terça-feira, 19 de outubro de 2010

DE PROFUNDIS CLAMABO AD TE, DOMINE...


Algumas ossadas das milhões de vítimas do Khmer Vermelho, nome nome dado aos seguidores do Partido Comunista da Kampuchea, que foi o partido governante no Camboja de 1975 a 1979, liderado por Pol Pot, Nuon Chea, Ieng Sary, Son Sen e Khieu Samphan. O regime liderado pelo Khmer Vermelho de 1975 a 1979 foi conhecido como Kampuchea Democrática. Suas políticas de “engenharia social” resultaram em um genocídio sem precedentes. Suas tentativas de reforma agrária levaram à fome generalizada, enquanto sua insistência na autossuficiência, até mesmo nos serviços médicos, levou à morte de milhares de pessoas em conseqüência de doenças tratáveis (tais como malária). Execuções brutais e arbitrárias e tortura praticadas por seus oficiais contra elementos considerados subversivos, ou durante expurgos em suas próprias fileiras entre 1976 e 1978 são consideradas como tendo constituído um genocídio... O Khmer Vermelho é só mais um exemplo de uma bem sucedida República da Bruzundanga Vermelha e de suas políticas sociais – Será que Deus aprova isso?






Nestas últimas semanas, minha caixa de E-mail tem se enchido de mensagens, oriundas de um país não muito distante, a República da Bruzundanga Vermelha. Não aquela nação tropical, descrita pelo velho Lima Barreto, mas sua versão paradisíaca, à semelhança de uma ilha muito admirada pelos líderes da Bruzundanga Vermelha. A Bruzundanga Vermelha é como qualquer país da América latina, onde ela fica, é louca por ditadores, miséria e Comunismo... não necessariamente nesta ordem.

Tudo começou após o início do não esperado (e menos ainda desejado) segundo turno para as Eleições Presidenciais na República da Bruzundanga Vermelha, porque a Bruzundanga Vermelha é uma república, mas bem que poderia ser um reino, ou melhor, um feudo – quase uma capitania hereditária. São mensagens repletas de defesas exasperadas a favor de seu atual governo, de sua candidata, pois na Bruzundanga Vermelha o sistema de cotas se faz valer, e daquele dalai-lama nascido na região nordeste da Bruzundanga Vermelha, mas que chegou ao seu bodhissttva Avalokittessvar liderando metalúrgicos no ABC bruzungandense. Mas que ninguém se engane, na Bruzundanga Vermelha, que é muito religiosa, impera o Catolicismo Vermelho; e tem até padroeiro: Sto. Antônio Gramsci, protetor dos cínicos, dos revoltosos e dos que têm sede de poder. É uma plêiade infindável de cálculos, gráficos comparativos, números duvidosos, além de elogios adulatórios, gritinhos de guerra, manifestos e um famigerado ufanismo quase a berrar: AME-O OU DEIXE-O!!!

A quantidade de apelos é tão grande que não me sobrou nenhuma alternativa que não fosse o bom uso da tecla – e do termo – delete, e duas singelas perguntas: este aperreio todo... é medo? ou nada mais que “um grande mestre espiritual que, ao recusar os círculos de reencarnação, procura permanecer, por amor e piedade aos homens e às criaturas divinas, neste mundo sobre a feminina forma de avatar...?!

Seguindo uma lógica básica, algo que deveria ser tão bom não pode – jamais – ter tantas defesas; o facto deve falar por si mesmo a quem ele se destina e favorece... Sigamos um exemplo do grande Buda da República da Bruzundanga Vermelha e metaforizemos: se um cliente de um restaurante reclama da comida pouco salgada, ela deve ser salgada ao gosto do cliente e ponto final, porque é ele quem julga, pois é ele quem está a ser servido. Se, do contrário, o cozinheiro se põe, indignado, a defender suas habilidades culinárias e a sua “boa intenção em fazer” – certamente retirada do Inferno mais próximo, pois há muitos Infernos na República da Bruzundanga Vermelha –, não seria de se estranhar que alguns famintos, porém, exigentes clientes, procurem outro e mais agradável serviço... é uma metáfora idiota, não acham, mas na República da Bruzundanga Vermelha, toda metáfora, por mais idiota que seja, é dita com a polidez racional de um Confúcio, contanto que seja dita pelo Gyawa Rinpoche bruzungandense-vermelho, o seu Yeshe Norbbu... mesmo assim: viva ao Capitalismo!

