quinta-feira, 18 de março de 2010

I ALSO THROW IN ANDY WARHOL... OU A NEFASTA ONIPRESENÇA


Andy Warhol (1928-1987)... Sua maior "obra de arte" foi ele mesmo.


A famosa lata de sopa Campbell’s... por que não uma de Quik?

Mao Tse-tung por Andy Warhol... baton e olhos pintados como uma "tia" louca: representação com conhecimento de causa.


Qual o artista mais representativo do século XX, caro leitor? Por mais complexa, e capciosa, que possa parecer, não seria algo difícil de responder se isso fosse perguntado à ávida turbamulta louca por uma câmera de TV, 15 segundos de fama e a chance irremediável de exercitar o seu achologismo.

Pablo Picasso, diriam alguns; Salvador Dali, afirmariam outros; Cândido Portinari, berrariam os mais nacionalistas... Todos os três geniais; os dois primeiros, além de grandes artistas, souberam fazer da auto-imagem um instrumento a mais de celebração e excentricidade; o segundo mais do que ninguém, foi símbolo de extravagância e talento. Porém, com a celebração do octogésimo aniversário, em 2008, que só agora me dou conta, e com a abertura a amostra Andy Warhol, Mr. América, com 170 obras de sua autoria, neste próximo dia 20 de janeiro, na Pinacoteca de São Paulo, não posso me esquecer de Andrew Warholam mundialmente conhecido pelo nome de Andy Warhol. Não pela sua genialidade ou por talento, coisas que, verdadeiramente, nunca teve, mas pelo fato de ter sido, entre os artistas do século XX, o que melhor entendeu que nada é mais importante no mundo do que a imagem, principalmente no mundo moderno, e a auto-imagem, mais do que qualquer outra, é o mais poderoso mecanismo de manipulação, tanto para a sua arte quanto para a sua autopromoção e, por isso, mesmo, tornou-se impossível olhar para a arte do século XX e não enxergar suas obras, por mais pífia que elas podem ser.

Andy Warhol, como o caríssimo leitor pode ver, não é o meu artista preferido – e não o seria nem se, infelizmente, ele fosse o último pintor na face da Terra, se vivo ainda estivesse –, e está a séculos-luz de ser o mais genial entre os mestres do século anterior, vivos ou mortos, verdadeiros ou falsos; aliás, concordo veementemente com o crítico da Times, Robert Hughes, que, em entrevista à revista Veja, afirmou que Warhol era do tipo que não tinha nada a dizer e não tinha dúvidas de que a sua reputação é a mais ridiculamente superestimada de todo o século passado.

Olhar para um quadro de Warhol é uma forma fácil para qualquer imbecil se sentir o mais superior dos homens; estar diante de suas obras é um convite a frases do tipo: “meu sobrinho, na quarta série, faria melhor” ou vou colar uma embalagem de Maizena numa tela, pô-la num museu e ficar famoso”. Então, por que me concentrar e escrever, mesmo que meras duas linhas, sobre ele e seu trabalho. A questão não é o que Warhol contribuiu de benéfico para a arte – que equivale a porra nenhuma –, e, sim, a contribuição malévola de seus trabalhos para com algo que ele nunca conseguiu compreender nos seus 58 anos de vida, embora estivesse sempre muito crente do contrário.


Nos anos de 1960, Andy Warhol daria a guinada fundamental em sua carreira de “artista plástico”, utilizando-se de motivos e conceitos da publicidade em suas obras, com o uso de cores fortes e brilhantes, reinventando a Pop Art com a reprodução mecânica de seus serigráficos, tematizando o cotidiano, edulcorados por artigos de consumo que, não raras vezes, são a única essência de todo o seu trabalho, como as reproduções de latas de sopa Campbell’s e das garrafas de Coca-cola. Numa época em que a produção artística torna-se, quase que totalmente, massificante, distribuída por mecanismos de produção em massa, seus quadros, representando figuras icônicas da Arte Clássica ao lado dos da Cultura Pop, como a Monalisa e os múltiplos rostos da Marilyn Monroe, e sua famosa e repetida frase – lema de todo reality show: “In the future, everyone will be famous for fifteen minutes”, podem parecer profecias, mas, na verdade, são prenúncios de um minuncioso trabalho, em grandecíssima escala, que visa não menos que a destruição dos conceitos e das categorias tradicionais do gosto, cujo resultado pode ser visto, nos dias de hoje, em qualquer campo artístico: quando qualquer toque de atabaques vale o mesmo ou mais do que um concerto de Chopin, ou uma macaca de chocolate é muito mais artístico, e menos pernóstico, do que um quadro de Ticiano.

