sexta-feira, 13 de novembro de 2009

ANTÔNIO CARLOS GOMES (1836 – 1896)


Antônio Carlos Gomes (1836-1896)



A influência européia foi, sem dúvida, determinante durante os primórdios da cultura musical autóctone dos países latino-americanos. Não esqueçamos que uma parte muito significativa da população é, antes de tudo, de origem indígena; assim sendo, herdeira de uma cultura muito singular, muito diferente daquela trazida pelos colonizadores espanhóis, portugueses, franceses... Também é verdade que estes povos autóctones tiveram pouco haver com a cultura que se foi desenvolvendo ao longo de centenas de anos de colonização, e que a imposição da cultura importada foi determinante, atingindo limites que tornam muito dificultosa e detecção de vestígios autóctones na atualidade, mas não há dúvidas que um substrato indelével fez-se determinante para cada espaço cultural da América. Estas mudanças históricas acabam, de certa forma, se repetindo, com ou sem a força que ainda resta da cultura nativa com a transplantação da cultura da Europa: Barroco, Arcadismo (ou Neoclassicismo), Romantismo... Este último, sobretudo, foi o principal responsável pela busca de elementos nativos, pela construção de um ideal nacionalista e da busca de uma identidade nacional, principalmente com o fim da influência das antigas classes dominantes e dos modelos clássicos. As mudanças foram lentas, mas, na luta para se livrar da independência européia, foi-se recriando um modelo nativista que, mesmo imbuído de uma fortíssima influência européia, misturou diversas tendências estéticas na busca de uma tão esperada “cor-local”. Por isso mesmo, encontramos, ao longo do romantismo brasileiro, por exemplo, várias figuras que passaram de uma estética a outra – e até praticaram muitas ao mesmo tempo. Este foi o caso da literatura de Gonçalves Dias e Castro Alves. Mas, no ano em que se comemora os cinqüenta anos da morte de Heitor Villa-Lobos, ninguém melhor para ilustrar esta diversidade estética do que o maestro Carlos Gomes.





I



Antônio Carlos Gomes nasceu em campinas, em 1836, e, como não poderia ser diferente, àquela época, foi, de início, um fiel amante da Escola Italiana. Porem, sua dedicação à música de salão também foi notória, e o ajudou a apreciar a música popular que, por mais ínfima que fosse, se poderia encontrar algum elemento verdadeiramente nativo. Assim, não demoraria muito para que o popular ganhasse uma linguagem mais sofisticada pelas mãos de muito mestres da música erudita, inclusive pelas de Carlos Gomes.


Foi com O Escravo que o elemento nacionalista se fez indispensável na obra do maestro de Campinas, por mais que O Guarani seja a sua obra mais conhecida e, aparentemente, mais “romântica”, mas se é possível, em ambas, distinguir, em Carlos Gomes, um fácil melodismo que evoluiria, com grande rapidez para um profundo expressionismo muito presente em O Escravo, onde se é possível, destacar a grande qualidade de orquestrar que Carlos Gomes, assimilaria de Puccini. Assimilação, diga-se, apenas modelar, pois sua obra se confunde com a evolução da música brasileira o que, àquela época, acontecia com imensa velocidade, imbuída de uma grande mescla de elementos melódicos e rítmicos de notável influência indígena, e, principalmente, africanas, pois as influências eram oriundas de várias áreas culturais, como Moçambique, Guiné, Daomé, Sudão...


De uma mescla tão intensa, a obra de Carlos Gomes iniciaria uma nova história dentro da música brasileira e seu evolucionismo, história da qual sua música far-se-á, também, determinante. Diversos compositores latino-americanos comprometeram-se a “cantar a sua terra” através de uma música independente, que, dentro do possível, libertasse-os do sedimento da música produzida na Europa, permitindo-lhes alcançar uma expressão nacionalista genuína. Não há dúvidas que Carlos Gomes é o pioneiro nesta luta, que mais tarde, seria assumida por nomes como Alberto Ginastera, Carlos Chaves, Manuel Ponce e, claro, Heitor Villa-Lobos. Um bom exemplo prático desta busca por uma identidade nacional que podemos retirar da obra de Carlos Gomes, encontra-se em suas peças para piano, onde ritmos populares e folclóricos, como o lundu, ganham uma roupagem erudita sem perder as características primevas que lhe serviram de influência. Mas não confundamos as coisas; Carlos Gomes se utiliza de elementos populares à sua maneira , criando um folclore pessoal nascido de um trabalho de autenticidade, dando ao elemento popular, uma nova face que é o rosto do eruditismo, como, mais tarde, também fariam, Nepomuceno, Villa-Lobos, Bartók, Falla e Stravinsky.