Todavia, é um grande engano pensar que este simplório poeta perderia seu tempo, ao contrário daqueles pobres pseudoorfãos da Bruzundanga Vermelha que me enviam, constante e desesperadamente, tais indefensáveis defesas, falando de uma politicagem tão minguada e abjeta – mas não na República da Bruzundanga Vermelha – sem um motivo maior... Esse motivo, evidentemente, será sempre a Literatura. A Arte, como imitadora, ou melhor dizendo, recriadora da vida, vale-se de uma série de exemplos que bem caracterizam este como outros momentos que nós, e os moradores da República da Bruzundanga Vermelha, temos vivido. Se estes exemplos fossem assimilados e, conseqüentemente, seguidos, muita inutilidade seria evitada... a começar pelo assunto que gerou esta conversa.

De todas as tentações que a Esquerda política possui... ah, esqueci de dizer: a República da Bruzundanga Vermelha é comunista, adepta da Esquerda política e do Materialismo Histórico, principalmente porque a maioria de seus habitantes não têm idéia do que seja isso...

De todas as tentações que a Esquerda política possui e impõe, covardemente, aos seus – e a República da Bruzundanga Vermelha não está isenta desta prática –, a vontade de fazer o bem é a pior delas. E que bem é este: é o bem imposto à força, na marra, na “mão grande”; é a proteção que não pedimos, mas nos é imposta assim mesmo para nos proteger de tudo... inclusive de nós mesmos. Na República da Bruzundanga Vermelha é assim: as pessoas se sentem bem e, por causa desta sensação de bem-estar, aceitam uma corrente invisível que é muito mais forte que a mais curta e mais dura corrente do mais puro aço. Este bem imposto, diz: Não fume! E os bruzungandenses, por exemplo, não fumam; não porque não querem fumar, mas porque, em nome de uma visão moral que os descriminam e faz com que eles também se sintam descriminados pelos outro e por si mesmos, por mais que esta visão moral os ame e eles também se ames, aceitas esta inquietação espiritual que salvará os seus pulmões, mesmo que isto signifique destruir a suas individualidades. Mas, à exceção de um dinamarquês lunático nascido em Copenhague em meados do século retrasado, quem é que se importará com isso...!?

Mas onde é que a literatura entra nessa história toda?! Ora, pra que coisa mais literária do que a República da Bruzundanga Vermelha? A República da Bruzundanga Vermelha é poética. A República da Bruzundanga Vermelha é semelhante a Fernando Pessoa; é heteronímica. Saramago queria fazer de Portugal uma República da Bruzundanga Vermelha. A velha República da Bruzundanga Vermelha é uma fingidora; chega a fingir que não-é dor a dor que deveras sente. A República da Bruzundanga Vermelha é tão parecida com aquela outra Bruzundanga do Lima Barreto que tem uma lei que diz que se a lei não for conveniente à situação esta lei não é válida.

Além do mais, quem mais conhece este tipo de situação, caro leitor, onde o bem é imposto a todo custo do que aquele ardiloso e bravo Odisseu, do poema de Homero? Ciente de que, por detrás do mel, do leite e do vinho de Polifemo, nada mais existe do que a morte inevitável ou que, ao lado da beleza irreal de Circe – ...tyrannique aux dangereux... –, nada lhe sobre além de viver um tempo imerecido e um prazer que não pediu, ou se transformar (literalmente) num porco, o rei de Ítaca mostra como fugir a tudo isso: com inteligência. Não aquela inteligência estóica, ao mesmo tempo nobre e ressentida, mas uma inteligência sem amarguras, à maneira dos grandes mestres gregos ou mártires do Cristianismo, a propor algo bem mais eficiente e difícil: a transfiguração, como muito bem alertou Nicolae Steinhardt. Se assim não for, se assim não se agir, todos viverão como os habitantes da República da Bruzundanga Vermelha, com aquela eterna e tola impressão de que a verdade é irrevelável, que a verdade jaz aprisionada em um futuro de sonhos, ou pior, no próprio sonho de futuro a prometer um ontem, pelo menos, aceitável.

