sexta-feira, 8 de abril de 2011

UMA ROSA PARA RENÉ MAGRITTE: JOÃO CARLOS TEIXEIRA GOMES, POETA DO INDOMÁVEL


Le tombeau des lutteurs, de René Magritte, óleo sobre tela, 1968.













Venho de mãos cruéis, maios sem lírios,


perseguido de espadas e de gritos...


JORGE DE LIMA















É dia 31 de março. Um amigo e poeta, Bernardo Linhares, presenteia-me com um livro – o mais singelo e perfeito dos presentes àqueles que amam a leitura – mas não sem, antes, tecer uma urdidura de elogios à obra que me oferta.





Em seu projeto gráfico, o livro é simplório, apesar de pertencer a uma grande editora, entretanto, chama-me a atenção, primeiramente, pela bela rosa rubra que se abre imensa e unânime, em um quarto vermelho – paixão sobre paixão, a qual eu logo reconheço como uma famosa tela de Magritte. Em seguida, fixo os meus olhos no título, A Esfinge contemplada, e uma profusão de imagens e mitos arrebata-me a atenção. Por fim, o nome de seu autor: João Carlos Teixeira Gomes, poeta baiano, intelectual de peso, ensaísta mordaz e grande estudioso de ninguém menos que nosso Gregório de Matos, o Boca do Inferno. Da ultima vez que vi seu nome numa capa de livro, este o dividia com um, hoje, extinto Antônio Carlos Magalhães, pousando de mafioso. O livro era Memória das trevas, foi sucesso de público e crítica, revelando um período da política baiana tão obscuro e abjeto quanto o que vivemos atualmente, por mais pó-de-arroz que a propaganda enganosa, paga por nossos altos impostos, queira borrifar, consagrando seu autor como grande estudioso de nossa política e cultura.





Mas, e o poeta? O que dizer do homem de versos, dotado de uma condição divinatória, mesmo morrendo de amor, como Maiakovski e Drummond, pelas ideologias esquerdistas? O que dizer de João Carlos Teixeira Gomes e seu A Esfinge contemplada?





Logo, à primeira vista, é fácil perceber o domínio que seu autor possui tanto da técnica quanto de toda a esfera expressiva que esta técnica deverá abarcar. É um livro de emoções, é claro, toda arte busca “fazer sentir”, mas não se engane quem quer que seja que, neste livro, revela-se um lirismo barato e repetitivo; a poesia contida em A Esfinge contemplada é densa, inquieta e, deveras, contemplativa. À maneira dos grandes poetas que surgiram após o período modernista, João Carlos Teixeira Gomes se mostra possuidor daquela capacidade de realização que faz com que uma mera “pedra perdida de duro calcário espesso”, à maneira de um Drummmond, deixe de ser um objeto qualquer perdido em meio ao grande esplendor do mundo para tornar-se algo de inquestionável singularidade, fazendo-se perceptível e emocionante, mas se erguendo através da capacidade de elaboração técnica, de uma estrutura lingüística que tem início na mera emoção que fenômenos tão simples, como o desta “pedra in natura”, podem produzir em nosso espírito.





Era uma pedra perdida,


de duro calcário espesso.


Era uma pedra in natura.


Não era vidro, nem gesso.


No chão crestado jazia,


alheia às paixões do mundo:


argila da eternidade,


crosta do tempo infecundo.


Cauteloso, examinei-a


tomando-a na mão discreta:


— É algo que somente existe


em sua essência incompleta.


Corra o tempo fugidio


e há de ser sempre o que é:


forma pura que se basta


sem se dar conta nem fé,


massa vã que se empareda


num rude universo tosco,


presa dos próprios limites


contidos no brilho fosco.


Não pensa, não quer, não sonha.


Nada sabe nem aspira.


Mas eu, que choro e que tenho


um coração que delira,


que sinto o vibrar da cólera


e do fervor mais profundo,


eu logo serei fumaça


dissolvida além do mundo,


matéria desativada


ou pó de humana carcaça


— mas a pedra reinará


na glória turva do nada.


Daqui a mais alguns anos


(que depressa hão-de passar)


já serei fumo esvaído


- mas a pedra há de restar.


E assim ficará, invicta,


sem desejos nem remorsos,


pairando com soberbia


no que sobrar dos meus ossos.



