segunda-feira, 1 de março de 2010

O HOMEM E SUA SÍNTESE: OU FELIZ ANIVERSÁRIO, FRÉDÉRIC CHOPIN ( 1º DE MARÇO DE 1810 – 17 DE OUTUBRO DE 1849)


Frédéric Chopin na visão de Ary Scheffer


A única fotografia conhecida de Chopin, feita por Louis-Auguste Bisson em 1849.


Uma vez ouvi de um estudante, aqui, do Curso de Letras Vernáculas da Universidade Estadual de Feira de Santana, a seguinte afirmação: “Não gosto de Chopin”. Até aí tudo bem, gosto não se discute – se aprimora –, mas não pude conter a curiosidade e lhe perguntei: “Por quê?”. Antes não o tivesse feito, pois a resposta do infeliz só me fez ver, mais uma vez, o quanto de idiotice se pode facilmente encontrar e, pior ainda, produzir nas nossas Universidades: “Não gosto de Chopin porque ele é muito melancólico”. Após ouvir tão articulado rincho, tomei a atitude que melhor cabia a alguém com o mínimo de bom-senso, ou seja, repugnei-o, afastei-me, e, miudamente me recompondo, avaliando o que não perdera, segui vagaroso e de mãos pensas.

No que eu não podia acreditar era que a frase párvoa de um dos futuros professores de seus filhos, caro leitor, despertara-me algumas reflexões com respeito ao Gênio de Zelazowa Wola. Não que eu estivesse a filosofar sobre a chocolaridade do chocolate, como queria a despropositada afirmação de nosso futuro educador, mas não pude deixar de pensar que se há alguém capaz de sintetizar todas as qualidades do Romantismo e, ao mesmo tempo, seus piores defeitos este é Frédéric Chopin. Como as figuras mais tarimbadas que, comumente, conhecemos em nosso romantismo literário, tais como Castro Alves e Junqueira Freire, sua vida foi curta, ainda que tenha vivido um pouco mais do que os bardos baianos, mas intensa; triunfal, mas cheia de péssimos momentos; de sonhos não realizados, mas cheia de glória e reconhecimento.

Sem dúvidas, a figura de Chopin foi, ao longo de quase dois séculos, carregada de um sentimentalismo que lhe infundiu uma falsa fraqueza física facilmente desmontada se tomamos conhecimento de seu incansável trabalho como concertista e lhe consagrou como homem de profunda força moral e inigualável talento – no que se refere a este último, e à sua precocidade, somente Mozart lhe é análogo e, assim como Mozart, soube tirar grande proveito desta precocidade, como soube muito bem tirar proveito da imagem heróica com a qual chegou a Paris, em 1831, e como se aproveitou até mesmo da imagem de moribundo recluso quando a tuberculose atingiu a sua fase mais cruel, pois nunca se editou e vendeu tantas músicas, àquela época, como aconteceu às obras que Chopin produzia em seu exílio em Majorca.


Frédéric Chopin nasceu perto de Varsóvia, capital da Polônia, em 1º de março de 1810, filho de um francês imigrante com uma jovem pianista de tradicional família polonesa, não é à toa que Chopin se ligará à música desde muito menino. Foi com a mãe que, com apenas seis anos, teve as suas primeiras aulas de piano, que, logo, seriam assumidas pela batuta de Adalberg Zwyny, que lhe infundiria, o quanto antes, a música de Bach e de Mozart. Aos sete anos, viria sua primeira composição, uma polonaise. Aos oito, o primeiro concerto. Com dose anos, após tocar na Rússia dos Czares e para o grão-duque Constantino, Zwyny nada mais tem a lhe ensinar. O jovem Frédéric agora estuda num conservatório local com o maestro Josef Elsner que influenciaria tanto a sua visão de música quanto de mundo. Não demorou que o gênio precoce chegasse à Paris, centro artístico e intelectual do mundo àquela época, causando grande fervor e deslumbramento que muito pouco afetará a sua personalidade.



Chopin era conservador e ordenado e, à menor falta de elegância, incomodava-se verdadeiramente. Como em todo personagem romântico, as ideologias e os estilos mais antagônicos conviviam de igual para igual e, embora o Romantismo fosse um movimento de protesto apaixonado e burguês (em sua origem), Chopin sempre se viu como um aristocrata; era um burguês pobre, mas educado nos costumes aristocráticos; de alma aristocrática. Vivendo entre o sonho morto da Revolução Francesa e da próxima, que entusiasmaria outros românticos como Richard Wagner, a única revolução da qual Chopin se associaria foi àquela que ele fez ao piano. Nunca ninguém compôs tanto, e com tamanho afinco, para um instrumento em particular como o fez Chopin e, depois dele, só Rachmaninoff lhe é, de longe, comparável.



