sexta-feira, 27 de novembro de 2009

MAIS UM PRÊMIO PARA FEIRA DE SANTANA...



Nesta próxima segunda, dia 14 de dezembro, às 19h, na Casa das Rosas, Av. Paulista, 37, são Paulo - SP, A Canon do Brasil e a Fábrica de Livros promoverão um evento para a publicação da obra em antologia do II Prêmio Literário Canon de Poesia 2009, selo editorial Fábrica de Livros / Scortecci Editora, reunindo por ordem alfabética, 50 (cinquenta) POESIAS e seus AUTORES (minibiografia), conforme seleção e escolha irrevogável da Comissão Julgadora.


Os 50 (cinqüenta) participantes escolhidos com as melhores POESIAS receberão como prêmio e a título de Direito Autoral, 10 (dez) exemplares da obra, além da divulgação e promoção da poesia pela Canon do Brasil pelo período de um ano em ações de Marketing e Propaganda.


Entre os participantes desta antologia estão dois baianos, ambos de Feira de Santana, que são os poetas Erivaldo Oliveira de Araújo, com o poema Os santos dos sertões femininos e Silvério Duque, com o poema O grito: sobre um quadro de Edwar Munch.





quarta-feira, 25 de novembro de 2009

POEMA DO BREVE REGRESSO... EM FRANCÊS


Carolina (sobre um tema de Chico Buarque de Holanda) de Gabriel Ferreira. Acrílico sobre tela. (70X70)cm. 2007.

Há algumas semanas, publiquei, aqui mesmo neste blog, um poema intitulado Poema do breve regresso; agora, volto a publicá-lo por que me chegou às mãos uma tradução – mais uma - para a língua francesa deste mesmo poema. O autor do novo poema – porque traduzir é também criar – é o bom e velho Pedro Vianna, a quem eu conheci – e ao seu valoroso trabalho com o site http://poesiepourtous.free.fr – através da queridíssima pessoa do poeta Miguel Antônio Carneiro, a quem eu devo, também, mais do que uma crítica à altura de seu talento, outro grande amigo e mestre que me tem ajudado de uma forma cujos agradecimentos que lhe devo não caberiam em laudas e mais laudas de “muito obrigado”; o trabalho de Pedro Vianna é louvável principalmente pela valorização de muitos novos e veteranos poetas de nossa querida Bahia que ele tão caprichosamente constrói em seu site:



http://poesiepourtous.free.fr/poesiepourtous/poesiepourtous/pomoi.htm.


Meus caros Pedro e Miguel... mais uma vez, na falta de algo mais apropriado: MUITÍSSIMO OBRIGADO!!!


Eis, novamente, o(s) poema(s):



UM BREVE REGRESSO


– Na casa velha
dormem, ainda,
outras canções de antigas tardes,
mas nada nos diz
o eco melancólico destes silêncios.


A fúria das lembranças que se foram
( muito cedo ) nos invade a memória
com rosários e rezas;com as estórias de uma infância
muito além de nosso compreender;
com a ternura antigaque alongava os dias, os sorrisos
e os nossos supostos sonhos...


Ah, tudo é um imenso vazio que nos povoa as almas!


( Na casa velha de minha infância
as lembranças projetam dores
sobre este olhar perdido ).



UN BREF RETOUR


– Dans la vieille maison
dorment, encore,
d'autres chansons des après-midi de jadis,
mais rien ne nous dit
l'écho mélancolique de ces silences.

La furie des souvenirs qui s'en allèrent
(très tôt) envahit notre mémoire
avec chapelets et prières ;
avec les histoires d'une enfance
bien au-delà de notre entendement ;
avec la tendresse ancienne
qui allongeait les jours, les sourires
et nos rêves supposés...

Ah, tout est un immense vide qui peuple nos âmes !

(Dans la vieille maison de mon enfance
les souvenirs projettent des douleurs
sur ce regard perdu).



NOEL ROSA... O SHOW CONTINUA!!!





