sexta-feira, 14 de setembro de 2012

BREVES RECORDAÇÕES DE UMA POLÍTICA EDUCACIONAL PARA IDIOTAS: ou CAÇADORES DE RINOCERONTES DO PT

Tia Nastácia, de uma edição de 1974, de Reinações de Narizinho. Fonte: 
http://wp.clicrbs.com.br/aprendizdechef/as-travessuras-culinarias-da-tia-nastacia/




ao amigo José Renato Lima

Sou reacionário. Minha reação é contra tudo que não presta...
NELSON RODRIGUES




Embora muitos descordem, existem o bem e o mal, o certo e o errado; e, para tudo isso, há, e deve, realmente, haver um limite, inclusive para a burrice. Os vigilantes da correção étnica, e outros membros das patrulhas ideológicas que aparelham o governo na última década, pelo que me parecem, não pensam assim, e continuam fazendo da burrice uma coisa tão infinita quanto o próprio universo que nos rodeia.

Num dos melhores exemplos de uma política educacional para idiotas promovida por nosso governo, ou, simplesmente, uma grande falta do que fazer, e do uso da máquina e do dinheiro público para coisa nenhuma, os vigilantes do vocabulário racialmente correto, a ocupar um cargo de técnico em gestão educacional, em nosso “Ministério da Deseducação”, empenham-se em ler obras consagradas de muitos de nossos grandes autores, com o único intuito de, ali, encontrar algum sinal de racismo, homofobia, machismo exacerbado ou qualquer outra forma de preconceito – inclusive o dito “preconceito linguístico”, que nada mais é do que um termo aparentemente técnico para se desculpar as mais diferentes formas de inabilidade e escassez de conhecimento gramatical – com o intuito de censurá-las e transformá-las em exemplo de uma política torpe e ditatorial, cujo único objetivo é a dominação irrestrita das mentes despreparadas e facilmente enganáveis, mas com a desculpa de se compromissar com a defesa da mais ampla liberdade de produção e circulação de ideias.

O pior é que esse tipo de coisa não acontece em uma ditadura comunista clássica, como a da antiga U.R.S.S. de Stalin ou da “ilha da fantasia” dos Castro, mas numa outra forma de ditadura: a que usa a própria democracia para oficializar a perseguição, a restrição e o domínio de várias formas de liberdade e inteligência e que vem se tornando uma realidade e uma prática comum, na Venezuela de Chaves, na Argentina dos Kirchner, e no Brasil do PT.

Exagero...?

Então, leitor de pequena memória, recorde o que aconteceu, há mais ou menos dois anos, com o pobre autor do antológico Sítio do Pica-pau Amarelo: um desses vigilantes do vocabulário racialmente correto sentiu uma coceirinha em seus “órgãos censores”, ao saber que o livro, Caçadas de Pedrinho, de nosso grande Monteiro Lobato, é leitura recomendada em muitas escolas brasileiras. E, assim que descobre que, no dito livro, Tia Anastácia, preta velha do Sítio, em algum momento, para fugir de um ataque de onças, sobe em um mastro – como “uma macaca de carvão” –, imediatamente, tem um acinte, e, insultado em seu mais profundo “senso de justiça”, denuncia o livro, e seu autor, morto há mais de 60 anos, à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (a mesma que impõe, como função que possui, cotas discriminatórias às universidades e aos serviços públicos), e pronto: Caçadas de Pedrinho, livro lido há décadas por várias e várias gerações de crianças bem educadas de nosso país, desde sua publicação, em 1927, torna-se um ícone do racismo e do desrespeito às diversidades racial e cultural do Brasil. A Secretaria de Cotas, não perde tempo, encaminha o livro ao Conselho Nacional de Educação – repito, Conselho Nacional de Educação –, que, logo, com o clamor típico dos indignados e dos sedentos por justiça, pediu a exclusão – isso mesmo, a exclusão – do livro do Programa Nacional de Bibliotecas Escolares, que, evidentemente, distribuía coleções de Monteiro Lobato, simplesmente o maior autor infantil da história de nosso país, num ato de censura digno das piores ditaduras... Lembraram?!

