Sin lástima y sin ira el tiempo mella
las heroicas espadas. Pobre y triste
a tu patria nostálgica volviste,
oh capitán, para morir en ella
y con ella...
las heroicas espadas. Pobre y triste
a tu patria nostálgica volviste,
oh capitán, para morir en ella
y con ella...
JORGE LUÍS BORGES
Gustavo
Felicíssimo é um articulador. E possui um trabalho de divulgação das novas
gerações da poesia baiana e brasileira de altíssima qualidade; reiterando estes
ofícios ao publicar textos de vários poetas que nos aparecem tão grandes e
reveladores quanto nos dá o seu olhar de quem admira a poesia pelo que ela pode
nos oferecer de melhor e mais elementar. Não obstante, é do poeta que quero
falar. E, mais especificamente, dos versos que compõem seu mais novo livro: Procura e outros poemas.
Estes
textos agregam – como haveria de ser num trabalho como este – uma grande
diversidade temática e rigor formal, todavia, destacam-se, principalmente, pela
seriedade dos temas, pela busca de uma poesia pura e por estabelecer um diálogo com quase todas as tendências
poéticas, sem se perder, evidentemente, dos alicerces mais fundamentais de
nossa literatura.
Se todo
livro é fruto de dois caminhos, a
saber: o da coragem e o da vaidade excessiva de seu autor, em tudo
este livro de Gustavo Felicíssimo é desafiador; um livro de quem não teme
desfraldar suas influências (como se vê na primeira parte deste livro, na Elegia para Alberto da Cunha Melo e em
todos os versos de Sereníssimo, principalmente),
de mergulhar no lirismo responsável, (o que se evidencia na segunda parte, mais
necessariamente no poema que intitula este livro), ou no autobiografismo
consciente (presente nos poemas dedicados à Flora).
Todavia,
este livro chama a atenção, conseqüentemente, pela propriedade com que seu
autor se utiliza da forma, e, nisso,
acaba por resumir e reencontrar todos
os outros atos de coragem em que este livro empreende.
Primeiro
porque a forma sempre
pareceu, aos olhos ineptos, como um grande problema para quem nutria alguma
pretensão poética, por mais que o uso da forma
dia menos dia tornar-se-á condição natural do fazer poético e fruto direto do
amadurecimento de qualquer autor – se isso não acontece, é porque, como a
qualquer fruto que se nos mostra cheio de promessas, pode, de repente,
“pecar”... E alguns poemas pecam bastante.
Segundo,
porque Gustavo não se contenta com as formas fixas mais típicas, como a do Soneto, por exemplo – o que já seria
desafio por demais; arvora-se, entretanto, no cultivo de uma forma fixa mais
nova, a Retranca, encontrando soluções bem inventivas para algo não menos
inventiva como é a forma fixa criada por Alberto da Cunha Melo, e é aí que o poeta tanto
homenageia como nos mostra suas influências mais diretas, e é a do poeta pernambucano,
obviamente, que pode ser mais percebida, desde a epígrafe deste livro, passando
por temas de semelhante envergadura, e desaguando na escolha da forma a que tudo isso parece se
amalgamar, e, por mais que muitos vejam tal atitude como um problema, Gustavo Felicíssimo
faz de tal gesto uma incrível personificação dos processos mais comuns
existentes do fazer poético, pois não
é de teorias ou críticas que se influenciarão, verdadeiramente, um futuro poeta:
é outro poeta que o faz; e a receptividade da
influência de Alberto da Cunha Melo na obra de Gustavo Felicíssimo revela-se
bastante sincera, direta, e, valendo-se da voz do poeta pernambucano, Felicíssimo
acaba por encontrar a sua própria voz, como podemos ver em Elegia para Alberto da Cunha Melo:
...sentimos sede porque a realidade é crua
e terríveis os seus desdobramentos,
tão terríveis quanto a razão que contraria a fé,
a vida envolvida em mistérios
e essa vertigem que me oferece este poema.
Ah, como é triste a condição humana!
Como é triste o horizonte que nos margeia.
Contudo, não será capaz o crepúsculo de evitar o
gênio,
por isso essa Elegia no ventre da noite,
esse copo de chope, o linguajar vulgar.
Por isso, Alberto, os seus poemas insistem.
Neles me reconheço e me edifico,
uma vez que o tempo gasto
com inúteis procelas não nos alimenta,
pois em essência somos feitos de suavidade e
compaixão...
Ao optar por uma poesia formal, Gustavo Felicíssimo não busca nada além da elaboração interior do poema composta pelas idéias nela contidas, coisa a que estão destinados todos os poemas, ou, pelo menos, os bons poemas. Gustavo sabe que forma é assimilação de idéia; compor diretamente nela é o melhor exemplo que alguém possa ter da incorporação desta idéia ao seu resultado final, enquanto arte. Gustavo Felicíssimo nos deixa bem claro que a sua pretensão poética não almeja menos que as grandes composições, as quais só os poetas afeitos tanto à composição quanto à depuração podem realizar. Mas a forma, por sua vez, não trabalha em causa própria, ela, por sua vez, realiza a idéia presente no poema, apropriando-a à rima, à métrica e ao ritmo, como afirmara, certa vez, T.S. Eliot. Pensar que um soneto, por exemplo, são simplórios catorze versos, distribuídos entre estrofes, em um sistema de ritmos e rimas, é puro e irresponsável desmerecimento. Antes, devemos olhar para um soneto muito mais por seu caráter dissertativo, racional e objetivo; caráter, aliás, presente em todas as artes, ao menos, é claro, que alguém acredite que a arte não é uma concepção exclusiva da humanidade.