Com raiva, num puro assomo,


tomei a pedra na mão


e lancei-a ao mar profundo:


nada buliu na manhã


nem a paz nimbou o mundo.


Pois à muda natureza


são coisas que não consomem


a dureza de uma pedra


e os sentimentos de um homem.





Tal capacidade só pode ser adquirida através de anos preenchidos de incansáveis estudos e repetidas práticas; a tal empreendimento, alia-se, também, à consciência de que a poesia, como toda arte, é oriunda de uma natureza concreta e intelectiva e que o pensamento reflexivo é tanto maior e necessário ao poema quanto melhor ele for, quanto mais verdadeiramente emotivo ele nos parecer. Pensamento e contemplação artística nascem da mesma inquietude, porque ambos estão no homem e nessa sua estranha mania de querer desvendar a vida em sua mais perfeita grandeza.





Sem dúvidas, só pelo evidente domínio técnico dos círculos expressivos, como diria César Leal, em sua Os cavaleiros de Júpiter, já poderia considerar João Carlos Teixeira Gomes como poeta, bem como um grande poeta, cuja característica maior seria o do domínio de tamanha técnica expressiva, mas este baiano, profundo conhecedor dos bardos ibéricos e de nossos melhores poetas, não se limitaria somente à descrição das pequenas disposições da alma, acalentadas por um cabedal de pragmatismos intelectivos; como todo grande poeta, dirige seu olhar ao passado e à mitologia, aos desejos e percepções, às emoções e ao pensamento analítico, expandindo-se em conteúdo e se restringindo no que diz respeito ao palavreado e à ornamentação lingüística. Tais características poderiam, inclusive, caber muito melhor em um sonetista, primeiramente, ofício, aliás, onde João Carlos é, numa linha histórica (só para contemplar a Bahia) que vem de Gregório de Matos a Ildásio Tavares, um dos melhores neste ramo seleto e cada vez mais raro em nossas Letras.





Entretanto, estas qualidades não se restringem a quatorze versos, à maneira de um Petrarca ou de um Camões, fazendo-se perceptíveis, também em seus versos livres, cujas camadas, tanto simbólicas quanto sonoras, não se permitem faltar. Desta forma, todas as qualidades de um bom poema podem ser encontradas nos versos de João Carlos Teixeira Gomes, independentemente da forma escolhida por ele, seja ela um soneto:





Minha única certeza é minha morte.


Virá festiva, com pendões vermelhos,


Provocadora com seu riso forte.


Mas me verá de pé, não de joelhos.



Pode vir de mansinho a forasteira


Ou numa orgia de ossos e fanfarras,


Com dois laços de fita na caveira


E o ágil chocalhar das finas garras.



Eu que os mares amei, e o sol tirânico,


Os flavos grauçás de dorso enxuto,


As moças de maiô e o vento atlântico,



Sereno hei de esperá-la em meu reduto.


E assim ao ver-me, sem sinal de pânico,


A própria morte se porá de luto.



ou em (supostos) versos livres:







O silêncio habita


o parco instante da alba e do crepúsculo


o olhar embaciado do morto e suas mãos


a deserta sala onde um relógio soa


o cais ausente de navios


o balé das alegorias nos cemitérios


o vôo do anjo de mármore para além da haste


as pausas das grande sinfonias


certos afagos noturnos que antecedem o êxtase


a tarde nos claustros, a partir da 17ª hora


os sutis deslocamentos da alma


uma folha caindo no outono (ou fora dele)


o lento périplo dos dedos pelo corpo amado


o círio que arde


uma estrela entre nuvens


o vôo do morcego aprisionado na gelatina da noite


as fotos antigas que imobilizam o tempo (e o denunciam)


o caminhar das formigas na superfície do mundo


a praia na maré morta


o musgo que cresce nas ruínas


as ruínas que não souberam tombar


a imobilidade das folhas


o passado


o vestígio de um asa na tarde morrente


a água que goteja no carramanchão


o écran da TV desligada, com um grande olho a espreita


a nuvem à esquerda, no ocaso


a gestação do mel e das resinas silvestres


os infinitos espaços e a sua malha de órbitas


a germinação do rancor


a estação vazia, após o último trem


o amor que é a ânsia, mas não se confessa


a chama das lamparinas de oratório


a fenda Tundavala e os tandos da Gorongosa, que conheci outrora


o instante em que o segundo se fez hora


a vela decalcada na manhã móbil


a música gestual das bailarinas em levitação


os conluios do tempo e da morte


a mão que pinta


um bater de pálpebras...





