segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

UM POEMA DE NATAL...

A Adoração de Caravaggio (1609), Óleo sobre madeira, 314 X 211 cm, Museu Regional de Messina.


UM POEMA DE NATAL

(por Silvério Duque)






[à maneira de Jorge de Lima]



      Do alto 
      me vi:
meu coração é o mesmo sobre as pedras
ou no ventre faminto dos insetos
e tudo que ontem brilhou
será chama novamente
a noite então desaba por sobre os portos
e outras sombras cairão em meio aos olhos
que continuam abertos para a morte
e outros corpos em vão virão à praia
a procura de um mar para engoli-los
sonhando acordado vi o céu translúcido
oboés distantes
amantes perdidos
igrejas desertas
meus pés sobre a terra
minhas mãos por entre os céus
em minhas asas todos os infernos
já não sei o que existe no Universo nem por detrás das coisas obscuras dos eclipses das noites dos dias das coisas mudas das coisas sem nomes sem início sem retornos ou mar ou horizontes sol estrelas vidas desejos vãos razões necessidades loucuras diademas conspirações do amor e dos espinhos
sou todo asas
sou todo leis
sou cetro
escudo
verbo
a carne destes verbo
seu alimento
anjo arremessado e anjo terreno
estátua de sal e de espinhos
chagas
cruzes
inesperado caminho:
canto o que amo
amo tudo que morre
     o abandono
     o acabar-se
e em tudo existe o mesmo sopro
o mesmo brilho
a mesma razão e propósito
               a mesma noite

é este o meu amor e o meu lamento
tudo que fui e sou é só saudade
e a realidade é apenas doce invento
porque de sombras vive a claridade

jamais me transportei em pensamento
para além desta morte que me invade
e o que interessa a mim cada momento
se já não me apetece a Eternidade?

mas nunca é mais que idéias os instantes
essa pobre ilusão chamada vida
cheia de sons e lumes incessantes

 – recordas-te de mim, grande Lusbel
para além desta memória dolorida
e da torre maldita de Babel


e
tudo
tudo que o amor cegou agora vê
a já não eram mais nem
corpos nem escombros
barco sem mar
 sem céus
 e
 sem destinos
e há bocas bem abertas esperando
pr'um renascer de sombras e mistérios
assim
me convenci
destas presenças
destas estrelas que as manhãs engolem
porém
minha sede já não é de água
faminto fui das mais diversas fomes
sem retornar aos céus
ou a velhas ilhas
vi o mar devolvendo velhos corpos
e havia apenas pelo espaço inteiro
o mesmo
ar
que há nos ventos e nos vermes
e as coisa a que os anjos se assemelham
ah, sobre os olhos de
  Deus
tudo se acaba
e revive outra vez para o Seu nome...