Apesar da inquestionável qualidade de sua obra e de seu caráter inovador e genuinamente nacionalista Carlos Gomes amargava, ao lado dos inúmeros elogios que recebia, tanto aqui como “nas terras d’além mar”, críticas severas e injustas que, na grande maioria das vezes, não passavam de puro depreciatismo, acusando-o de um mero imitador da ópera italiana, e, pior ainda, de ser um “capacho” a serviço da dominação européia – vejam que estas idiotices típicas dos comunistas já estão presentes por aqui faz um bom tempo – e cuja obra nada traz de inovador e, menos ainda, de brasileira. Tal calúnia atravessaria os séculos, principalmente com o “fervor de inovação” e de “desprezo ao passado” e “às raízes” promulgadas pelo modernismo paulista de 1922 e que transformaria Carlos Gomes em um dos primeiros exemplos de como as ideologias podem espalhar nuvens de ignorância difíceis de dissipar.


Na verdade, sua música era tão européia quanto tinha de ser e é sempre bom lembrar que, por mais que o espírito revolucionário estivesse no cerne do Romantismo, ele ainda se regia por regras específicas seja na poesia, na pintura, na arquitetura ou na música, e seguir estas regras era tão imperativo, aos românticos, quanto, desprezá-las, era dever dos modernos. Além do mais isso não impediria que Carlos Gomes fosse, dentro das possibilidades abertas pela escola romântica, um inovador e, independentemente de tal intuito, um gênio incontestável. Esta genialidade foi aproveitada ao máximo pelo maestro, transformando-o, ao que até agora eu sei, na primeira celebridade internacional da história do Brasil... e com total merecimento.





II



No século XIX, estrear várias óperas na Europa, principalmente na Itália, era uma consagração almejada por qualquer compositor (mas alcançada por pouquíssimos), sobretudo se ele não era italiano, ou, pelo menos europeu; imaginar, então, que este compositor fosse um brasileiro, tornaria esta consagração ainda maior do que já era; e foi este o caso de Antônio Carlos Gomes, que, em 1870, e sua ópera, O Guarani, de inspiração literária em um dos mais célebres romances da Literatura Brasileira, estreariam em Milão. O sucesso era o esperado, levando-se em conta o forte “italianismo” da ópera, o que não a caracteriza como mera imitação, à maneira de Verdi, como quer a maioria de seus detratores, muito menos plágio ou falta de nacionalismo. Simplesmente, em O Guarani, Carlos Gomes aplicou fómulas que eram de extrema necessidade aos modismos de sua época, principalmente no meio onde se apresentara, para garantir a aceitabilidade de sua música.


Desde os primeiros acordes em que se apresenta o tema introdutório d’O Guarani, por exemplo, ao tipo de ordenação temática da Overture, tudo obedece a clichês utilizados pela grande maioria dos compositores operísticos da Itália, ou de quaisquer países onde era imperava o italianismo. O prelúdio, em forma de fanfarra, é uma função teatral que muito bem ilustra esta influência e com a qual Carlos Gomes inicia sua ópera mais famosa. A primeira aparição deste tipo de “anúncio” remonta, talvez, a Monteverdi, mas já se é possível identificar semelhante formação em Bach e Escarlatti. Mas, sem dúvida foi Lully o primeiro a criar verdadeiras aberturas dramáticas. Essas “Aberturas” à francesa que pouco a pouco invadiu os teatros da Europa era formada por uma parte lenta, seguindo-se a uma mais rápida – num estilo, muitas vezes, fugato – para se concluir numa última parte que é uma repetição abreviada de seu início. No entanto, seu desenvolvimento, na Itália, deu-se de forma muito distinta, seguindo um modelo VIVO – LENTO – VIVO, recheado de um profundo melodismo; melodismo este que fugia a quaisquer influências francesas.




***



Somente na segunda metade do século XIX surgiu um tipo muito novo de abertura operística que consistia em uma espécie de pout-pourri e a abertura alemão, à maneira de Ludwiving von Beethoven e Carl Maria von Weber, além de se prelundiar com a fanfarra monteverdiana, além de possuir um claríssimo conteúdo melódico refinada com uma das melhores orquestrações já ouvida neste tipo de composição – algo que só se poderia realizar pelas mãos hábeis de um grande músico.

Essa mistura de estilos já seria o suficiente para ilustrar o caráter inovador de sua obra, além de se utilizar de elementos da música negra, e de seus mais diferentes ritmos, e da figura indígena criada pelo romantismo de José de Alencar que, por mais europeizada que fosse – e devesse ser – representava, como nenhum outro símbolo, o nacionalismo brasileiro. Carlos Gomes iniciou sua carreira no italianismo para termina-la com um estilo muito próprio e com uma personalidade que o faria passar para a História da Música como um de seus maiores compositores... doa em quem doer.





Candeias, agosto/novembro de 2009





Aproveitem e ouçam a abertura d' O Guarani e a belíssima e popular modinha (mas que só poderia ter sido feita por um compositor erudito) Quem sabe?, pois, enquanto isso, em Brasília, é sempre 19:00h.



http://www.youtube.com/watch?v=seNrjXhTOBA


http://www.youtube.com/watch?v=TNlcdN-HvIU



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