Não fosse a denuncia de muitos professores cheios de bom senso, e da imprensa que escandalizara, a obra, por recomendação dos próprios órgãos de apoio do Ministério da Educação, seria, na época, banida das escolas, sobre a desculpa – imaginem – de se estar “fazendo o melhor” para a população, livrando-a de uma obra racista e sem nenhuma contribuição para a educação e para a formação do bom caráter dos estudantes de todo o Brasil, numa prova inquestionável do quanto que as piores formas de patrulhamento ideológico estão – desde a gestão de Fernando Haddad, ex-Ministro da Educação, e uma das figuras mais ineptas a ocupar a liderança de tal órgão –, no Estado brasileiro, institucionalizadas.

O acontecido ocorreu, como disse, há cerca de dois anos, mas os higienizadores da linguagem, os falseadores da história nacional e os purgadores de nossa cultura, ainda ocupam cadeiras no governo e promovem os mais absurdos tipos de perseguição e censura. Até o nosso pai da Axé Music, Luís Caldas, foi, não faz muito, acusado de racismos e obrigado a pagar multa por cantar, em um show, pasmem, aqui, na Bahia, os versos de seu maior sucesso, a música Deboche, ou, mais necessariamente, os impagáveis: “Nega do cabelo duro, que não gosta de pentear...” (Veja o jornal Correio da Bahia, de 21 de dezembro de 2011) . Eu não duvidaria, caro leitor, que, um dia, esses arautos do racialmente correto, pedissem indenização à família do também já morto Ary Barroso, por causa de sua inesquecível Boneca de Pinche. Até mesmo o cantor Alexandre Pires, que é afro-brasileiro, foi acusado de racismo contra os de sua cor, por colocar, em um clipe de uma de suas músicas (uma porcaria do mais profundo mau gosto, verdade seja dita), homens vestidos de macacos, atrás de mulheres seminuas (Veja o jornal Gazeta OnLine, de 26 de abril de 2012). Neste caso, em particular, eu até poderia dizer: “eles são pretos que se entendam”... Mas não, pois isso só demonstra, mais uma vez, o quanto que esses vigilantes do racismo são perigosos, desorientados e cada vez mais mal intencionados.

           Voltemos ao Caçadas de Pedrinho: ao longo do livro, os personagens de cor branca, como seu próprio protagonista, quando sobem nas árvores, pelo mesmíssimo motivo do de Tia Anastácia, também são comparados a macacos – e muito mais vezes –, mas este facto em nada parece despertar os burocratas do racismo de suas paranóias, bem como de suas mistificações, pelo contrário, aproveitam a hipersensibilidade hipócrita de nossa sociedade atual, tão corroída pelo politicamente correto, para acusar a obra de Lobato como algo que traz, segundo eles, representações negativas à cultura brasileira. Na cabeça destes idiotas, o homem que tirou as crianças brasileiras da mesmice das péssimas traduções e adaptações dos Irmãos Grimm, que as apresentou ao folclore brasileiro e que colocou a nossa Cuca, o Saci Pererê e o Curupira no mesmo patamar de dignidade mítica do Minotauro e da Medusa, que nos deu, além do Sítio do Pica-pau Amarelo e todo o seu universo fantástico, uma das maiores e mais consistentes obras de nossa literatura, é um “inimigo do bem público e da inteligência nacional”.

         Mas, o que Lobato quer com Tia Anastácia? Nada além de demonstrar, com ela, uma realidade de sua cultura e, principalmente, de seu tempo: o da “preta velha” típica, um elemento que, segundo Gilberto Freyre (pensador muito odiado pela nossa esquerda, diga-se), é indissociável da propriedade rural brasileira. Em sua representação, bem como em toda a obra de Lobato, não há nenhuma linha de racismo, nenhum traço de ódio racial, nem a sugestão, como era ainda muito comum em sua época, de que qualquer outra etnia seja constitutivamente inferior. Quem duvidar disso, procure ver o que Lobato fez por Lima Barreto, um dos autores mais discriminados por causa de sua origem e cor em toda a história de nossa Literatura.

