sábado, 27 de novembro de 2010

LIVRO INÉDITO DE DAMÁRIO DACRUZ SERÁ LANÇADO, ESTA SEMANA, EM CACHOEIRA...


DAMÁRIO DACRUZ (27 julho de 1953 - 21 de maio de 2010)


Divulgador da sua própria produção literária, a exemplo do pôster-poema Todo Risco, seu texto mais famoso, meu amigo e poeta, Damário Dacruz, faleceu no dia 21 de maio em plena produção. Deixou saudades em todos que o conheceram mais de perto, aqueles que tiveram a oportunidade de trabalhar com ele e de compartilhar com suas experiências poéticas. Seu livro inédito, Bem que te avisei, será lançado, dia 15 de dezembro, às 19h, no Pouso da Palavra que fica à praça da aclamação, nº 8, Cachoeira-BA. É uma oportunidade imperdível de homenagem e de contato com a sua poesia.

TODO RISCO

A possibilidade

de arriscar

é que nos faz homens.

Voo perfeito

no espaço que criamos.

Ninguém decide

sobre os passos

que evitamos.

Certeza

de que não somos pássaros

e que voamos.

Tristeza

de que não vamos

por medo dos caminhos.

Do livro Todo Risco – o ofício

da paixão (Versarte Editora, 1993).

terça-feira, 23 de novembro de 2010

CICLO CULTURAL “BERNANOS: DA LITERATURA AO CINEMA”...




CICLO CULTURAL “BERNANOS: DA LITERATURA AO CINEMA”, NOS DIAS 24 E 25 DE NOVEMBRO, A PARTIR DAS 19:00HRS.





ESTE EVENTO É UMA PARCERIA DA EDITORA E ESPAÇO CULTURAL É REALIZAÇÕES COM O JORNAL O ESTADO DE S. PAULO.





NÃO DEIXEM DE IR!!!

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

AS ALMAS QUE SE QUEBRAM NO CHÃO... RELANÇAMENTO



A editora É Realizações e o Goethe-Institut, em São Paulo, convidam a todos para o relançamento do romance As almas que se quebram no chão, de meu amigo, o professor Karleno Bocarro. Na oportunidade, o autor falará de sua experiência na Alemanha Oriental, após a queda do Muro de Berlim. Logo em seguida, palestra do crítico literário, e, também, meu grande amigo, Jessé de Alemeida Primo, intitulada O Belo e o Sublime por conta do impacto do Homem do Subsolo de Dostoiévski, sobre o romance de Karleno Bocarro. Eu, que li o livro de Karleno Bocarro, vi o que esperava: um livro maravilhoso! Um romance como, há muito, a nova Literatura Brasileira clamava; onde, lendo-o, pude ri, chorar, indignar-me, surpreender-me... É um livro que, ...na busca incansável de seu personagem, como aquele Salieri, do Filme do Milos Forman, incapaz de aceitar sua mediocridade, por um lugar na História – lugar este que não lhe pertence –, possui todas as qualidades de uma grande obra; dentre elas, a que eu mais gosto: a capacidade de nos desafiar, de nos instigar a buscar outras histórias, informações, leituras... de, muitas vezes, buscarmos a nós mesmo; de nos questionarmos sobre tudo, sobre o nosso papel no mundo, sobre nós. Tudo isso com a grandeza sutil dos maiores mestres. Ignorar uma obra como esta, ou as futuras grandes obras que virão da pena de Karleno Bocarro, é ignorar o que a nova Ficção Brasileira tem de melhor.




Terça, 23 de novembro de 2010, às 19:30h
Goethe-Institut, rua Lisboa, 974,
Pinheiros, São Paulo - SP.


Tel. (11) 3296-7000


sexta-feira, 5 de novembro de 2010

TRÊS VEZES ILDÁSIO TAVARES: POR GUSTAVO FELICÍSSIMO, JOÃO UBALDO RIBEIRO E POR ELE MESMO...


Ildásio Tavares (Gongogi, 25 de Janeiro de 1940 - Salvador, 31 de Outubro de 2010)


ILDÁSIO TAVARES: EXISTÊNCIA CONSAGRADA À POESIA



por Gustavo Felicíssimo








É impossível ater-se à história da literatura baiana no Século XX sem se dedicar demoradamente a Ildásio Tavares. É tão vasta a sua obra, sua formação e suas incursões literárias que seria inviável e extravagante, no curto espaço que temos, discorrer sobre essa questão.