Um amigo violinista, certa feita, lamentava-se ao ouvir um noturno de Chopin, de não haver alguém que compusesse assim para o violino; ao que lhe retruquei: e Paganini? Ele me respondeu: “Paganini compunha para ele e não para o violino...” Confesso que não concordei, totalmente, com a afirmativa, mas o que ele me disse, graças a Deus, não era uma asneira...)



Se Chopin não se associa ao espírito revolucionário que é um dos pilares fundamentais do movimento romântico, abraça, como nenhum outro, os excessos sentimentais, o nacionalismo e o gosto pelo folclore, até então, de uma forma jamais vista. Com um senso de humor cáustico, extremamente orgulhoso, socialmente disciplinado, tuberculoso e de vida amorosa, digamos, exígua, Chopin é, bem à maneira dos românticos, alguém que precisa viver com intensidade para tudo que lhe seja crível, porém, pouco lhe oferece quando lhe é pedido e menos ainda recebe quando vê que nada é o bastante. Esse jogo antitético é tão presente em sua música que ora passeamos por uma doce e coerente melodia e, de repente, nos encontramos no meio de escalas e acordes que explodem sucessivamente ascendendo e descendendo numa fúria inexplicável e sincera, movendo-se apenas pela proliferação de diferentes sentimentos que cada nota expressa e desperta, como se pode notar na grande Polonaise brilhante, precedée d’un Andante Spianatto, em mi bemol maior, op. 22, e, seguidamente, na Balada nº1, em sol menor, op. 23... aliás, caro leitor, já assististe ao O Pianista de Ronan Polanski?

De fato, a vida amorosa de Chopin concentra-se e se resume a três mulheres, Costância Gladkowska, a quem ele dedicara a Romanza do Concerto para piano e orquestra em mi menor, op. 11; Maria Wodzinska, a quem oferece a famosa Valsa do adeus; George Sand (Aurora Dupin) a quem Chopin, à primeira vista, considera-a antipática, além de duvidar de quaisquer sinais de sua feminilidade. George Sand será seu grande amor e sua mais amarga sina; ela terá, em Chopin, uma forma de nutrir a sua “solicitude maternal”, segundo ela própria; ele terá, em George Sand, o mais próximo do que recorda ser uma família – coisa que não experimenta desde a sua partida da Polônia. A verdade é que esta relação fez bem a Chopin, e os nove anos que passam juntos são os mais felizes para o homem e os mais férteis para o compositor... Todavia, como nem tudo são flores, o período em Majorca são os mais propensos às suas hemoptises.



Se outro amor existiu na vida de Frédéric Chopin, este foi o mais duradouro; um casamento que o acompanhou até mesmo após a sua morte: o amor à Pátria. Clássico e romântico é o fato de Chopin ter carregado, por toda a sua estada em Paris uma caixinha com terra de sua amada Polônia; mesma terra que seria jogada em seu corpo durante suas exéquias, antes de ter coração arrancado e, segundo sua vontade, enterrado na Igreja da Santa Cruz, em Varsóvia. Em termos práticos, este amor a sua terra-natal produz uma música de devoção e saudade. Chopin, na infância, vivia perto do campo e, nesta atmosfera bucólica, manteve grande contato com o folclore polonês e com a música de cunho popular como as mazurkas, os obereks, os kajaviaks, as polonaises... Guardadas na memória, estas músicas lhe serão de inspiração para o resto de sua vida; só de polonaises escreverá dose ao longo de sua vida; elas estarão presentes, por exemplo, em sua primeira composição, uma Polonaise, em sol sustenido menor, e nas últimas, uma Polonaise fantasia, em dó menor, op. 61.

Não pensemos que Chopin fez com as polonaises uma mera transição destas manifestações populares, elas são criações de seu autor que, embora conserve e se apodere, até certo ponto, do caráter rítmico da dança popular, é na linguagem da música erudita que ele as molda. Sendo mais claro: não há dúvidas de que as lembranças de sua infância campestre e as canções e danças populares que a embalavam foram uma valiosa fonte de inspiração para toda a sua obra e talvez isso contribua consideravelmente para a famigerada “popularidade” de Frédéric Chopin entre tantos compositores clássicos, que se aliam, evidentemente, às belas e perfeitas melodias por ele criadas. Todavia, caro leitor, não é bom confundir as coisas, pois Chopin utiliza um folclore, em especial as polonaises, à sua maneira e dentro de uma linguagem típica da música erudita, com uma inspiração nascida de suas lembranças, criando, assim, um folclore pessoal e autêntico, de uma nova espécie, não uma imitação ou mera transcrição.



