quinta-feira, 24 de março de 2011

OFICINA DE ESCRITA CRIATIVA COM O POETA RODRIGO PETRÔNIO...







Professor Rodrigo Petronio*




Duração 5 encontros




Dias 3, 10, 17, 24 de novembro e 01 de dezembro – quarta-feira, das 18h30 as 20h30




Local Fundação Ema Klabin – Rua Portugal 43, Jardim Europa




Valor R$ 150,00 na inscrição + uma parcela de R$ 170,00




O objetivo da Oficina de Escrita Criativa é desenvolver alguns procedimentos técnicos ligados à escrita literária em ficção, poesia e não-ficção, sobretudo nas áreas de poesia, ensaio e conto. Como se sabe, a literatura tem um amplo arsenal de recursos dos quais os escritores se valem para produzir os efeitos desejados.




Mesmo na literatura contemporânea, na qual há uma flutuação muito grande de estilos, propostas, padrões e normas, é possível chegar a alguns critérios objetivos, que nos levam a compor um texto de maior ou menor qualidade literária. O objetivo do curso é justamente dar instrumentos teóricos e práticos para aqueles que se interessam por literatura e desejam refinar as técnicas de escrita.




Aula 1:Conceitos fundamentais de poesia, poeta, poema e poética. Distinção entre esses vários termos à luz de alguns poemas. Distinção de gêneros. Limites entre poesia e prosa. Prosa poética e poema em prosa. As três unidades fundamentais da poesia: imagem, música, conceito. Coisas a serem evitadas: clichês, redundâncias, cacofonias, lugares-comuns, inverossimilhança, ludismo, conteudismo, expressão de sentimentos, entre outras. Produção de texto a partir de temas sugeridos.




Aula 2:O reino da imagem. A importância da imagem na literatura. Analogia x Ironia: os dois signos da modernidade. Os usos da imagem. Teoria das correspondências. A imagem poética: definição. Leitura de escritores da imagem. Escrita de textos utilizando imagens.




Aula 3:A música acima de tudo. A importância da música na poesia. Música e prosódia: entre o canto e a fala. A teoria das sugestões e a musicalidade. Distinções entre ritmo e metro. Polirritmia e verso livre. O ritmo na prosa. Ensaio: a cadência do pensamento. Leitura de escritores que exploram as possibilidades do ritmo seja na prosa ou na poesia. Escrita de poemas utilizando ritmo e música.




Aula 4:Literatura e pensamento: a beleza pensada. A importância do conceito na poesia. Poesia e filosofia. A doutrina do conceito engenhoso. Distinções entre conceito poético-literário e conceito intelectual. Leitura de poetas do pensamento. Escrita de poemas utilizando recursos do conceito.



Aula 5:Leitura crítica da produção final dos textos dos participantes. Fechamento de principais ideias levantadas ao longo do curso sobre as técnicas que podem ser usadas na escrita. Coletânea dos textos produzidos e leitura final como preparativo de um pequeno livro dos participantes.

*Rodrigo Petronio é editor, escritor e professor. Formado em Letras Clássicas e Vernáculas pela USP. Professor e cofundador do curso de Criação Literária da Academia Internacional de Cinema (AIC), professor-coordenador do Centro de Estudos Cavalo Azul, fundado pela poeta Dora Ferreira da Silva, e coordenador de grupos de leitura do Instituto Fernand Braudel. É membro do Nemes (Núcleo de Estudos de Mística e Santidade) da PUC-SP. Autor dos livros: História Natural, Transversal do Tempo, Assinatura do Sol, Pedra de Luz e Venho de um País Selvagem, entre outros.

quarta-feira, 23 de março de 2011

ENTREVISTA...


Silvério Duque (31 de março de 1978... )
Caríssimos,


Segue, em primeiríssima mão, uma entrevista que concedi ao poeta e jornalista Hilton Valeriano, para o blogger POESIA DIVERSA.


Espaço poético de qualidade, como muitos, se procurados, que podem ser encontrados pela Internet, e que nada custou aos cofres públicos.


Confiram e comentem.



Um grande abraço,



Silvério Duque







sábado, 12 de março de 2011

O CRÂNIO DOS PEIXES...


Imigrante de Iman Malek, ( 53X37) pastel sobre cartolina, 2003, coleção poarticular.

a Agostinho Ribeiro do Nascimento
e família.; a todos os Ipiraenses de vão-e-vem como eles...



Un souvenir heureux est peut-être sur

terre plus vrai que le bonheur
A. MUSSET












I



– A rodoviária é sempre a mesma
aglutinação de almas a se moverem.;
cada uma com seu vazio diário ao passo
das coisas perpétuas – são os mesmos tipos
diferentes dos mesmos rostos multiplicados, tão
longínquos e sombrios à incansável
jornada de cada dia, por dentro daquela
mesma matéria a cada minuto mais
exposta, a cada passo mais restrita, e, em
cada palavra não dita, uma perdida
urgência de viver...