Mas vale lembrar que aos nove anos de idade Ildásio já tinha lido toda a obra infantil de Monteiro Lobato, que antes do ginásio era fluente em latim, francês e inglês. Formado em Direito e Letras pela UFBA, tem Mestrado cursado na Southern Illinois University, USA, em 1971; Doutorado em Língua Portuguesa na UFRJ, em 1984; e Pós-Doutorado na Universidade de Lisboa, com bolsa do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1990.




Como literatura não se faz com nomes nem com títulos, ao seu agente sempre é exigido produção, renovação ou silêncio, como é o caso de muitos escritores que não passaram de um par de livros, ou até mesmo de um único, o que não o impede de ter a obra reconhecida e valorizada, como é o caso de Sosígenes Costa, grapiúna como Ildásio, falecido em 1968 com apenas um livro publicado.




Esse, certamente, não foi o caso de Ildásio Tavares que estreia na poesia no ano de 1967, com poemas inseridos na antologia “Moderna Poesia Bahiana”. Seu primeiro livro veio ao público em 1968, com “Somente Canto”, a esse seguem-se outros, entre os quais se destacam: “Tapete do Tempo”, 1980; “IX Sonetos da Inconfidência”, 1997; e o moderno “Odes Brasileiras”, de 1999.




Talvez o próprio vate não se dê conta, mas também podemos acrescentar à sua biografia a importante e valorosa contribuição que dá ao futuro da poesia brasileira ao abrir, generosamente, as portas da sua casa aos jovens escritores baianos que para lá marcham semanalmente em busca de um papo agradável e, principalmente, conselhos sobre seus escritos.




Ali, na varanda da casa, na espaçosa sala de visitas ou no escritório repleto de livros e correspondências, tendo ao fundo o mar de Itapuã, muita gente ouviu Ildásio falar sobre a arte de escrever. Ali, sob sua pena severa, porque severa é a poesia, muita gente aprendeu a escandir um verso, muita gente ouviu falar pela primeira vez em soneto, redondilha, ode ou terça rima. Ali, muitos livros, poemas, poetas e críticos foram estudados à exaustão.





No dizer de Jorge Luis Borges um livro somente merece ser lido se for capaz de entreter. Foi dessa forma, me entretendo, dando inúmeras gargalhadas, literalmente, que li ainda no original o livro mais recente de Ildásio Tavares, “As Flores do Caos”, 2009, vencedor do prêmio literário do Pen Clube de Portugal em 2010, uma obra que reúne sonetos selecionados pelo autor, frutos de uma vida inteira dedica à arte, especialmente à poesia. Entre eles estão os IX Sonetos da Inconfidência, escolhidos para esse encontro.




Em meio a tão bons poemas, cada leitor acaba tendo o seu preferido. Certo mesmo é que tudo gira em torno de personagens importantes da Inconfidência Mineira. Esses personagens se transformam em símbolos, e as composições em versos decassílabos, com grande versatilidade e muita inventividade.




Sentia-me feliz ao descobrir em cada poema uma variação métrica própria, a forma como o poeta desloca a cesura dos versos sem perder a musicalidade. Aqui o de Arte Maior, ali o Sáfico, o Heróico. Vemos a estrutura do poema cedendo ao impulso da emoção.




O destaque maior fica por conta do poema III, O Alferes. Trata-se de um grito zombeteiro, apesar de angustiado, de Joaquim José da Silva Xavier, dentista e militar de baixa patente que ficou sendo o símbolo maior do movimento. Enforcado, teve seu corpo esquartejado e seus pedaços exibidos em lugares onde pregou ideais de liberdade. O alferes no primeiro quarteto: Meu coração é um arsenal de horrores/ e dores que atropelam meu país./ Gargalha, puta! Zomba, meretriz!/ O dia há de chegar dos teus senhores.




Fábio Lucas, um dos mais importantes críticos e conferencistas internacionais de literatura brasileira, unanimemente apontado como um dos críticos literários mais importantes do Brasil, reportou-se sobre estes poemas dizendo que O trabalho de Ildásio Tavares vai além do divertimento semântico. Sob pretexto de celebrar personagens de nossa história, constrói sonetos carregados de sentido, mensagens plurivocais, pejadas de palavras explosivas, pois, no curso da sonora abundância, se atiram além das idéias, como uma carruagem iluminada na escuridão da noite.