Mapa para quem quer chegar ao Cidade da Cultura... o difício é querer sair.


A cantora feirense, Céliah Zaiin, repetirá, na próxima sexta-feira, dia 27 de novembro, às 21h, no Cidade da Cultura, que fica na Rua H, n. 170, Conj. João Paulo II, Feira de Santana – BA (O telefone para informações é 75 3483 2740) , seu show em homenagem ao grande Noel Rosa, o “poeta da Vila”...


Um dos maiores compositores da história da Música Popular Brasileira, Noel Rosa nasceu de um parto difícil em que o uso do fórceps pelo médico causou-lhe um afundamento da mandíbula; a deformação conseqüente desta prática o marcaria por toda a sua vida. Criado no bairro carioca de Vila Isabel, Noel pertencia à chamada “classe média carioca”; era filho do comerciante Manuel Garcia de Medeiros Rosa e da professora Martha de Medeiros Rosa. Ainda na adolescência aprendeu a tocar bandolim de ouvido e tomou gosto pela música – e pela atenção que ela lhe proporcionava. Logo, passou ao violão e cedo se tornou figura conhecida da boemia carioca.


Entrou para a Faculdade de Medicina, mas logo o projeto de estudar mostrou-se pouco atraente diante da vida de artista, em meio às noitadas regadas a samba e à cerveja. Noel foi integrante de vários grupos musicais, entre eles o Bando de Tangarás, ao lado de João de Barro (o Braguinha), Almirante, Alvinho e Henrique Brito.


Já em 1929 Noel arriscou as suas primeiras composições, Minha Viola e Toada do Céu, ambas com fortíssima influencia da música regional, que muito sucesso fazia por aqueles tempos e gravadas pelo próprio Noel, que, diga-se e registre-se, foi quem mais gravou suas composições. Mas foi em 1930 que o sucesso chegou, com o lançamento de Com que roupa?, também gravado por ele, um samba bem-humorado que sobreviveu décadas e hoje é um clássico do cancioneiro brasileiro.

Céliah Zaiin lembra-se que, desde a sua graduação, era “apaixonada pela obra de Noel”; ela nos lembra de sambas “como Onde está a honestidade, que fala de brasileiros que enriqueceram da noite pro dia sem receber herança ou ter trabalhado muito para isso, ou qualquer outra justificativa plausível... é de fato um assunto bem atual, aliás, Noel é um compositor sempre atual, por isso a grandeza de sua obra”. Pra Célia, este show é uma “oportunidade de o público feirense familiarizar-se ainda mais com a obra deste carioca que é antes de tudo, um dos maiores gênios de nossa música”.

Noel revelou-se um dos mais talentosos cronistas do cotidiano carioca, com uma seqüência de canções que primam tanto pelo bom humor como pela veia crítica. Orestes Barbosa, exímio poeta da canção, seu parceiro em Positivismo, o considerava o "rei das letras".

Noel também foi protagonista de uma curiosa polêmica travada através de canções com seu rival Wilson Batista. Os dois compositores atacaram-se mutuamente em sambas agressivos e bem-humorados, que renderam bons frutos para a música brasileira, incluindo clássicos de Noel como Feitiço da Vila e Palpite Infeliz.

Entre os intérpretes que passaram a cantar seus sambas, destacam-se Mário Reis, Francisco Alves e a inesquecível Aracy de Almeida.A tuberculose o levaria prematura e romanticamente à morte aos 26 anos de vida.

O show, “Tributo a Noel” contará, como na primeira vez, com o piano de Tito Pereira, a quem Célia considera um dos mais talentosos músicos da atualidade e com a participação especial do clarinetista Silvério Duque.


Não percam!!!

sábado, 21 de novembro de 2009

DIÁLOGOS GRAPIÚNAS


Diálogos: panorama da nova poesia grapiúna (Ed. Editus/Via Litterarum, 2009).