Desta forma, Chopin foi o pioneiro de uma forma de recriação, mais tarde, utilizada por mestres como Bartók, Kodaly, Smetana, Albeniz, Falla, Granados, Prokofiev, e, claro, Stravinsky, Villa-Lobos e Edino Krieg. Ora, vivemos numa época deformada pelo “politicamente correto” e, por isso mesmo, por uma moral e uma democracia deturpadas e estúpidas, com respeito a muitas coisas, inclusive à estética, que dilui as categorias tradicionais do gosto ao ponto de a dignidade alheia ser ofendida. Desta maneira, se é possível ouvir por aí que não existe diferença entre um samba-de-roda do Recôncavo baiano e uma Bachiana de Villa-Lobos e que, muito provavelmente, o primeiro contribua muito mais para a cultura e para a formação educacional de nosso país do que o segundo – não é à toa que, nas avaliações do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), estejamos sempre disputando o último lugar. Para piorar, toda uma linha de pensamento crítico-relativista, ligada aos movimentos sociais de esquerda (sempre os mesmos canalhas) tendem a interpretar o gosto estético refinado como um mecanismo de denominação ou como uma visão falsa e irracional sem sistemas ou provas, como teorizaram Pierre Bourdieu e Susan Sotang. Mas, a obra e o espírito aristocrático de Chopin são um dos muitos exemplos de que esta baboseira esquerdo-idealiasta não terá vida longa e nada significa ou significará diante dos já duzentos anos de grandeza que é a sua música.



Frédéric Chopin foi um inventor de gêneros – o primeiro de uma leva que atravessará todo o século XX – que, em vida, jamais se descobriu como tal e, talvez, nunca o quisesse, entretanto, soube se elevar a esta categoria como provam os seus muitos nuturnos, imprumptus, valsas e baladas. Quando ouvimos estas peças percebemos o quão era correta a frase de seu amigo Liszt, ao referir-se aos seus prelúndios: “a estrutura desta obra assemelha-se a de figuras geométricas perfeitamente desenhadas, nas quais todos os elementos estão em seu lugar exato e não há uma linha a mais se quer”.

Em verdade, toda a obra de Chopin é carregada de uma dramaticidade perfeitamente calculada, ora prezando por lugares comuns, intocáveis, como é o caso dos malabarismos rítmicos das polonaises, ora inovando em estilos há muito consagrados, como é o caso de suas valsas; Chopin, e, junto com ele, Schubert, elevará este gênero musical à categoria de obra de arte maior, transformando-a de uma música frívola e melancólica, até então, numa dança onde o virtuosismo se une ao ritmo alegre e cadenciado. Isso sem falar em seus noturnos... De toda a sua obra, são os noturnos as composições que melhor expressam a profusão de sentimentos existente em seu compositor. Segundo o crítico musical, Eduardo Ricón: “os noturnos são uma parte do sonho e refletem tudo o que existe de mais belo e inexplicável na arte e os que melhor traduzem os sentimentos do homem que foi Chopin, os que melhor descrevem os pensamentos que chegam com a obscuridade e se misturam com o medo: da morte, da doença, da miséria própria ou alheia, a piedade, o amor...”



Frédéric Chopin foi uma força única no meio artístico romântico, uma artista de uma personalidade tão singular que até o mais inapto ouvinte – mesmo aquele imbuído das tolices relativistas – é capaz de reconhecer, com total facilidade, as suas melodias. Por causa desta personalidade, seria impossível não existiram imitadores, e, menos ainda, uma influência que se fará sentir por toda a Europa na segunda metade do século XIX. Só para termos uma idéia, caríssimo leitor, de seu imenso prestígio e preponderância, podemos reconhecer traços de sua personalidade musical em nomes como Liszt, Scriabin, Tchaikovsky, Fauré, Debussy e, pela imensa dedicação que, também, deu ao piano, Rachmaninoff.

Uma personalidade tão imensa não poderia passar incólume diante de tantos detratores que, entre tantos despautérios, o acusariam, de excessivo, em seu romantismo, como se o próprio Romantismo não pedisse isso, e de elitista, como se houvesse algum problema em pertencer a uma elite, por causa de sua carreira e sua música se restringirem aos salões e aos bailes. Incapazes de perceberem o óbvio, graças as suas ideologias de ninharia, estes detratores não percebem que, assim como toda a sua obra, tal atitude por parte de Chopin é fruto de sua personalidade aristocrática, de sua elegância espiritual que o fazia desprezar toda frivolidade, grosseria e estupidez muito comuns numa Paris que tanto poderia ser o berço do bom-gosto como o de futilidades. Mas como fazer com que imbecis como Bourdieu e Sontag, e outros tantos que concordam com seus relativismos, entendam o que significa elegância de espírito se um dos melhores sinais desta elegância é refrear seus impulsos exibicionistas, típico de todo idiota narcisista, ao emitirem opiniões sobre assuntos que estão acima de sua competência e compreensão?

Alguém, aí, ainda acha Chopin melancólico...?!







Candeias, 1 de março de 2010

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