Em “O canto do homem cotidiano”, 1977, a poesia de Ildásio Tavares estabelece uma lírica que quer se esquivar da realidade opressora do nosso tempo, sem, contudo, deixar de reconhecê-la, como faz no poema que dá título ao livro: Eu canto o homem vulgar, desconhecido/ Da imprensa, do sucesso, da evidência/ O herói da rotina,/ O rei do pijama,/ O magnata/ Do décimo terceiro mês,/ O play-boy das mariposas/ O imperador da contabilidade.” (...) “Mas que, na frustração cotidiana,/ Vai encontrando aos poucos sua glória/ Por isso eu canto a luta sem memória/ Desse homem que perde, e não se ufana/ De no rosário de derrotas várias/ E de omissões, e condições precárias/ Poder contar com uma só vitória/ Que não se exprime nas mentiras tantas/ Espirradas sem medo das gargantas/ Mas sim no que ele vence sem saber/ E não se orgulha, campeão na história/ Da eterna luta de sobreviver.





Este é o homem que encontramos nas ruas, nos bares, nas praças, nos bancos. Homens que jogam bola, capoeira, dama, dominó. São profissionais autônomos, empregados no comércio, na indústria e funcionários públicos. Todos estes, matéria prima para a lírica moderna, onde o poeta canta a própria existência em confronto à realidade opressora do nosso tempo. Perguntado sobre essa questão em uma entrevista que nos concedeu o poeta responde que sempre foi assim. Contudo, em nossa época, o poeta sofre uma crise tão forte de identidade ante um sistema esmagador que, às vezes, cantar sabe a um grito no escuro.




Ciente que o tempo do artista difere do tempo do homem comum, o poeta abre mão das cronologias para privilegiar o seu tempo interior e mostra-nos uma alma que difere do mundo circunstante. Alheia às necessidades humanas, a poesia insiste em colocar o inexistente acima do existente. No poema O meu tempo (infelizmente fora do rol que nos foi passado), do qual trazemos aqui apenas um fragmento, ele nos mostra tal implicação com clareza:





Não existe hora certa, existe o meu relógio,


Lembrando sempre com seu tic-tac


Que há vida


Para ser vivida,


Que houve a vida


Que não se viveu.


Não importa que o rádio renitente ruja


São tal hora e tal minuto,


Hora oficial,


Afinal,


Que há de oficial em minha vida?





Se O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada, como afiança Cora Coralina, então, povoada de momentos de uma história construída pelos trajetos que vem percorrendo, de análises teóricas dos autores, de poetas, de músicos, enfim, o cotidiano presente, da religiosidade, ilustrando o acadêmico, o conhecimento e as ideias, o cognitivo e o afetivo, o singular no plural, o universal no particular, com inventividade e ironia, a obra de Ildásio Tavares, pode-se dizer, tem as qualidades necessárias para, por certo, ser considerada uma obra importante.




Podemos afirmar que o substrato da sua poesia está em uma determinada concepção onde o criador se constrói ao se relacionar com o mundo concreto, como observamos também no poema Restos, onde ao estabelecer relações e interações com outros homens, se apropria dos dados da cultura através das mediações simbólicas que estabelece e que se configura por sua totalidade, causando a estranheza necessária para tirar o leitor da sua inércia e levá-lo à reflexão.







Para concluir, compartilhamos as palavras do crítico literário e historiador Nelson Werneck Sodré sobre o poder de criação de Ildásio Tavares, considerações com as quais nos alinhamos totalmente. Diz ele: É fácil compreender a alta qualidade do poeta. Em primeiro lugar pelo domínio da arte poética na linguagem de síntese que é sua essência. E ainda pela capacidade, nessa linguagem, praticar aquilo que Brecht ensinou, as diferentes maneiras de dizer a verdade.














MEU AMIGO ILDÁSIO TAVARES

por João Ubaldo Ribeiro








Depois dos quarenta, mais ou menos, a gente dificilmente faz amigos. Faz companheiros, aliados, cúmplices, sócios, correligionários, o que lá for, mas amigos mesmo, desses que conhecem a alma da gente, desses com quem às vezes a gente conversa sem precisar falar, desses que, mesmo sem nos dar razão, ficam do nosso lado, desses que carregam com eles lances fundamentais de nossa história, amigos que se abraçam com calor depois de uma longa ausência, amigos com quem se quer partilhar todas as alegrias, nossas e deles, amigos de raiz, esses amigos se fazem ainda cedo. A vida afasta alguns, talvez muitos, mas os que permanecem são suficientes para provar o valor supremo da amizade, o sentimento mais nobre que podemos abrigar.