É aqui que meus instantes declaram
sua existência descontínua e fundamental.;
é na poltrona do ônibus que uma explosão
de vida me elabora por trás dos
seres que fogem.; é por sua janela
que os elementos se resultam
no fantasma incorruptível de meu destino,
na ponderabilidade incorrigível
do meu Espírito... na lembrança
distante de minhas melancolias e de todas
as hostilidades
– da identidade anterior de
todos os meus pensamentos...

Daqui parto, como a última e nenhuma
vez a partir de novo... daqui parto:
circunspecto, impreciso – mas, principalmente,
forasteiro: peregrino da minha e de tantas almas
como todas, talvez?!
Daqui parto, sobre a Asa fugaz
das rodas e da Estrada, ao lado de toda
tristeza profunda e ilegível, com o asfalto
( como a me indicar uma metáfora ) ou
com o meu companheiro de poltrona
a me mostrar, em seu imperceptível perfil,
o espelho de meus dias e de meus sentidos:
a denúncia de minha solidão
( e da sua ), à face fria da evasão
de todos os meus sonhos...

A pouco Feira de Sant Anna some ao longe:
naufragada nas rochas, no calor, e nas mãos penosas
do horizonte infinito.; sua imensidão, e sua
vulnerabilidade, dão lugar à Caatinga
consciente de sua Beleza e de sua Fúria
( faminta de tantas raízes e tantas líricas,
afogada sobre a imensidão fria e perene
dos Céus.; sobrevivente sobre
a tardia evolução das pedras e
dos homens, que com elas
edificam seus dias de tempo
e pó... ): revigorada de um erotismo
verde, a Caatinga toca os meus
olhos de unânime perfume e
consistência...


( Comumente a Caatinga tem a Morte
por amuleto, mas, por esses tempos, a vida
é sua máscara. Concretamente mudo,
o verde que deságua por essas terras
cobre-as de muitas esperanças fugitivas.;
feliz e forte em si mesmo
– e nos instantes que se desprendem
a cada um de seus passos –
o sertanejo sorri: alegre em vê-la,
como por uma primeira vez repleta de saudades,
com a feminilidade das terras que se
casam com o mar, e, entre
ele e sua filosófica longitude, declamam
sua matéria de eternidade afastada:
de vida azul sempre presente
e oculta... )

Angüera surge pequenina e surpreendente,
debruçada na cama dos morros.;
repousada de amor e desencantos
ora tardios ora secretos
e inanimados.
Sobre o tapete duro do prazer das
serras, Angüera, descrente e viva a
cada instante de amor, aproxima-nos
de si enquanto a estrada
a consome em memória...
enquanto a lembrança e o tédio
a semeiam em eclipse e vento
– em santificação letal e falsa
para o novo reencontro dos
antigos esquecimentos
que sempre voltam...

O carro, as pessoas e as esperanças,
cortam a carne da estrada ( nova e velha )
como, ao vencedor, a Morte zomba.
Miúdas certezas, miúdos beijos,
miúdos olhares sobre a claridade doce
das serras se envolvem no ônibus,
enquanto, indiferente, durmo para
tudo isso e busco um tempo
explodido entre os morros que anunciam
a mão esquelética da Transformação:
a síntese precária da natureza
sobre a criação que se extingue
de minuto a minuto,
de vivência em vivência de cada segundo,
de eternidade a eternidade
em cada herança de sono
d outras e d outras
vidas e Vidas...

( Serra Preta existe apenas no mistério
e nas migalhas do imaginário:
nunca a vi... sempre por trás
da paralisia encoberta da montanha
de verde e pensamento.;
sempre decifrada no nada
e naquilo que em mim sobrou de absoluto e bêbado
e que só sei que as tenho só por esquecer.
Serra Preta é uma música da
qual não me lembro de tê-la lembrado
alguma vez... Serra Preta é um
nome, uma rapsódia, uma epifania.;
uma narrativa sem fatos que
reconto a mim enquanto
Eu, os outros e o carro,
sangramos a estrada... )

As paradas que faz o carro são mais que uma necessidade:
são um enterro ( uma morte onde se caminha ) –
são uma existência que vai: depressa,
sempre correndo – a si mesma se levando.
Cada ponto de ônibus é um falecimento.;
cada viajante, que sobre o âmago
do ônibus despoja sua provisória vida,
é mais um morto na descida que leva longe:
longe demais do Viver, longe demais
das cores da Caatinga que,
com o curto tempo, desbotar-se-ão
com a Alma e seus homens
de cor e pedra e alma e sonhos...