Então, a pergunta é: o que queriam os membros do Conselho Nacional de Educação e suas atalaias do racismo? O mesmo que querem hoje: a afirmação de estereótipos diferentes àqueles combatidos por eles, a afirmação de histórias que valorizem a cultura popular e a figura do negro impávido, impoluto, inexorável, indelével e perfeito, mesmo que passando por cima da realidade, do bem-comum e da própria história político-cultural de nosso país, mesmo que, para combater uma suposta, e quase sempre fantasiosa, ditadura contra o negro, impor uma real e perversa ditadura contra a cultura de modo geral. Quantas coisas seriam proibidas e imaculadas se este tipo de pensamento prevalecer: Aristóteles, por causa de sua Ética, seria acusado de machista e elitista; Shakespeare, por causa seu O mercador de Veneza, de antissemita; Herman Melville, com Moby Dick, um apologista da indústria baleeira, entre outros despautérios. Fico só imaginando os chiliques que as sentinelas do antirracismo, com toda razão, teriam ao ler certas “pérolas” de nossa literatura, como este trecho de As Vítimas Algozes, de nosso glorioso Joaquim Manuel de Macedo:

O escravo africano é o rei do feitiço. Ele o trouxe para o Brasil como o levou para quantas colônias o mandaram comprar, apanhar, surpreender, caçar em seus bosques e em suas aldeias selvagens da pátria. Nessa importação inqualificável e forçada do homem, a prepotência do importador que vendeu e do comprador que tomou e pagou o escravo, pôde pela força que não é direito, reduzir o homem a cousa, a objeto material de propriedade, a instrumento de trabalho; mas não pôde separar do homem importado os costumes, as crenças absurdas, as ideias falsas de uma religião extravagante, rudemente supersticiosa, e eivada de ridículos e estúpidos prejuízos. Nunca houve comprador de africano importado, que pensasse um momento sobre a alma do escravo: comprara-lhe os braços, o corpo para o trabalho; esquecera-lhe a alma; também se estivesse conscienciosamente lembrado, não compraria o homem, seu irmão diante de Deus. Mas o africano vendido, escravo pelo corpo, livre sempre pela alma, de que não se cuidou, que não se esclareceu, em que não se fez acender a luz da religião única verdadeira, conservou puros e ilesos os costumes, seus erros, seus prejuízos selvagens, e inoculou-os todos na terra da proscrição e do cativeiro. O gérmen lançado superabundante no solo desenvolveu-se, a planta cresceu, floresceu, e frutificou: os frutos foram quase todos venenosos. Um corrompeu a língua falada pelos senhores. Outro corrompeu os costumes e abriu fontes de desmoralização. Ainda outro corrompeu as santas crenças religiosas do povo, introduzindo nelas ilusões infantis, ideias absurdas e terrores quiméricos. E entre estes (para não falar de muitos mais) fundou e propagou a alucinação do feitiço com todas as suas consequências muitas vezes desastrosas. E assim o negro d’África, reduzido à ignomínia da escravidão, malfez logo e naturalmente a sociedade opressora, viciando-a, aviltando-a e pondo-a também um pouco assalvajada, como ele. O negro d’África africanizou quanto pôde e quanto era possível todas as colônias e todos os países, onde a força o arrastou condenado aos horrores da escravidão. No Brasil a gente livre mais rude nega, como o faz a civilizada, a mão e o tratamento fraternal ao escravo; mas adotou e conserva as fantasias pavorosas, as superstições dos míseros africanos, entre os quais avulta por mais perigosa e nociva a crença do feitiço. (MACEDO, Joaquim Manuel de A. As vítimas-algozes: quadros da escravidão. 4 ed. São Paulo: Zouk, 2005. p. 59.)


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         Não faz muito tempo, um linguista, afro-americano, da Universidade de Colúmbia, chamado Jonh McWhorter, no site The Root, que os estúdios de animação reeditassem filmes e animações dos anos 30 e 40, como Little Black Sambo, que, por representar claros estereótipos racistas, foram banidos de qualquer forma de exibição. Para McWhorter, tais produções fazem parte da história e não são menos preconceituosas do que muitos estereótipos que se podem ver nos clipes de rap (as feministas que o digam), até porque, proibir tais produções de serem exibidas seria, no mínimo, um atestado de “fraqueza por parte dos negros”, por exemplo.

