pobre autor do antológico Sítio do
Pica-pau Amarelo: um desses vigilantes do vocabulário racialmente correto
sentiu uma coceirinha em seus “órgãos censores”, ao saber que o livro, Caçadas de Pedrinho, de nosso grande
Monteiro Lobato, é leitura recomendada em muitas escolas brasileiras. E, assim
que descobre que, no dito livro, Tia Anastácia, preta velha do Sítio, em algum momento, para fugir de
um ataque de onças, sobe em um mastro – como “uma macaca de carvão” –,
imediatamente, tem um acinte, e, insultado em seu mais profundo “senso de
justiça”, denuncia o livro, e seu
autor, morto há mais de 60 anos, à Secretaria de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial (a mesma que impõe, como função que possui, cotas
discriminatórias às universidades e aos serviços públicos), e pronto: Caçadas de Pedrinho, livro lido há
décadas por várias e várias gerações de crianças bem educadas de nosso país,
desde sua publicação, em 1927, torna-se um ícone do racismo e do desrespeito às
diversidades racial e cultural do Brasil. A Secretaria de Cotas, não perde
tempo, encaminha o livro ao Conselho Nacional de Educação – repito, Conselho
Nacional de Educação –, que, logo, com o clamor típico dos indignados e dos
sedentos por justiça, pediu a exclusão – isso mesmo, a exclusão – do livro do
Programa Nacional de Bibliotecas Escolares, que, evidentemente, distribuía
coleções de Monteiro Lobato, simplesmente o maior autor infantil da história de
nosso país, num ato de censura digno das piores ditaduras... Lembraram?!
Não fosse a
denuncia de muitos professores cheios de bom senso, e da imprensa que
escandalizara, a obra, por recomendação dos próprios órgãos de apoio do
Ministério da Educação, seria, na época, banida das escolas, sobre a desculpa –
imaginem – de se estar “fazendo o melhor” para a população, livrando-a de uma
obra racista e sem nenhuma contribuição para a educação e para a formação do
bom caráter dos estudantes de todo o Brasil, numa prova inquestionável do
quanto que as piores formas de patrulhamento ideológico estão – desde a gestão
de Fernando Haddad, ex-Ministro da Educação, e uma das figuras mais ineptas a
ocupar a liderança de tal órgão –, no Estado brasileiro, institucionalizadas.
O acontecido
ocorreu, como disse, há cerca de dois anos, mas os higienizadores da linguagem,
os falseadores da história nacional e os purgadores de nossa cultura, ainda
ocupam cadeiras no governo e promovem os mais absurdos tipos de perseguição e
censura. Até o nosso pai da Axé Music, Luís Caldas, foi, não faz muito, acusado
de racismos e obrigado a pagar multa por cantar, em um show, pasmem, aqui, na
Bahia, os versos de seu maior sucesso, a música Deboche, ou, mais necessariamente, os impagáveis: “Nega do cabelo duro, que não gosta de
pentear...” (Veja o jornal Correio da
Bahia, de 21 de dezembro de 2011) . Eu não duvidaria, caro leitor, que, um
dia, esses arautos do racialmente correto, pedissem indenização à família do
também já morto Ary Barroso, por causa de sua inesquecível Boneca de Pinche. Até mesmo o cantor Alexandre Pires, que é
afro-brasileiro, foi acusado de racismo contra os de sua cor, por colocar, em
um clipe de uma de suas músicas (uma porcaria do mais profundo mau gosto,
verdade seja dita), homens vestidos de macacos, atrás de mulheres seminuas
(Veja o jornal Gazeta OnLine, de 26
de abril de 2012). Neste caso, em particular, eu até poderia dizer: “eles são pretos que se entendam”... Mas não,
pois isso só demonstra, mais uma vez, o quanto que esses vigilantes do racismo
são perigosos, desorientados e cada vez mais mal intencionados.
Voltemos ao Caçadas de Pedrinho:
ao longo do livro, os personagens de cor branca, como seu próprio protagonista,
quando sobem nas árvores, pelo mesmíssimo motivo do de Tia Anastácia, também
são comparados a macacos – e muito mais vezes –, mas este facto em nada parece despertar os burocratas do racismo de suas
paranóias, bem como de suas mistificações, pelo contrário, aproveitam a
hipersensibilidade hipócrita de nossa sociedade atual, tão corroída pelo
politicamente correto, para acusar a obra de Lobato como algo que traz, segundo
eles, representações negativas à cultura brasileira. Na cabeça destes idiotas,
o homem que tirou as crianças brasileiras da mesmice das péssimas traduções e
adaptações dos Irmãos Grimm, que as apresentou ao folclore brasileiro e que
colocou a nossa Cuca, o Saci Pererê e o Curupira no mesmo patamar de dignidade
mítica do Minotauro e da Medusa, que nos deu, além do Sítio do Pica-pau Amarelo
e todo o seu universo fantástico, uma das maiores e mais consistentes obras de
nossa literatura, é um “inimigo do bem público e da inteligência nacional”.