O poeta, jornalista e pesquisador Gustavo Felicíssimo



Recebi, nesta última semana, um presente de meu amigo, e poeta, Gustavo Felicíssimo: seu livro Diálogos: panorama da nova poesia grapiúna (Ed. Editus/Via Litterarum, 2009), do qual ele é organizador. Primeiramente, o livro me chamou a atenção pela excelente qualidade gráfica, tanto da capa quanto de seu interior, ambas assinadas pelo poeta e artista gráfico George Pellegrini. Mas é o seu conteúdo que realmente me impressionou...

Gustavo, que tem um trabalho de divulgação das novas gerações da poesia baiana e brasileira de altíssima qualidade, reitera este ofício ao publicar texto de dez poetas que, segundo ele (e, também, pelo que qualquer bom leitor poderá constatar), formam o mais novo – e o mais qualificado – grupo da novíssima poesia baiana oriundo da Região Grapiúna. São eles: Edson Cruz, Heitor Brasileiro Filho, Noélia Estrela de Oliveira, Piligra (Lorival P. Piligra Júnior), George Hamilton Pellegrini Ferreira, Daniela Galdino, Mither Amorim Mendonça e Geraldo Lavigne de Lemos.

Esses nomes agregam – como haveria de ser num trabalho como este – uma grande diversidade temática e formal, todavia, igualam-se pela seriedade dos temas, pela busca de uma poesia pura e com o diálogo estabelecido com quase todas as tendências poéticas. Segundo Ildásio Tavares, que prefacia o livro – e o Ildásio sempre sabe o que diz –, há um ponto de coerência e afinidade quando esses poetas esmiúçam o conteúdo dos seres e das coisas; para Ildásio Tavares, lá estão os signos referenciados do passado e do presente; lá só não estão o pieguismo, a piada e a superficialidade. O trabalho de Gustavo Felicíssimo é sério e, por isso mesmo, em sua antologia, só há poetas sérios... Por favor, lembrem isto ao Marco Lucchesi.

Quem se aventurar nas páginas de Diálogos... encontrará a síntese perfeita entre imagem e palavra na econômica, porém dialética, poesia de Edson Cruz; o verso sincero e livre de Heitor Brasileiro; a delicada angústia de Noélia Estrela; os formais e coloquiais sonetos de Piligra; a enigmática literatura de George Pellegrini; o erotismo pujante e lírico de Rita Santana; o verso livre e apaixonado de Fabrício Brandão; o deslumbramento reflexivo de Daniela Galdino; os haicais (e falando em haicais já se diz tudo) de Mither Amorim; o esmiuçar emotivo de Geraldo Lavigne.

Além do mais, o leitor constatará uma coisa óbvia: o trabalho sério e impressionante do pesquisador e organizador Gustavo Felicíssimo, que entre critérios estéticos e políticos constrói uma obra de referência, onde novas vozes se misturam, em igual índole, a nomes referencias como Sosígenes Costa, Adelmo Oliveira e Cyro de Mattos e para onde não encontramos sinais de nenhum “verbalista” que, como bem acentuou, certa vez, o filósofo Olavo de Carvalho, são os ditos "poetas que saltam direto do estímulo verbal à reação emotiva, sem passar pelo trabalho de imaginação e muito menos pela triagem crítica das representações imaginativas e cuja sua tendência é buscar a comoção ante os simples jogos vocabulares que, bem examinados, não significam absolutamente nada e nem poderão suscitar emoção nenhuma a não ser no sucesso do movimento Concretista que se deveu a propagação do verbalismo no lugar do verdadeiro poeta..." Por favor, lembrem isto, também, ao Marco Lucchesi.

Ainda citando o Ildásio Tavares, o verdadeiro legado da civilização grapiúna são os seus escritores; e o Gustavo Felicíssimo acrescenta a este legado nomes que o tornarão uma herança ainda mais valiosa às gerações futuras.