Quanto mais velhos ficamos, menos desses amigos fazemos e mais nos reaproximamos dos antigos. Com a idade se vão as ilusões que nos arrebatavam na juventude, juntam-se os desenganos, brota um certo cinismo tido na conta de sabedoria, cresce talvez o ceticismo quanto à natureza humana. E fazer uma nova amizade dá muito trabalho, não é uma empresa simples, enquanto os dois candidatos a amigos passam um ao outro o seu perfil e a biografia que querem ter, se familiarizam com a personalidade de cada um, decidem sobre concessões mútuas e, enfim, se entregam a um período de sintonia que frequentemente não se completa, dá mesmo muito trabalho.



Também quanto mais velhos ficamos, vamos compreendendo com maior vividez como os amigos são importantes, muito mais importantes do que imaginávamos antes. Os amigos compõem a nossa identidade, quem entende nossos amigos nos entende um pouco, quem conhece nossos amigos nos conhece um pouco. Somos vistos e avaliados não apenas pelo que temos de individual, mas também pelo que nossos amigos nos acrescentam, até porque aprendemos com eles, e eles conosco. E, a par disso, como é bom contar com um interlocutor que nos ouve e quer genuinamente o nosso bem, que desperta em nós o que de melhor temos, que nos traz lembranças alegres e cuja convivência nos deixa um pouco mais em paz com a vida, e nos torna a existência menos solitária. Como, por tudo isso, são raros e preciosos os amigos, mais raros e mais preciosos a cada instante.



Quando morre um amigo assim, morremos também um pouco. Por ser lugar-comum, não deixa de ser verdade. Acabo de morrer um pouco, acabo de morrer bastante, porque morreu meu amigo Ildásio Marques Tavares, de quem jamais vou deixar de sentir grande saudade e cuja memória procurarei sempre honrar. As amizades não se explicam, acontecem espontaneamente e amadurecem com o convívio. Minha amizade com Ildásio veio de afinidades descobertas desde a adolescência e se fortaleceu ao longo dos anos, culminando em compadragem, porque ele me convidou para batizar seu filho Gil Vicente. Lemos juntos, escrevemos juntos, fizemos farras juntos, viramos noites estudando juntos, aprontamos happenings juntos, juntos reformamos o Brasil e o mundo. Sua memória certeira guardava praticamente todos os momentos dessa convivência — e tudo agora lá se foi, lá me fui eu também um pouco, a recuperação é impossível.



Perda pessoal muita dura de enfrentar, é difícil estimar sua extensão, o vazio que vai deixar. Só sei que uma grande referência minha desaparece, uma das mais importantes, desde que Glauber morreu. Ildásio não tinha nada a ver com Glauber, mas com ambos eu podia aparecer de peito aberto, mostrar fraqueza, pedir palpite, conversar desguarnecido, abrir segredos. E ambos seguraram minha barra, quando enfrentei vicissitudes para as quais não estava preparado, me acudiram quando precisei de força. Até hoje não me habituei à ausência de Glauber e sei que não vou habituar-me à ausência de Ildásio, o mundo ficou desfalcado.



E a Bahia também ficou desfalcada. Ildásio era um intelectual superior, conhecedor íntimo do ofício das letras, de senso crítico aguçado e erudito. Talvez isso não se percebesse com facilidade, por trás de seu comportamento muitas vezes desabusado, sua poesia satírica (de magnífica qualidade e da qual nem amigos como eu escapavam), seus modos informais e irreverentes. Escritor de cultura sólida, ensaísta informado e sensível, poeta laureado, meu compadre Ildásio era, além disso, um homem bom, de belos sentimentos e apego a causas nobres. E, para mim, sobretudo um velho amigo de fé, um grande amigo, insubstituível amigo, querido amigo, saudoso amigo, que Deus o tenha em Sua glória.








RESTOS

por Ildásio Tavares



Há um resto de noite pela rua
Que se dissolve em bruma e madrugada.


Há um resto de tédio inevitável
Que se evola na tênue antemanhã.


Há um resto de sonho em cada passo
Que antes de ser se foi, já não existe.


Há um resto de ontem nas calçadas
Que foi dia de festa e fantasia.


Há um resto de mim em toda a parte
Que nunca pude ser inteiramente.


quinta-feira, 4 de novembro de 2010