Bravo vem manso, cansado...
quase imperceptível ao longe de seu entroncamento
que não leva a parte alguma de todos nós.;
o Bravo, ao contrário de Serra Preta,
não existe no mistério, mas é um
mistério, uma charada que se desvenda
a cada dia enquanto a morte se nos chega:
o Bravo é uma voz que até nós sobe
de tão simples, de tão mística, de tão
pressentida no vazio dos
ônibus sempre ocos...

( Os rios por essas épocas do ano
são como veias para os ossos da terra, para
os esqueletos das rochas e para o espírito dos
gados que se pensam – quase sempre sem sangue,
quase sempre esquálidos, abandonados
de soluções e de vastos mundos
por onde passam...
Os rios quase nada nos dizem de velharias,
de retirantes, dos corações perdidos
de pó e espinhos e gente e santos e mil diabos.
Os rios, como fios elétricos da terra
inumana e indesejada, sempre nos falam
do fazer falso do Novo.; do divino
por fora de todo perdido...
Os rios, mesmo na Caatinga,
são sempre novos, infantis – adolescentes,
talvez?! – mais imaturos como
nunca, mais jovens que a Eternidade
que ao mesmo tempo é velha
e transcende o tempo, as coisas
e suas almas,... e seus
vestígios... )

A serra ao longe, que a pouco era uma
menina, observa-me do alto de sua testa de árvores
e pedras como um Adamastor adoecido
– Pau Ferro fica logo atrás desse gigante
ingênuo: com seu perfume de lembrança
e sua metálica audição de granitos, bambus,
bananas e macambiras.; com sua imensa e inexplorada
longitude de poucos metros,
com seu colossal abandono de
pequenino.; seus abismos de pai ao lado
da materna dor do Nordeste
escondida no ventre dos sertanejos
que são um único fraternal e
fraco corpo.; Pau Ferro tem a cor do cheiro
das plantas sertanejas e a desilusão
de seus habitantes e de um tempo
que é, para sempre, ontem...
O amanhecer voa claro em Pau Ferro, e o colorido
do calor do dia sopra mais fundo em
minhas vistas.; e a ânsia de ultrapassar
os instantes dependurados sobre Pau Ferro
perdem-se em mim como estes últimos
versos com que chego ao quase
fim de minha jornada –
começada dia a dia entre o
sempre e derradeiro fim...