Desta maneira, neste Universo de grandes elaborações poéticas, João Carlos Teixeira Gomes, em momento algum, ignora o critério e a disciplina, no sentido do apuro textual, fundamental aos grandes mestres, pois sabe que a poesia é amais perfeita das artes e, assim, reverencia, por assim dizer, a construção de sua poesia como algo pleno de significados e não um jogo simplório de palavras e de aproximações sonoras. Por isso mesmo o autor de A Esfinge contemplada pode muito bem colocar conflitos emocionais e inteligibilidade, no papel, com total efetividade e, desta maneira, ser muito bem chamado de poeta.





Mais do que um discorrer lírico sem pretensões, A Esfinge contemplada dá vazão a uma intricada soma de visões tanto dialógicas quanto dialéticas, reforçando, assim, os aspectos dramáticos, presentes em todo o livro, e estabelecendo, destarte, um fio condutor que vai de poema a poema, unificando o livro numa idéia de poesia culta, mas sem perder de vista a emoção contemplativa que todo homem, um dia, esboçará diante do mundo e de toda a sua grandeza, através de temas como Deus, Vida, Morte, Ser, Tempo, Destino, Mistério, tão caros à poesia e ao nosso desejo primordial de inquietude metafísica, bem como o de transcendência. Tal atitude só pode ser entendida como algo que provem de um homem profundamente situado dentro de seu contexto poético, a exemplo de um Jorge de Lima ou de um Bruno Tolentino, que, por vezes, o leva a certeza de que a missão da arte é elevar nosso saber e consciência aos supremos interesses do espírito, como diria Hegel. Contudo, com a morte da fé e da crença, entre os homens de espírito elevado, na própria imortalidade deste espírito, assistimos a morte da arte e de suas formas mais sublimes, como bem demonstrou Alfred Miller. Daí, haver, em nossos dias, tão poucos “poetas” preocupados com “os grandes interesses do espírito”, tão poucos verdadeiros, quase nenhum gênio a desatacar-se entre os medíocres, pois, hoje, são os “grandes” os medíocres de outrora.





Seja por fé verdadeira, ou o mero fingimento de poeta do qual falava Fernando Pessoa, a idéia de crença e de transcendência, presente em A Esfinge contemplada, desempenha um papel de grande relevância entre os maiores nomes da poesia contemporânea e representa uma tomada de posição de um artista diante dos engodos hodiernos de nossos pintores abstratos que não sabem fazer figura, de nossos poetas de “versos livres” que não sabem fazer soneto, dos críticos que só leram as orelhas dos livros que criticaram, dos que fizeram tese sobre Baudelaire sem nunca terem lido Baudelaire, etc.





Tal desempenho (e representação) se torna mais intenso quando o poeta nos permite contemplar, em sua própria poesia, as muitas influências que recebeu como um grande alinhavo de criações intertextuais, a exemplo de uma estreita relação com Augusto dos Anjos e Jorge de Lima, como neste Soneto Negro:







À meia noite, quando os sonhos nascem,


gordos morcegos e fosforescentes


dos tredos bosques, onde os medos pascem,


em bandos saem, a assustar as gentes,



se os esqueletos por ventura andassem


sacolejando seus ossos trementes,


tantos sustos, talvez, jamais causassem,


como essas fúrias de raivosos dentes.



São mensageiros do reino das brasas


em bruscas rendas das humanas rotas


que a tudo afligem com as negras asas.




Fuja logo o infeliz que pode vê-los!


Pois quem comanda tão sinistras frotas


é Lusbel, o senhor dos eternos gelos.





ou na profusão crômica e sinestésica, típica de um Sosígenes Costa ou de um Carlos Pena Filho, neste belíssimo Soneto marinho:







Confluências do Azul. As vergas altas


implantam um Mondrian na paisagem.


Ao deslocar-se a vela móbil crava


um ócio branco em luminosa aragem.




Emerge em arco, além, a fímbria alva


de dura fraga em salitrosa espuma.


O salso dique a preamar destrava,


nas vagas corre a solitária escuma.



Ao sol a pino o meio-dia é brusco.


Arando o ar ardente sobre as telhas


o dia é frágil como um vaso etrusco.



Voa a manhã nas asas das abelhas.