Se o leitor acha que exagero, convido a ele, e a qualquer um, a fazer uma minuciosa pesquisa sobre as principais tendências que sobrelevavam nos Estados Unidos, no século XX, entre os anos 50 e 60. São duas: o Expressionismo Abstrato que, também não era lá grandes coisas, tendo Jackson Pollock como seu principal representante e a Pop Art, com Andy Warhol como seu ícone maior. O primeiro buscando, através de um traço sincero, a mais pura manifestação da subjetividade. O segundo, pela transformação “em arte” de objetos comuns do cotidiano, buscou nada mais do que a valorização dos aspectos superficiais do mundo. Siente destas coisas, quem se debruçou em fazer tal pesquisa – estando esse imbuído de sérias finalidades – só chegará a uma conclusão: a de que a única autenticidade de Andy Warhol foi ser um artista para os ineptos em matéria de arte, vendendo para estes mesmos ineptos, uma falsa ilusão de inteligência, elegância e realidade. E se ainda pareço exagerado, o livro Andy Warhol (Icons of América), do professor Arthur C. Danto para dizer a mesma coisa que digo... sem o apoio do Ph. D, no meu caso.

Para Andy Warhol, pessoas, eventos e produtos dependiam unicamente da exposição contínua, principalmente nos meios de comunicação de massa, assim, segundo ele, “existiam aos olhos do público”, que não precisava entender de arte ou de estilo ou, muito menos, de gosto, pois se estava o tempo todo na TV, por exemplo, é porque era bom, é porque era artístico e ninguém questionaria tal coisa; desta forma, Warhol formula a seguinte receita de sucesso, dividida em três partes.

Primeiro passo, usar um produto comum, sem quase nenhum, ou mesmo nenhum, truque formal ou técnica apurada a desafiar a menor das inteligências, dando a impressão de que a arte é algo frívolo, fácil e acessível à inteligência mais mínima, à prática, e, pelo menos em sua, digamos, “matéria-prima”, ao bolso, pois quem não pode comprar uma lata de feijoada enlatada? Uma garrafa de refrigerante? Uma foto de um símbolo sexual, facilmente encontrada em qualquer oficina mecânica?

Segundo passo, depois fazer uso deste produto em todos os meios de comunicação, principalmente quando estes “trabalhos artísticos” já são, de certo modo, partes destes meios, expondo-os e produzindo-os exaustivamente. Na era dos muitos reality shows e do YouTube isso faz mais do que sentido. O que não faz nenhum sentido é a arte, cuja função não é menor que tornar as coisas menos maçantes e dolorosas por serem o mundo e a vida pequenos demais para a enorme angústia que é fazer parte da Realidade, ser reduzida a um mero esboço daquilo que ela mesma, em sua essência e função, torna maior e mais bela. Desta forma, incapaz de alcançar a arte pelo talento, Warhol, como todo narcisista tomado de inveja e frustração, desdenha daquilo que sempre desejou e tinha ciência de que jamais o obteria.

Discípulo aplicado das monices artísticas de Duchamp, a vida de Andy Warhol não se limitou a retratar o mundo das celebridades, ele próprio foi a sua maior “criação artística”, e nisso se encontrava o seu terceiro e último passo para a sua receita malévola de destruição dos conceitos tradicionais e verdadeiros da Arte, do Gosto e da Estética. Com o ar petulante e ridículo, análogo àqueles coitados que, acabando de sair do Big Brother Brasil, acreditam ter vencido o mais rigoroso dos rituais de transcendência moral, filosófica e espiritual, Warhol sempre achou possuir o mundo aos seus pés. Gay assumidíssimo, narcisista compulsivo, adorava passear ao lado de celebridades, freqüentar festas e lugares badalados, com as mais extravagantes roupas e as mais despudoradas perucas – Lady Gaga, eis, aí, a tua Mãe! –, sem contar o fato de transformar a Factory, seu ateliê, em Nova York, na mais disputada boate da cidade e, depois de tudo, fazer deste carnaval a única e verdadeira forma de arte possível. Sua vaidade não diminuiu nem depois dos tiros que levou de uma feminista maluca – perdoem-me pelo pleonasmo –, chamada Valerie Solanas, fundadora, e única membro, da SCUM ( Society for Culting Up Men), literalmente: Sociedade para a castração de homens – mesmos os homens como Andy Warhol.

Ninguém é mais responsável pela auto-complacência e pela vulgaridade daquilo que se chama Arte Contemporânea ao que Warhol. Sua capacidade de destruir as coisas não se limitou às artes plásticas nem a sua pessoa, basta olhar, caro leitor, a fortíssima influência que suas “idéias” em outros campos artísticos. O Concretismo, por exemplo, nada mais é do que a versão Andy Warhol para a poesia... a cagada é a mesma: arrancar da Arte, seja ela plástica ou literária, a sua natureza mais íntima e essencial, substituindo-a por sua forma mais banal e caricata. Mas, de maneira geral, as palavras de Robert Hughes podem ser contestadas, pois Warhol está longe de ser superestimado, pelo menos por mim, porque, desde os anos 60, não há exemplo melhor do que ele para mostrar a quem quiser enxergar que não se deve subestimar o poder da Idiotice... principalmente quando se dá razão a um idiota.





Candeias, 18 de março de 2010.




Um comentário:

Bernardo Linhares disse...

VERNISSAGE CONTEMPORÂNEA

O barman da abertura desabafa:

- Olhos vermelhos, fundo de garrafa,

esses contemporâneos, ninho de artrópodos,

só não desconstruíram o O com o copo.