II






– Eu sinto Ipirá como quem chega de mim
ao chegar em seu abdomem de sangue
e mármore ( aliás, para que valeria
tanto chão e pressa
se cada hora
não fosse perfeita
sobre esse destino tão
presumível
e impossível de
se viver.;
do que valeria
tanto se cada coisa
sempre-mesma
se apresentasse a mim
indefinível...? ).; Eu
sinto Ipirá ao vê-la e ao pisar-lhe
o chão como peregrino que sou e de mim mesmo.;
Eu a sinto como quem sofre e como quem come.;
sinto-a em cada um de seus ares com
fincadas flechas nas aproximações
das crianças que aprenderam
a não ter esperanças e
algum dia
testemunharão
o grave frio das fúrias
que a alma nos entrega e
pede de volta na
mesma sã e
incorruptível
moeda.
Estou em Ipirá:
depositado e abreviado
de dias e compromissos
menos imediatos.;
estou em seu olho que
me parece vir...
estou em
sua velhice
e em sua vontade...
Estou no sono
de Ipirá
quando aqui
sempre chego e
Ipirá me espera ( Ipirá
me espera em si,
por dentro de mim e em
nossa sabedoria desmemoriada
por parecermos demais... – Ipirá me saudara... ) –
o Tempo muda rápido, numa vagareza mais do
que comum do tempo e seus artífices, e
o vigor do encontro é mais demorado
e um quanto que mais enérgico.
Pois, aqui, já dizia alguém da terra,
que sangue, suor e todas as
lágrimas dos dias
se misturam nesse chão
de barro e vida.
Os dias por aqui,
apesar do sangue, e da
transpiração dos dias e dos
muitos sentimentos.;
apesar dos homens e dos
porcos, das máquinas, das alfaces,
dos fumos, de suas mulheres
e de seus falimentos,
estão em minha tranqüilidade...
A feira é um gesto.; um
acordo entre
seres entrecruzados.;
um aperto de mãos abreviado
de vida e de longas descidas
pelo rio da morte
e da insatisfação
– a feira ( tão famosa e tão não
lembrada por tantos )
deposita sua voz
no lombo surrado dos
carros de bois
e dos homens sobre os carros
e sobre os próprios homens.;
permanecidos parados,
pedindo perdão aos seus
primeiros pecados
e palavras.;
parecidos, profundos,
profanados,...
parte por parte – repartidos.
Ipirá talvez seja
um rio de tão idoso
ou a própria morte
de tão forte e de tão
inegavelmente precisa.
Ipirá cabe em três palmos e meios
de minhas mãos
vista do Morro Alto,
e Eu caibo em sua
subjetividade
como quem se imagina
em matéria leve e
incorruptivelmente
bruta.
Mas nada é maior em Ipirá
que a sua desilusão
de mais de mil cabeças:
cabeças de gentes,
de porcos,
de bois, de galinhas,
de comércio,
de pasto e leite...
Calcada no infinito
profundo e desnecessário
dos morros e das fazendas,
Ipirá se move ao passo
dos jumentos que carregam
o mel da Caboronga
( a velocidade dos jumentos
é uma velocidade imprecisa –
é a velocidade da esperança e do
medo de toda esperança. )...
Ipirá é uma migalha orgulhosa
de Universo
ante à incompreensão
suja e santa
do próprio Universo...
Despida de Céus,
sua honradez desnecessária
germina-se dos verdes pastos
dos morros que são seu travesseiro.;
e de seus capins ( de um verde imenso
de vida e anulação ) –
tapete efêmero e irrecuperável
de suas obras cristalizadas –,
caem seus animais de ferro
e rocha e carne e espiritualidade
inumanas:
breves brados surdos das paisagens
inconcluídas de sua memória
e de seus braços atados
à suspensa pena
de intervenção definitiva
da concepção do tempo
como agente consciente da dissolução
das coisas...
Eu respiro Ipirá pelas narinas da noite
e pelos pulmões das madrugadas mais próximas e breves...
Sinto todo o seu perfume de profundidade e angústia,
de sensações de medo intensificados de suas
banidas lembranças e de seus momentos
maiores de dramática intensidade,
de seu determinismo, de seu
gozo profundo acompanhado
de dor tão forte e religiosa,
de sua reprodução e morte...
Ipirá aspira à vida em cada um
de seus paralelepípedos,
em um a um de seus becos.;
uma por uma de suas praças
e ruas quase infinitas
e que são nervos de seu cérebro
esquecido e lúcido
de loucura concreta e adequada.;
Ipirá respira a vida
em sua linguagem
mística de
sertanejos calados
e animados de vazio e
doçura.;
Ipirá deseja
e sopra vida
e Vida
no aroma
incorrupto
de seus mendigos,
roceiros,
senhoras e
putas.;
Ipirá é um viver
reescrito em palavra e
dor: numerosa
dor, inflexível e
admirável dor:
dor de gentes.;
dor de gentes maiores
que outras gentes.;
dor de gentes
convertidas
em bois e carros.;
dor de gente transformada
e transfigurada em porcos.;
dor de gente e de morros.;
dor de gente e lixo
e gente de lixo e dor.;
dor de gente convertida em outros.;
dor dos outros.;
dor de nós.;
dor de Ipirá e suas células.;