No mar intemporal dorme um molusco


que algas rodam em cândidas parelhas.



Além do mais, esta carga de influências positivas, e tão bem impregnadas de capacidade intelectiva quanto técnica, conferem a João Carlos Teixeira Gomes uma realização plena, a exemplo dos mais laureados dos poetas. Todavia, muitos consideram uma obra como A Esfinge contemplada, como “antiquada e classista”, dada a nossa incrível tendência a obviedade a ao simplismo, escondidos sobre o manto da “revolução” e do “vanguardismo” que, negando-se, como nos atentou César Leal, à peneira das perspectivas e o crivo do tempo, preferem, principalmente em nosso querido Brasil, perpetuar a “fase de choque”, insistindo na sistemática negação de valores estabelecidos e impulsionados por nada menos que o ressentimento, a inveja, as frustrações pessoais, a carência de talento e pela vaidade de inapto.





Quando os meios de comunicação, as Academias, os centros de educação e tudo o mais que deveria salvaguardar certos princípios e normas dogmáticas, são tomados e dirigidos pelas hordas que deveriam combater e afastar, entende-se o incompreensível facto de homens como João Carlos Teixeira Gomes e Ildásio Tavares (só para ficar pela Bahia) serem renegados a segundo plano, esquecidos em edições poéticas esgotadas, e, quando lembrados, destinados a funções mais “benquistas”, como a de pesquisador, professor universitário, ao invés de poeta ou de homem engajado ao invés de homem universal.







Construindo uma idéia de fim em si mesmo, toda uma geração chegou ao ano 2000 acreditando na terrível mentira de que a poesia brasileira não nos deu mais nada além do que nos foi imposto pelo Concretismo ou pela Poesia Marginal e, se há poesia, ainda, entre nós, esta se encontra nas canções do Chico Buarque e do Caetano Veloso, e não em nomes como Adelia Prado, Neide Archanjo, Reynaldo Valinho Alvarez, Bruno Tolentino, Alberto da Cunha Melo, Érico Nogueira, Rodrigo Petrônio, Patrice de Moraes... Nossa “intelectualidade” adulatória, incapaz e inerte para as grandes questões humanas, mais e mais se mostra destruidora do estudo honesto e de uma visão crítica que realmente veja as coisas como elas são e não como aparece ao seu interesse quanto mais espalha suas ideologias cruéis e vazias por nossas Universidades.





Alheia a estas maquinações cooperativistas de nossos intelectuais, a poesia de João Carlos Teixeira Gomes chega-me mais de vinte anos depois (a edição é de 1988), como uma das obras mais elaboradas e representativas de nossa Poesia Contemporânea... Uma poesia que se abre cada vez mais nova e mais bela como aquela imensa rosa na Le tombeau des lutteurs, de René Magritte, entre o desvendar da modernidade e o cultivo consciente de uma tradição poética cada vez mais forte quanto mais reaparece. A Esfinge contemplada, principalmente com seus sonetos, arrebata qualquer leitor para uma atmosfera super-elaborada do universo poético (e do universo formal da grande poesia) cuja essência se encontra nas muitas questões de natureza existencial que ele suscita. Algo que só alguém que aprendeu a dominar os intricados meneios que a poesia pode criar, verdadeiramente.







Poesia, este enlaço àquela verdade sublime e indômita que se chama Beleza.



















Salvador/Candeias, 05 de abril de 2011.

4 comentários:

Gustavo Felicíssimo disse...

Maravilhoso! Sem palavras. Apenas observo, meu caro Silvério, que vc precisa melhorar a qualidade das postagens, com fontes maiores e melhor aproveitamento espacial.

Elpídio Mário disse...

Caríssimo em Cristo Silvério,


Um excelente ensaio, esclarecedor como sempre. Acabo de encomendar a obra na estante virtual.

Abraço,
Elpídio

Anônimo disse...