Desta
maneira, fica fácil perceber o quanto que a forma
é muito mais a realização de um conteúdo
apropriado à rima ou ao ritmo do que o contrário; percebe-se, assim, que, para
um Camões, a forma, mais do
que uma imposição estilística de sua época, é a única maneira pela qual sua
poesia poderia se realizar, ao contrário da dos Românticos que, tomados de um
sentimentalismo desenfreado e, muitas vezes, urgente pouco utilizam do soneto,
porque seus emotivos frenéticos e alucinados não poderiam resultar em algo que
advém, justamente, do racional e do amadurecimento paciente. Isso, porém, não
impede que ninguém faça um soneto; já a qualidade deste soneto... Gustavo não
escolhe o soneto, contudo, ao optar pela formalização de seu trabalho (seja ela
qual for) todas estas elucidações lhe fazem justiça.
É bom
lembrar, também, que a forma
não estabelece o conteúdo de um poema, muito pelo contrário; a forma é o resultado mais imediato deste
conteúdo e nada denuncia mais o vazio, ou a hipocrisia, de um poeta –
intelectualmente falando – do que seu metro,
do que sua forma. A
sinceridade do teor de um poema
mede-se, muito mais, pela sua disposição formal do que pela análise crítica de
qualquer um que seja. É pensando desta
maneira que Jessé de Almeida Primo, em seu livro A natureza da Poesia, afirma que um soneto será sempre
um soneto ainda que os versos estejam distribuídos na forma prosaica ou
dispostos numa forma fixa completamente alheia, uma vez haver tratamento
específico da métrica além de uma distribuição de rimas as quais determinam o
modo como os versos devem se agrupar, não sendo à toa, segundo o próprio Jessé,
que “ouvidos treinados” identificam a forma fixa pela própria elocução. Mesmos
os versos ditos “livres” compensam sua falta de regularidade métrica e
estrófica por meio de uma progressiva simetria rítmica, pois nenhum verso é
livre para quem realiza um bom trabalho, segundo, novamente, o velho T.S.
Eliot.
Em
suma, verso livre, ou metrificado são – em natureza e maneira de composição – a
mesmíssima coisa. Não é à toa que este livro de Retrancas se inicia com uma Elegia...,
em versos aparentemente livres... Só aparentemente, pois, quando condensados
numa única leitura, percebe-se logo, mesmo para o ouvido “menos treinado”, que
o ritmo e a melodia dos versos se condensam em uma só harmonia.
No
final das contas, todo poema deve estar pleno de sentido, de significados, e
não ser um mero jogo de idéias sobrepostas ao acaso; deve aparecer e soar ao
seu leitor dentro de uma imaginação auditiva, tão comum em um Milton como em
Eliot; mas também em Castro Alves e até mesmo em Ascenso Ferreira, e, por
recortar uma realidade instigante, por ter uma penetração psicológica muito
intensa, por proporcionar uma fácil compreensão de tudo e de si mesmo, Gustavo
Felicíssimo faz de seu novo livro uma obra de razão; mas de uma razão recortada pelos malabarismos lingüísticos e
dos signos comuns, o que garante a total qualidade de tudo que é dito neste
livro, que não se preocupa em transformar em conceitos suas mais diversas
percepções, como fariam nove entre dez homens de nosso tempo tão conturbado,
porém, ao contrário, na busca de sua própria poesie pure, Gustavo procura transformar em impressões a maioria de
seus conceitos, oriundos do mundo que ele percebe.
Assim
sendo, tudo isso garante a este livro seu mais profundo propósito e sua mais
autêntica beleza: um homem criador de seu próprio universo poético a reescrever
a si mesmo pela influência que este mesmo universo lhe circunscreve... é o
eterno reencontro de tudo e de si
mesmo que o poeta propicia a ele mesmo e ao mundo através de todo seu trabalho,
ou como o próprio Felicíssimo procura traduzir:
O meu retrato em preto e branco
deixei grafado nessas páginas,
deixei toda a minha loucura,
deixei também algumas lágrimas;
deixei o chapéu companheiro,
deixei meu mundo por inteiro;
deixei aqui tudo o que sou,
deixei um resto de alegria,
deixei o que de mim sobrou:
deixei as pedras nessa estrada,
deixei minha vida e mais nada.
Alagoinhas/Feira
de Santana, inverno de 2012.
***
O livro será
lançado oficialmente na programação do Terreiro da Poesia, na Feira do Livro de
Ilhéus, Centro de Convenções de Ilhéus, no dia 10 de agosto, às 18h00.
Também
pode ser adquirido, ao valor de 25,00, já inclusa despesa de remessa,
enviando-se e-mail para a Mondrongo Livros: contato@mondrongo.com.br
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