dor infinita e
inumerável.; dor de
mim, que estou em sua glória
e em sua fraqueza.;
que estou em seu sexo
e em sua conversão.;
em seus olhos.;
em sua boca
e em suas
palavras.; ...
em sua mudez,
em seu horror...
em sua devoção.
Ipirá é para mim
esta amizade corrupta de sonhos,
como a juventude das pessoas e dos amanheceres,
de Ipirá retiro quase todos os dias os barros
de minhas línguas e as sementes
das pernas que se apressam
de tanto chegar a mim
e em seu surpreendente
avivamento –
e esta vontade de amar a vida de novo e
pelo avesso encontrei em Ipirá
e em cada mulher de sua terra.
Ipirá é um sonho:
dormindo sempre na memória
dos homens munidos de olhos e
facas, abraçados aos rios e à nascente
da ilegível bica da Caboronga
e abaixo da superfície calma
do entardecer dos dias,
que são mais bonitos sobre as planícies
quase imaginárias,
onde a Estrada e Baixa Grande
são uma idéia
coberta dos concretos abstratismos
da carne virginal
dos delírios da feira
na falsificação do meio-dia.
Deste sonho, que é Ipirá,
acordo sempre para dormir
de novo em seu leito de chagas
e frutas frias e calmas.;
Ipirá se encontra dentro de muitas outras coisas
como muitas outras encontram-se dentro
d’outras muitas outras
coisas e d’outras...
A música que
Ipirá respira
é como o doce líqüido
da paz do sangue das carroças
e dos carros alimentados
de gentes e de imensos
e vulgares vazios de
gente vazia e líqüida
como sangue e música...
As horas de Ipirá
são como as voluptuosas horas
dos presentes velozes a
se retardarem.; de
relógios parados de tempo.;
de tempo parado de movimentos
fluídos e líqüidos
como relógios,
como pássaros
( que não mais existem ),
com seus carcarás ( a não mais existirem ),
com seus mamíferos ( que ainda existem ), como
minha vida ( que não se quer e existe ), como
Eu...
Eu, impuro e branco como as chuvas
que alimentam a imprestável
jovialidade da vida que
beija a Caatinga
como uma chama ou
como o brilho do gelo e do vento
que me transporta –
e transporta também a Ipirá –
para o esfomeamento
da felicidade temporária da Caatinga
quando verde,...
para o afogar-se
invisível
de todo este lençol de
Beleza agora morta
e desejada.; o cobertor da morte
como vida e castigo
de tantas vidas
a se compreenderem tanto...
Ipirá trava em si a violenta e invisível
luta de elementos
e de origens construídas de
absoluta violência e cuidado no
exíguo espaço da
cidade que dorme para si
e para seus filhos
vestidos de sombra e noite:
noite orgânica.; noite mínima em
mínimo homem.; homem
mínimo em mínima
noite morta.;
homens mínimos e inteiros,
singelos momentos de
existência e morte.;
homens que ali apreendem ritmos populares
das festas e dos deuses que erram em amar sua Criação
– na clandestinidade imposta dos sonhos das crianças
que cruzam os órgãos expostos e verdes e claros
daquelas roças, onde a vida pousa lentamente
na inocência abundante dos pés daquelas crianças e nos
seus sonhos igualmente infantis e desnecessários a tantas
coisas doadas pelo bruto branco dos mundos.
Ipirá está povoada da
dura realidade mística do
aroma de suas paisagens que
também são homens:
místicos e perfumados como a paisagem.;
a paisagem e sua sensualidade
branda e incansável,
com seus pássaros e mamíferos
de paisagem e espessa fantasia...
a paisagem e seu atributo essencial de poesia
e das cores de Ipirá que me olham
como a uma impressão de
ponte no processo mesmo da visão das almas
no prefácio fictício passo a passo
seguido ( Ler soir clair nous conduit au jardin taciturne...
e a Morte rasga o Silêncio dessas flores e febres que
são para as almas como o sol imortalizado no
fechar dos olhos destas tardes de dor e azul
inegavelmente profundo... E o Sol que
dorme é o temperamento daquela
alma perdida em Ipirá, decifrada
no Céu e no incunábulo obscuro de
sua terra, de sua sombra, de seu pó...
de sua lembrança encarcerada no
silêncio dissonante da memória
interligada com o ocioso Sublime ).;
pela minha vida noturna e
fascinada.; dans mon
coeur ébloui –
e mais um verso de
Paul Morin me
aborda e me toma...
Ah!, Ipirá,
afogada de tanto Infinito,
centrada nos vales da razão geológica
e inorgânica da Caatinga imortalizada de miasmas, Ipirá
de meu amigo Agostinho, de seu pai,
de sua avó, tão distante ( e de seu
Esquecimento ) – Ipirá que
fenece em seu duro
e generoso parto...
Ah, Ipirá de
meus amores
mitológicos
e inegáveis.;
Ipirá reproduzida
em meus ossos
e em meu
eterno presente.;
Ipirá de tantos
olhos, Ipirá
de tantas
almas.;
Ipirá de
tantos e tantos
sonhos...
Ipirá
sem
nome...