Amigo Carlos,
Respondo-te telegrafadamente. Eu aumentei o tamanho das postagens. Às vezes, no momento de fazer a colagem ela apresenta tamanhos diferentes na hora de salvar. Mas atentarei mais para isso, pois, mesmo eu, tive dificuldades de ler,depois.
Eu agradeço as tuas críticas e observações, como sempre. E eu gostaria muito que o comentário que fizeste fosse postado no Blogger, isso poderia render uma discussão muito saudável.
Eu não tenho problemas com a Poesia Marginal ou quaisquer vanguardismos, pois considero-os necessários, fazemparte do Processo, diga-se, gosto muito do Cacaso e do Lemsky. O problema é que os vanguardismos servem de trampolim a muitos “degenerados”, por assim dizer, e,em suas confusões ideológicas e técnicas, acabam desfazendo tanto dos tradicionalismos quanto dos movimentos que dizem abraçar sem entendê-los... são estes os que eu combato, como disse no texto. Mas há ditos "tradicionalistas" que fazem o mesmo(rsrsrs)...
No mais o braço fraterno de sempre e o prazer imenso de “conversarmos”, mesmo que virtualmente.
Sem mais delongas,
Silvério Duque
-----------------------------------Silvério, meu amigo:
o seu blog tá muito bonito. Mas queria pedir um favorzinho: tem dó dos seus leitores: cresce o corpo das letras, que tá muito pequeno [pelo menos pra quem já passou dos 30 carnavais...]
A lembrança do poeta Joca é muito oportuna, num momento em que a nossa poesia anda meio falando de lado e olhando pro chão. Mas, como diria o motorista da marinete buarquiana: tudo é passageiro, vai passar.
Sobre suas análises críticas, sinto-as cada vez mais maduras e firmes, apesar de não concordar com algumas delas (apenas defendo o seu direito de defender suas ideias, todas elas, sempre).
Sinto um pouco de má-vontade do amigo feirense em relação à poesia marginal (porque sempre, ou quase sempre, esteve mesmo à margem) e alguns poetas que têm belíssimos momentos em suas obras, a exemplo dos citados Adelia Prado e Bruno Tolentino, entre outros.
Acredite: há trigo em meio ao joio.
Acredite mais: poesia marginal não é sinônimo de porcaria. Tem mais a ver com resistência, com desespero, com busca de linguagem mais contemporânea de mais de uma geração na história recente do nosso Brasil. Foi o que deu pra fazer, foi o que se pôde fazer em tempos bicudos, na impossibilidade de acesso à editoração e à mídia (lembre-se, a história da internet é recente, debutante de 15 aninhos).
Mesmo o concretismo tem grandes momentos de poesia (sim, poesia!) ousada e inventiva, em meio a tanto tijolo concreto que atiraram nas nossas cabeças nas últimas décadas e que acabou marcando, mais negativa que positivamente, um dos poucos movimentos nativos de poesia como 'brincadeirinha irresponsável'.
Pois, particularmente, acredito que mesmo a poesia concreta teve - e tem - o seu valor. Continua a ser um bom desafio aos poetas: inserir poesia [ou conteúdo póético] em formas que denotam e incitam novas linguagens, valorizando as palavras até as medulas, até as letras [flauta maiakovskiana de ossos para a música de uma poesia atonal e cúmplice, interativa, desafinando o coro dos contentes].
Mais ainda: melhor que reinventar a roda, melhor que criar poesia concreta, é conhecer e usar poesia concreta em outros projetos e desafios poéticos (antropofagicamente, oswaldianamente).
[Cumpre registrar ainda que alguns poemas concretos conhecidos chegam mesmo a nos fazer refletir mais sobre os temas abordados com suas provocações visuais do que outras experiências poéticas mais populares e menos ousadas: colam como chiclete, a gente nunca esquece.]
Contemplar a esfinge da poesia brasileira é saber devorá-la, também, decifrá-la, especialmente nos seus bons momentos (raros, mas existem: taí o Joca que não deixa mentir), sem preconceitos. Ou ser devorado por ela.
Abração,
Carlos Verçosa

Anônimo disse...

Li em uma das tantas A arte de ler que nunca devemos ler o crítico sem ter lido antes a obra criticada.

A crítica deve ser lida para uma releitura, pois podemos reler a obra de outro ângulo que não mais o nosso.

Assim, desenvolveremos um espírito crítico autêntico. Ao abrir essa página por sugestão de um amigo, esperava encontrar apenas alguns dos "belos poemas" de João Carlos T. Gomes.

Mas me deparei com "A esfinge contemplada" por Silvério Duque, que me pegou pela mão e foi me mostrando a beleza dos poemas. Assim sendo, essa leitura da crítica despertou em mim o interesse pela obra.

Pretendo contemplar em breve, em carne e osso, completa, essA esfinge contemplada.

Abraços.

Fátima Santiago