Mas,
o que Lobato quer com Tia Anastácia? Nada além de demonstrar, com ela, uma
realidade de sua cultura e, principalmente, de seu tempo: o da “preta velha”
típica, um elemento que, segundo Gilberto Freyre (pensador muito odiado pela nossa esquerda, diga-se), é indissociável da
propriedade rural brasileira. Em sua representação, bem como em toda a obra de
Lobato, não há nenhuma linha de racismo, nenhum traço de ódio racial, nem a
sugestão, como era ainda muito comum em sua época, de que qualquer outra etnia
seja constitutivamente inferior. Quem duvidar disso, procure ver o que Lobato
fez por Lima Barreto, um dos autores mais discriminados por causa de sua origem
e cor em toda a história de nossa Literatura.
Então, a pergunta
é: o que queriam os membros do Conselho Nacional de Educação e suas atalaias do
racismo? O mesmo que querem hoje: a afirmação de estereótipos diferentes
àqueles combatidos por eles, a afirmação de histórias que valorizem a cultura
popular e a figura do negro impávido, impoluto, inexorável, indelével e
perfeito, mesmo que passando por cima da realidade, do bem-comum e da própria
história político-cultural de nosso país, mesmo que, para combater uma suposta,
e quase sempre fantasiosa, ditadura contra o negro, impor uma real e perversa
ditadura contra a cultura de modo geral. Quantas coisas seriam proibidas e
imaculadas se este tipo de pensamento prevalecer: Aristóteles, por causa de sua
Ética, seria acusado de machista e
elitista; Shakespeare, por causa seu O
mercador de Veneza, de antissemita; Herman Melville, com Moby Dick,
um apologista da indústria baleeira, entre outros despautérios. Fico só
imaginando os chiliques que as sentinelas do antirracismo, com toda razão,
teriam ao ler certas “pérolas” de nossa literatura, como este trecho de As Vítimas Algozes, de nosso glorioso
Joaquim Manuel de Macedo:
O escravo
africano é o rei do feitiço. Ele o trouxe para o Brasil como o levou para
quantas colônias o mandaram comprar, apanhar, surpreender, caçar em seus
bosques e em suas aldeias selvagens da pátria. Nessa importação inqualificável
e forçada do homem, a prepotência do importador que vendeu e do comprador que
tomou e pagou o escravo, pôde pela força que não é direito, reduzir o homem a
cousa, a objeto material de propriedade, a instrumento de trabalho; mas não
pôde separar do homem importado os costumes, as crenças absurdas, as ideias
falsas de uma religião extravagante, rudemente supersticiosa, e eivada de
ridículos e estúpidos prejuízos. Nunca houve comprador de africano importado,
que pensasse um momento sobre a alma do escravo: comprara-lhe os braços, o
corpo para o trabalho; esquecera-lhe a alma; também se estivesse
conscienciosamente lembrado, não compraria o homem, seu irmão diante de Deus.
Mas o africano vendido, escravo pelo corpo, livre sempre pela alma, de que não
se cuidou, que não se esclareceu, em que não se fez acender a luz da religião
única verdadeira, conservou puros e ilesos os costumes, seus erros, seus
prejuízos selvagens, e inoculou-os todos na terra da proscrição e do cativeiro.
O gérmen lançado superabundante no solo desenvolveu-se, a planta cresceu,
floresceu, e frutificou: os frutos foram quase todos venenosos. Um corrompeu a
língua falada pelos senhores. Outro corrompeu os costumes e abriu fontes de
desmoralização. Ainda outro corrompeu as santas crenças religiosas do povo,
introduzindo nelas ilusões infantis, ideias absurdas e terrores quiméricos. E
entre estes (para não falar de muitos mais) fundou e propagou a alucinação do
feitiço com todas as suas consequências muitas vezes desastrosas. E assim o
negro d’África, reduzido à ignomínia da escravidão, malfez logo e naturalmente
a sociedade opressora, viciando-a, aviltando-a e pondo-a também um pouco
assalvajada, como ele. O negro d’África africanizou quanto pôde e quanto era
possível todas as colônias e todos os países, onde a força o arrastou condenado
aos horrores da escravidão. No Brasil a gente livre mais rude nega, como o faz
a civilizada, a mão e o tratamento fraternal ao escravo; mas adotou e conserva
as fantasias pavorosas, as superstições dos míseros africanos, entre os quais
avulta por mais perigosa e nociva a crença do feitiço. (MACEDO,
Joaquim Manuel de A. As vítimas-algozes:
quadros da escravidão. 4 ed. São Paulo: Zouk, 2005. p. 59.)