III




– ( O mar é a antítese das terras onde
habita o Sertanejo.; cheio de cor
– cor eterna, é claro –,
repleta de vida,
cheio do mover insustentável e indivisível
dos peixes que assistem em seu ventre
feminino e hodierno como
todos os passados pressentidos
ou como todos os futuros
que se esqueceram...
Como os peixes que no mar habitam
– também como os peixes que nos rios vivem –
cada homem do Sertão corre atrás da vida,
fabricada ou vendida ,
trazendo a morte e o esquecimento
de muitos outros por carga ou
por sorte...

A Caatinga, que esquece
os passos de cada homem
produzido dela,
ao contrário dos rios
e do mar
e da memória,
que não consomem
os peixes,
destrói e reconstrói,
à sua maneira,
cada
homem e cada vida
martelada
e revigorada no
homem:

Peixes:
como caudas e barbatanas
de homens –
Homens:
como as
escamas
e o crânio dos peixes... )



[Ipirá – Feira de Santana, dezembro de 2001.]




sexta-feira, 4 de março de 2011

DICA DE LEITURA: "COLEÇÃO GILBERTO FREYRE" UMA GRANDE INICIATIVA DA É REALIZAÇÕES...


Um Brasileiro em Terras Portuguesas

Autor: Gilberto Freyre

Edição 01
Formato: 18 X 25 cm
Número de Páginas: 440
Acabamento: Brochura
ISBN: 978-85-88062-91-7
Lançamento: 2010

Um Brasileiro em terras Portuguesas é um livro fundamental para o conhecimento do lusotropicalismo tal como foi sistematizado pelo seu autor no início da década de 1950. Porém, à semelhança dos restantes textos explicitamente lusotropicais de Gilberto Freyre, é pouco conhecido dentro e fora do Brasil. Em Portugal, o lusotropicalismo é sobretudo glosado em segunda ou terceira mão. O que circula na opinião pública, no discurso político e até nos meios acadêmicos é uma “vulgata lusotropical” que começou a ser produzida pelo Estado Novo para legitimação do colonialismo português. No prefácio a Um Brasileiro…, tal como havia feito na conferência lida em Coimbra, Freyre confessa que na viagem sentiu confirmar-se uma “intuição antiga”: “existe no Mundo um complexo social, ecológico e de cultura, que pode ser caracterizado como ‘lusotropical’”; um complexo em expansão, desde que “as nações lusotropicais [não] se deixem envolver por alguma retardatária ou arcaica mística arianista, antes se entreguem com uma audácia cada dia maior à aventura de se desenvolverem em povos de cor, para neles e em gentes mestiças, e não apenas brancas, sobreviverem os melhores valores portugueses e cristãos de cultura num Mundo porventura mais livre de preconceitos de raça, de casta e de classe que o atual”.







O Luso e o Trópico



Autor: Gilberto Freyre


Edição 01
Formato: 18 X 25 cm
Número de Páginas: 336
Acabamento: Brochura
ISBN: 978-85-88062-94-8
Lançamento: 2010




Pela reflexão original, pelas diferentes combinações apontadas, pelo exotismo de algumas de suas formulações, pela lembrança de aspectos tantas vezes esquecidos, pelas controvérsias enfrentadas, pelas polêmicas levantadas, O Luso e o Trópico constitui-se em livro importante para compreender a interpretação de Gilberto Freyre sobre as relações entre Portugal e Brasil, sem deixar de lado outras regiões sob a influência da colonização ibérica.













Uma Cultura Ameaçada & outros ensaios

Autor: Gilberto Freyre



Edição 01
Formato: 18 X 25 cm
Número de Páginas: 224
Acabamento: Brochura
ISBN: 978-85-88062-95-5
Lançamento: 2010





Se em Uma Cultura Ameaçada os perigos para a sobrevivência da matriz cultural luso-brasileira vinham sobretudo do imperialismo nazista alemão, nos textos posteriores sente necessidade de a diferenciar da experiência colonial anglo-saxônica. Quando escreve os dois últimos textos, a conjuntura política internacional havia mudado e Freyre, mantendo-se fiel ao seu quadro interpretativo inicial, cujas virtualidades saem a perder com a instrumentalização política a que foi sujeito, suscitou a animosidade dos nacionalistas africanos e das forças políticas de esquerda quer em Portugal, quer no Brasil. Hoje, porém, num mundo que tanto tem de globalizado como de anglo-saxonizado ou americanizado, ao evocar-se a lusofonia como plataforma identitária e estratégica, talvez não se esteja tão afastado assim do sentido que Freyre atribuíra à matriz cultural luso-brasileira.















O Mundo que o Português Criou


Autor: Gilberto Freyre


Edição 01
Formato: 18 X 25 cm
Número de Páginas: 128
Acabamento: Brochura
ISBN: 978-85-88062-92-4
Lançamento: 2010




Gilberto Freyre dedicou muito da sua atenção à lusofonia, mais que à lusitanidade enquanto portugalidade. Nesse contexto se entende melhor o sentido de O Mundo que o Português Criou (1940), escrito após Casa-Grande & Senzala (1933), algo como um contraponto ao que escrevera, neste livro, sobre a vinda dos primeiros portugueses ao que veio a ser o Brasil. Eles tinham ido também a outros mundos, na realidade por eles mais recriados que na metáfora que os havia criado, mas recriação implica criatividade, porque no final das contas não se cria a partir do nada. E Gilberto Freyre demonstra em Casa-Grande & Senzala como o Brasil deve, no seu início e durante a maior parte da sua história, tanto ou mais aos negros que a qualquer outra etnia e/ou cultura. Esse é um tema recorrente, explícito ou implícito, ao longo da sua extensa bibliografia. Os nisto adversários de Gilberto Freyre, em relação ao tema dos negros, às vezes subestimam o antirracismo por ele aprendido, com metodologia antropológica, nas aulas de Franz Boas na Universidade Columbia. O Mundo que o Português Criou é retomado em Aventura e Rotina e em Um Brasileiro em Terras Portuguesas, ambos de 1953, após longa viagem pela lusofonia africana e indiana. Gilberto Freyre passava da pesquisa, a respeito, em arquivos e bibliotecas à pesquisa testemunhal direta em experiências pessoais.