Aproveitando-me da literatura de Steinhardt e da Bíblia – sim, a Bíblia é também Literatura... e das boas – é impossível não falar da salada religiosa que se propagou durante a campanha para presidente na República da Bruzundanga Vermelha e de como o nome de Deus é usado como manobra de covardes. Imagine só, a república da Bruzundanga Vermelha é comunista, logo, Deus deveria ser o LSD do povo da Bruzundanga Vermelha, mas que ninguém se engane, na República da Bruzundanga Vermelha, que é muito religiosa, impera o Catolicismo Vermelho; e tem até padroeiro: Sto. Antônio Gramsci, protetor dos cínicos, dos revoltosos e dos que têm sede de poder... Logo Deus, logo o Cristianismo, que é matéria dos corajosos, basta a consulta de passagens bíblicas como: Mateus 9, 2; 9, 22; Marcos 10,49; Lucas 8, 48; “Tende confiança, filho, tende confiança...” –, típica exortação de Cristo. Marcos 5, 36; Lucas 1, 13; 1, 30; 5, 10; 8, 50... “Não temais, jamais tenhais pavor...!” – Típico encorajamento de Cristo. Além de II Timot. 1,7; Filip. 1, 28-30 e Hebr. 13, 6. Todas citadas por Steinhardt, em seu O diário da felicidade...

Quando é sabido, mesmo pelo mais ingênuo dos ignorantes, que toda ideologia de Esquerda, inclusive a que impera na república da Bruzundanga Vermelha, é uma ideologia de morte, de negação da vida e de Deus e, mesmo assim, na república da Bruzundanga Vermelha, os possíveis continuadores de seu governo (porque a Bruzundanga Vermelha é uma república, mas bem que poderia ser um reino ou feudo ou quase uma capitania hereditária) valem-se do nome de Deus para conseguir se impor e se perpetuarem no poder, duas coisas são evidentes: a primeira é que, seja na República da Bruzundanga Vermelha, como em qualquer outra Bruzundanga, não existem limites para a hipocrisia nem para a estupidez dos homens e o político de esquerda, seja na Bruzundanga Vermelha ou em qualquer outra, é alguém que sempre se valerá do mais baixo grau de vileza para conseguir seus objetivos, superado apenas por aqueles que, tendo feito uma escolha pelo caminho contrário, aliam-se a tais estúpidos na tola crença de estarem a serviço do bem; estes padres, pastores ou quaisquer “sacerdotes vermelhos”, seja aqui, na República da Bruzundanga Vermelha, como em qualquer outra nação, se fazem culpados daquele pecado, como bem acentuou o monge de Rohia, que acerca da existência estou perfeitamente convencido: o pecado da burrice. A segunda coisa é que, por mais que a Esquerda, seja na república da Bruzundanga Vermelha ou em qualquer outro lugar, queira minar os princípios morais e religiosos de nossa cultura, estes princípios sempre se mostram, para desgraça da Esquerda, mais fortes e a afirmação da vida, da ética e dos valores humanos sempre superou, sempre transcendeu os estragos físicos, morais e espirituais que loucos e degenerados sempre quiseram, e ainda querem cometer, seja na República da Bruzundanga Vermelha ou em todo lugar. Isso ainda me faz lembrar da Literatura; faz-me lembrar de um livro de Antoine de Saint-Exupéry, onde este afirma: “o essencial de uma vela não é a cera que deixa rastros, mas a luz”.

Engana-se o imbecil que pensa que a liberdade é um direito... Como afirma Rougemont: “a liberdade é a assunção de um risco”. Se Michel Foucault tivesse entendido as palavras de seu conterraneo, não teria escrito tanta besteira. A liberdade é um risco, principalmente na República da Bruzundanga Vermelha, na Bruzundanga Vermelha a liberdade ofende, impõe medo, pois a liberdade é uma aposta, é um ímpeto do espírito e é sabendo disso que os governantes da República da Bruzundanga Vermelha investem em concluir seu maior propósito cultural, educacional e literário: que todos sejam como um Hamlet, vivendo a devanear ao invés de agir, que percam mais tempo filosofando no escuro do que construindo uma atitude que transforme suas vidas, que se tenha medo ao invés de apostar, porque, no final, todo que sobra é seguir fantasmas.