Exigir uma atitude madura e inteligente, como a de Jonh McWhorter, por parte de nossos paladinos da educação e das nossas políticas antirracistas seria pedir muitíssimo. Além do mais, no que concerne todo aquele cerco a Monteiro, bem como todos os que são feitos em nome da justiça racial e da igualdade étnica em nosso Brasil varonil, há bem mais que uma suposta fraqueza, há uma perversidade muito própria da política estatal quando essa se aparelha de um política ideológica sem freios ou cabimentos, política essa que é usada pelo PT desde o primeiro mandato de Lula até hoje, advogada principalmente, e por muito tempo, pelo ex-Ministro Haddad, defensor, entre tantos despautérios, de erros de português promovidos – lembre-se, caro leitor – por livros distribuídos pelo próprio Ministério da Educação (Veja Portal R7, de 31 de maio de 2011). Neste ano, a Bahia foi testemunha de outro exemplo da política educacional desastrosa do PT, quando o governador Jaques Wagner, por puro capricho e desobediência à Presidente do Brasil, de seu próprio partido, aliás, se excluiu de pagar um mísero aumento salarial decretado por lei federal, permitindo que uma greve de professores durasse mais de 100 dias, acarretando em um prejuízo irreparável para milhões de estudantes de todo o Estado e, “de quebra”, seu candidato à prefeitura, aqui, de Feira de Santana, diz ter propostas educacionais para uma “Feira Cidadã”... Depois o Rafinha Bastos é que é processado por fazer piada de mau gosto. 


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Fazendo jus a uma ironia sagaz e inteligente, da qual Monteiro Lobato foi um dos maiores, Caçadas de Pedrinho inclui uma sátira típica à estupidez governamental, representada pelo nada esdrúxulo DNCR (Departamento Nacional de Caça ao Rinoceronte), que se mobiliza dia e noite para não capturar o dito bicho, pois tamanho feito acarretaria na extinção do Órgão e no desemprego de seus encostados – Ops!, quero dizer: fun-cio-ná-rios. Empenhados em inflar as políticas públicas de segregação, disfarçadas de igualitarismos, como o Sistema de Cotas, os membros da Secretaria de Igualdade Racial e do Conselho Nacional de Educação são como esses competentes técnicos do famigerado DNCR e, dois anos depois do “incidente” com o nome de Monteiro Lobato, bem como toda política educacional que o dito Partido dos Mensaleiros se empenha em impor em nosso país, ainda continua a perseguir fantasmas de racismo, ou, de modo geral, rinocerontes em nossas doces e velhas terras tupiniquins.









Candeias, 7 de agosto de 2012.

Um comentário:

José Renato Lima disse...

Silvério,

Seu texto não poderia ter clareza maior. Imposturas como essa tendem a aumentar na mesma proporção que as raras vozes em prol da cultura brasileira são caladas; caladas não por argumentos, mas pela pura e simples grita simiesca da militância politicamente correta. O professor Olavo de Carvalho já observou em artigo recente ("Longa Noite") que a amputação do vocabulário corrente, com o intuito de evitar os achaques dessa gente maravilhosa, destruiu a inteligência brasileira ao ponto de em algumas décadas a alta literatura sumir.

Hoje não é difícil perceber que os autores celebrados na nossa cena pseudo-literária amam o esdrúxulo, o feio, o bizarro e constroem obras marcadas pela mais perfeita incomunicabilidade. Estranhos produtos inumanos cuidadosamente planejados. Aqui o "amante apaixonado do belo estilo se expõe ao ódio das multidões".

O conselho do bardo inglês "Scorn not the sonnet", poderia ser modificado para nós: "Scorn not the beauty", "scorn not the meaning".

Mais evidente nos apareceu o efeito destrutivo desse patrulhamento quando tivemos a notícia, alguns meses atrás, de que uma ONG italiana quer banir a Divina Comédia do Sumo Poeta, Dante Alighieri, das escolas, sob a acusação de anti-islamismo, anti-semitismo, homofobia e racismo.