A BELEZA EM AGONIA...


A ganhadora do Oscar, Natalie Portman, no papel de Nina... "O Inferno somos nós mesmos".

para Ana Carolina Miranda & Darlan Zurc

“Eau, quand donc pleuvras-tu? Quand sonneras-tu, foudre”?1

C. BAUDELEIRE

Lembro-me que, em um de seus mais famosos poemas, Charles Baudelaire nos fala de um cisne que, fugindo da morte certa, ergue suas asas em clamor e repreensão aos Céus, num belíssimo e trágico exemplo de transcendência, libertação e de inútil desafio ao destino.

Em Baudelaire, o tempo e a perplexidade sempre nos levarão à multiplicidade fenomênica das formas e das circunstâncias, revelando uma condição tão inevitável quanto essencial em nossas vidas: o Abismo. Como o próprio Charles Baudelaire afirma:

Je vois ce malheureux, mythe étrange et fatal (...)

vers le ciel quelquefois, comme l'homme d'Ovide.2

Neste processo de transfiguração, o poeta toma para si o ato de animal como uma atitude necessária a ele, enquanto homem, mas a ele faltando, diferentemente ao cisne agônico, a iniciativa e o seu próprio sacrifício, aceitando a privação do espaço ao qual lhe é legítimo. Ciente de suas repressões, cabe ao poeta apenas a admiração e completa:

Vers le ciel ironique et cruellement bleu,
Sur son cou convulsif tendant sa tête avide
Comme s'il adressait des reproches à Dieu!3

Esta temática de dor, de conhecimento e de libertação, à maneira das grandes tragédias gregas, pois é composta de três elementos básicos: a presença de fatores transcendentais – neste caso, o Destino –, o aniquilamento do próprio herói – na vã tentativa de salvar-se – e a inevitabilidade da catástrofe desde sempre anunciada, que, por sua vez, são o tema central de Cisne Negro (Black Swan, Fox Searchlight Pictures, 2010; com Natalie Portman, Vincent Cassel, Mila Kunis, Barbara Hershey e Winona Ryder) que poderias seguir as mesmas tendências de seu diretor, o genial Darren Aronofsky, que, em filmes como Réquiem para um sonho e O Lutador, mostrou grande habilidade em tratar de personagens às voltas com suas frustrações e as dificuldades de lidarem com elas ou encontrar expedientes necessários para superá-las ou resolvê-las. Entretanto, este não é bem o caso da personagem central de seu mais novo filme, a jovem Nina, interpretada magistralmente por Natalie Portman.

Nina é uma dedicada bailarina de uma grande companhia de Nova York, e, como muitas de seu meio, à espera de “sua oportunidade”; quando esta, finalmente, aparece-lhe, o que deveria ser o seu grande momento de ascensão, torna-se o início de uma decadência física, moral e, principalmente, psicológica que chega ao extremo do horror como muitos poucos filmes de tal gênero já produziram.

Criada por uma mãe (a culpa, pelo que parece aos estereótipos psicanalistas, é sempre dela) muito cuidadosa e, pelo que percebo, uma artista fracassada, Nina vive numa redoma de super proteção que se revelará numa forma de a sua mãe compensar todo o seu insucesso. Para tanto, Nina se dedica infatigável e dolorosamente a uma tortuosa rotina de ensaios que acabam por tornar seu corpo cada vez mais frágil e machucado. É a partir daí que o espectador testemunha todo o sofrimento físico oculto por traz da beleza e da leveza coreográfica dos balés: unhas quebradas com violência, quando não os dedos, contusões por repetidos e incansáveis treinos, hematomas e quedas constantes que se somam a um ambiente extremamente competitivo e, por vezes, irascível, principalmente com a chegada de uma nova bailarina, Lily, personagem de Mila Kunis, que atiça toda a sua paranóia... e algumas “coisinhas” a mais, também.

Daí em diante, o que acontece na vida de Nina é uma metamorfose que, comme l'homme d'Ovide4, embora desencadeada por fatores externos, é composta por elementos despertados de dentro de sua alma; por isso mesmo, não seria bobagem dizer que, quando Nina, até então, o Cisne Branco, da peça de Tschaikovsky, passa a se transformar no antagônico Cisne Negro, ela não passa a ser outra coisa senão ela mesma. O que, a partir de então, posso deduzir é a existência de uma Nina oculta, reprimida por uma mãe sempre presente e, por isso mesmo, dominadora, revelando-se quando sua condição e capacidade são postas à prova. Desta forma, quando o Universo parece conspirar contra ela, um mundo de descobertas começa a se revelar cruel e incontrolável. A atmosfera de horror é levada a um extremo tamanho que, por várias vezes, é fácil questionar, de tão envolvido, neste momento, o espectador, a veracidade das perturbações de Nina, mas sem lhe negar a condição de loucura.