Mas o Príncipe da Dinamarca, no fundo, é guiado por um senso de justiça enorme e por um gigantesco dever moral que todos os governates da República da Bruzundanga Vermelha desconhecem, ou são incapazes de conhecer, e, por mais que piore as coisas que já são péssimas, a justiça se faz e o princípio da transfiguração se cumpre. Infelizmente, a Esquerda, aqui ou na República da Bruzundanga Vermelha, ou em qualquer outro país onde impera a Esquerda, atira no que vê e mata o que não vê, aliás, mata muito... milhões... Nestes oito anos de assistencialismo porco e de sucessivas tentativas de domínio da Imprensa, por parte dos governantes da República da Bruzundanga Vermelha, criou-se um curral eleitoral de exatos 8 514 876, 599 quilômetros quadrados – ah, também esqueci de dizer: a República da Bruzundanga Vermelha é imensa. A Bruzundanga Vermelha tornou-se um país de Ofélias, rumando leves e loucas para um rio de absurdos e vazios.

Nestes inúmeros E-mails que me chegam, há um brado orgulhoso pelas quase duas dezenas de universidades erguidas pelo atual governo da república da Bruzundanga Vermelha. Eu, pobre poeta, só tenho a lamentar, porque não são universidades, a República da Bruzundanga Vermelha e seus governantes sequer sabem o que significa universidade. Na república da Bruzundanga Vermelha não existem universidades. Na República da Bruzundanga Vermelha existem criadouros, chocadouros, viveiros para marxistas, leninistas e leões-de-chácara de partidos maoistas. Ninguém na República da Bruzundanga Vermelha aprenderá, um dia, qualquer coisa sobre Platão, Aristóteles, Sto. Agostinho, Tomás de Aquino, Leibnitz, José Bonifácio de Andrade e Silva, Kierkegaard, Rui Barbosa, Husserl, Miguel de Unamuno, Ortega y Gasset, Eric Voegelin, Mário Ferreira dos Santos, Costantin Noica, Olavo de Carvalho, Northrop Frye... A República da Bruzundanga Vermelha é um país de Ofélias.

Para terminar, vou falar do Diabo; é preciso falar do Diabo. O que não falta é Diabo na República da Bruzundanga Vermelha. Dos três grandes demônios ideológicos que, na trilha de todo cientificismo racial desenvolvido na Era Vitoriana, mancharam de sangue e de indiferença todo o século XX – o Nazismo, o Fascismo e o Comunismo – apenas o Comunismo não foi exorcisado, pousando, até hoje, de bom moço... Logo o mais assassínio, o mais alienador, o mais parasital, o que se vale do bem para fazer o mal, o que faz uso da verdade para transmitir mentiras, que traz a idéia de liberdade para aprisionar, punir e matar gerações inteiras a um ponto que, mesmo com a descoberta de suas maldades, mesmo com a comprobação de seus crimes, para seus mentores e prosélitos, tudo isso nunca vai passar de uma mera intriga da oposição, tudo nada mais é do que a maquinação dos inimigos do Ideal e do Sonho... Eis, aí, caro litor, o pior dos Diabos, o Inimigo, o Mefistófeles descrito por Goethe, em seu Fausto, para quem o sonho é maior do que a realidade e deve ser mantido a qualquer custo, mesmo com a substituição do real pela idéia do real. Na República da Bruzundanga Vermelha é assim.

Oh, Senhor, porque não damos ouvidos a poetas e a profetas...!?

Apesar de tudo, os E-mails continuam chegando, proliferando como baratas de um boeiro, ou, ao melhor estilo de Aluísio Azevedo, como larvas no esterco, indicando que, na República da Bruzundanga Vermelha, como aqui, na nossa Bruzundanga Aureverde, esta substituição do real pela idéia do real não tem deixado muita gente satisfeita, como se quiria. O que fazer? Continuar apagando-os? Vestir uma camisa do Che Guevara? Mandar todos para a..., fazer um pneumotorax? Ou, simplesmente, como o Manuel Bandeira, dançar um tango argentino? Mas, com tantas defesas, afirmações, reafirmações, clamores e manifestos dos sectários do nacionalismo canhoto, o Diabo não tem sido muito sedutor... E se não consegue ser sedutor, talvez não sirva nem como Diabo.

Feira de Santana, 15 de outubro de 2010.

2 comentários:

Paulo Cruz (PC) disse...

Bravo, Silvério!

Abraço,
Paulo.

MaRiShKa disse...

'O comunismo é como a lei seca, uma boa idéia, só que não funciona.'