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Não
faz muito tempo, um linguista, afro-americano, da Universidade de Colúmbia,
chamado Jonh McWhorter, no site The Root,
que os estúdios de animação reeditassem filmes e animações dos anos 30 e 40,
como Little Black Sambo, que, por
representar claros estereótipos racistas, foram banidos de qualquer forma de
exibição. Para McWhorter, tais produções fazem parte da história e não são
menos preconceituosas do que muitos estereótipos que se podem ver nos clipes de
rap (as feministas que o digam), até
porque, proibir tais produções de serem exibidas seria, no mínimo, um atestado
de “fraqueza por parte dos negros”, por exemplo.
Exigir uma
atitude madura e inteligente, como a de Jonh McWhorter, por parte de nossos
paladinos da educação e das nossas políticas antirracistas seria pedir
muitíssimo. Além do mais, no que concerne todo aquele cerco a Monteiro, bem
como todos os que são feitos em nome da justiça racial e da igualdade étnica em
nosso Brasil varonil, há bem mais que uma suposta fraqueza, há uma perversidade
muito própria da política estatal quando essa se aparelha de um política
ideológica sem freios ou cabimentos, política essa que é usada pelo PT desde o
primeiro mandato de Lula até hoje, advogada principalmente, e por muito tempo,
pelo ex-Ministro Haddad, defensor, entre tantos despautérios, de erros de
português promovidos – lembre-se, caro leitor – por livros distribuídos pelo
próprio Ministério da Educação (Veja Portal
R7, de 31 de maio de 2011). Neste ano, a Bahia foi testemunha de outro
exemplo da política educacional desastrosa do PT, quando o governador Jaques
Wagner, por puro capricho e desobediência à Presidente do Brasil, de seu
próprio partido, aliás, se excluiu de pagar um mísero aumento salarial
decretado por lei federal, permitindo que uma greve de professores durasse mais
de 100 dias, acarretando em um prejuízo irreparável para milhões de estudantes
de todo o Estado e, “de quebra”, seu candidato à prefeitura, aqui, de Feira de
Santana, diz ter propostas educacionais para uma “Feira Cidadã”... Depois o
Rafinha Bastos é que é processado por fazer piada de mau gosto.
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Fazendo jus a uma
ironia sagaz e inteligente, da qual Monteiro Lobato foi um dos maiores, Caçadas de Pedrinho inclui uma sátira
típica à estupidez governamental, representada pelo nada esdrúxulo DNCR
(Departamento Nacional de Caça ao Rinoceronte), que se mobiliza dia e noite
para não capturar o dito bicho, pois tamanho feito acarretaria na extinção do
Órgão e no desemprego de seus encostados – Ops!, quero dizer: fun-cio-ná-rios.
Empenhados em inflar as políticas públicas de segregação, disfarçadas de
igualitarismos, como o Sistema de Cotas, os membros da Secretaria de Igualdade
Racial e do Conselho Nacional de Educação são como esses competentes técnicos
do famigerado DNCR e, dois anos depois do “incidente” com o nome de Monteiro
Lobato, bem como toda política educacional que o dito Partido dos Mensaleiros
se empenha em impor em nosso país, ainda continua a perseguir fantasmas de
racismo, ou, de modo geral, rinocerontes
em nossas doces e velhas terras tupiniquins.
Candeias, 7 de agosto de 2012.
Um comentário:
Silvério,
Seu texto não poderia ter clareza maior. Imposturas como essa tendem a aumentar na mesma proporção que as raras vozes em prol da cultura brasileira são caladas; caladas não por argumentos, mas pela pura e simples grita simiesca da militância politicamente correta. O professor Olavo de Carvalho já observou em artigo recente ("Longa Noite") que a amputação do vocabulário corrente, com o intuito de evitar os achaques dessa gente maravilhosa, destruiu a inteligência brasileira ao ponto de em algumas décadas a alta literatura sumir.
Hoje não é difícil perceber que os autores celebrados na nossa cena pseudo-literária amam o esdrúxulo, o feio, o bizarro e constroem obras marcadas pela mais perfeita incomunicabilidade. Estranhos produtos inumanos cuidadosamente planejados. Aqui o "amante apaixonado do belo estilo se expõe ao ódio das multidões".
O conselho do bardo inglês "Scorn not the sonnet", poderia ser modificado para nós: "Scorn not the beauty", "scorn not the meaning".
Mais evidente nos apareceu o efeito destrutivo desse patrulhamento quando tivemos a notícia, alguns meses atrás, de que uma ONG italiana quer banir a Divina Comédia do Sumo Poeta, Dante Alighieri, das escolas, sob a acusação de anti-islamismo, anti-semitismo, homofobia e racismo.
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