Na verdade, Nina não sabe lidar com tais situações, pois foi privada, sobre muitos aspectos, da realidade e de seus muitos males e quando, finalmente, resolve amadurecer, isto é feito de maneira violenta, mas, mesmo assim, não tão violenta quanto a sua volta à realidade, muito mais direta, chocante e cruel do que todos os seus delírios. De qualquer for, no caso de Nina, a impostura sempre parece mais convincente do que os modelos autênticos, como diria Jean Ginet, dos quais não toma parte; assim, é mais fácil para ela se entregar à insanidade do que pôr os pés na realidade, pois isso, pelo que me parece, seria o mesmo que admitir que a verdade pode ser mais falsa do que a sua esquizofrenia.

Não obstante, se há algo verdadeiramente de ruim em Cisne Negro é o fato de ele se entregar demais aos modelos e mecanismos freudianos que Hollywood tanto ama produzir, no entanto, sua essência não é tão simplória, limitando-se a um mero drama de desejos recalcados, é sim um grande questionamento sobre os sentidos que damos e, muitas vezes somos sentenciados a dar às coisas. Nina sabe que a realidade é inevitável e que ela nos bate à porta quando menos esperamos, mostrando-nos uma face que não reconhecemos como a nossa própria face. Neste sentido, o mundo de loucura no qual Nina mergulha é o mudo real, pois não existem dois mundos para o mesmo mundo, duas realidades à mesma realidade, a vida e a arte são um único mundo que têm apenas fins diferentes, porém este mundo de loucura é um mundo parasitado, formado apenas de paixões e de conceitos quase sempre antitéticos.

Nina nos deixa bem claro o quanto que se pode viver acorrentado a um mundo de coisas irreais, mas os grilhões que nos prendem a este mundo de irrealidades são, muitas vezes, bastante verdadeiros. Por isso mesmo que, embora deslizando por um caminho de bifurcações psicanalíticas, parece-me que é na linha reta do sacrifício, no sentido mais religioso do termo, pois sacrifício é troca e, neste caso, a morte de uma Nina faz brotar uma outra que ela encontra a verdade escondida sob os atos e os propósitos; e a angústia da música de Tshaikovsky – este sim alguém que, na vida, soube viver no limite se seus dilemas e compartilhar isto, com o mundo, de uma forma tão sublime quão caótica – encontra a dor e o desejo de transformação naqueles versos de Baudelaire.

Pelo visto, todos nós estamos condenados à verdade, à liberdade e a dar às coisas um sentido. Se, em algum momento, Nina acorda para a realidade ou para a idéia que ela tem de realidade, logo aparece o rosto de sua mãe, a qual, na busca desesperada pela beleza e adiamento do tempo, não consegue enxergar a deformidade que, aos poucos, vai se tornando, mas que serve de espelho para que Nina venha a contemplar o seu verdadeiro eu: não aquele que parece se transformar num cisne, mas a própria Nina, há muito aprisionada numa idéia, em um conceito que, ao longo dos anos, aprendeu a reconhecer como ela mesma.

Assim sendo, em Cisne Negro, a tragédia de Nina nos mostra que, ao contrário do que pensava Sartre, não é nos outros que se encontra o Inferno, mas, no caso dela, como no de muitos... em nós mesmos.

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E aqueles versos de Baudelaire ainda me perturbam a memória:

...mais rien dans ma mélancolie
n'a bougé! palais neufs, échafaudages, blocs,
vieux faubourgs, tout pour moi devient allégorie
et mes chers souvenirs sont plus lourds que des rocs (...).

Je pense à mon grand cygne, avec ses gestes fous,
comme les exilés, ridicule et sublime
et rongé d'un désir sans trêve!5

Candeias, 30 de fevereiro de 2011.

1 – “Oh, quando cairás, água! Quando ressoarás, oh trovão”?

2 – Eu vejo esse mito infeliz, estranho e fatal (...)/
para o céu, por vezes, olhar como um homem de Ovídio.

3 – Ergue-se cruelmente para um céu azul e irônico,/a cabeça a emergir sobre um convulso pescoço/como quem, a Deus, lançasse um desafio agônico.

4 – Como um homem de Ovídio.

5 – ... mas nada na minha melancolia/mudou! Novos palácios, andaimes, blocos,/bairros antigos, tudo para mim torna-se alegoria/e minhas melhores lembranças são mais pesadas que rochas (...)./Acho que do meu grande cisne, com gestos selvagens,/como exilados, ridículo e sublime/e consumidos por um desejo sem tréguas!