Uma vez, neste mesmo Blogger, referindo-me à poesia e ao trabalho de pesquisa e de divulgação de Gustavo Felicíssimo, disse que ele merecia todos os elogios que, sem pudor, e com sinceridade e débito prestava a ele netas poucas e insuficientes palavras... e, agora, torno novamente a dizê-lo, pois ele merece.





Candeias, 19 de novembro (Dia da Bandeira Nacional) de 2009.






quarta-feira, 18 de novembro de 2009

PROJETO VIVA A POESIA VIVA



PROJETO VIVA A POESIA VIVA, APRESENTA:

A Poesia de Sosígenes Costa, Myriam Fraga, Agenor Campos & Elizeu Moreira Paranaguá

Dia 24 de novembro, 19h


Espaço Cultural Barroquinha, na Praça Castro Alves


Apareçam!!!

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

ANTÔNIO CARLOS GOMES (1836 – 1896)


Antônio Carlos Gomes (1836-1896)



A influência européia foi, sem dúvida, determinante durante os primórdios da cultura musical autóctone dos países latino-americanos. Não esqueçamos que uma parte muito significativa da população é, antes de tudo, de origem indígena; assim sendo, herdeira de uma cultura muito singular, muito diferente daquela trazida pelos colonizadores espanhóis, portugueses, franceses... Também é verdade que estes povos autóctones tiveram pouco haver com a cultura que se foi desenvolvendo ao longo de centenas de anos de colonização, e que a imposição da cultura importada foi determinante, atingindo limites que tornam muito dificultosa e detecção de vestígios autóctones na atualidade, mas não há dúvidas que um substrato indelével fez-se determinante para cada espaço cultural da América. Estas mudanças históricas acabam, de certa forma, se repetindo, com ou sem a força que ainda resta da cultura nativa com a transplantação da cultura da Europa: Barroco, Arcadismo (ou Neoclassicismo), Romantismo... Este último, sobretudo, foi o principal responsável pela busca de elementos nativos, pela construção de um ideal nacionalista e da busca de uma identidade nacional, principalmente com o fim da influência das antigas classes dominantes e dos modelos clássicos. As mudanças foram lentas, mas, na luta para se livrar da independência européia, foi-se recriando um modelo nativista que, mesmo imbuído de uma fortíssima influência européia, misturou diversas tendências estéticas na busca de uma tão esperada “cor-local”. Por isso mesmo, encontramos, ao longo do romantismo brasileiro, por exemplo, várias figuras que passaram de uma estética a outra – e até praticaram muitas ao mesmo tempo. Este foi o caso da literatura de Gonçalves Dias e Castro Alves. Mas, no ano em que se comemora os cinqüenta anos da morte de Heitor Villa-Lobos, ninguém melhor para ilustrar esta diversidade estética do que o maestro Carlos Gomes.





I



Antônio Carlos Gomes nasceu em campinas, em 1836, e, como não poderia ser diferente, àquela época, foi, de início, um fiel amante da Escola Italiana. Porem, sua dedicação à música de salão também foi notória, e o ajudou a apreciar a música popular que, por mais ínfima que fosse, se poderia encontrar algum elemento verdadeiramente nativo. Assim, não demoraria muito para que o popular ganhasse uma linguagem mais sofisticada pelas mãos de muito mestres da música erudita, inclusive pelas de Carlos Gomes.


Foi com O Escravo que o elemento nacionalista se fez indispensável na obra do maestro de Campinas, por mais que O Guarani seja a sua obra mais conhecida e, aparentemente, mais “romântica”, mas se é possível, em ambas, distinguir, em Carlos Gomes, um fácil melodismo que evoluiria, com grande rapidez para um profundo expressionismo muito presente em O Escravo, onde se é possível, destacar a grande qualidade de orquestrar que Carlos Gomes, assimilaria de Puccini. Assimilação, diga-se, apenas modelar, pois sua obra se confunde com a evolução da música brasileira o que, àquela época, acontecia com imensa velocidade, imbuída de uma grande mescla de elementos melódicos e rítmicos de notável influência indígena, e, principalmente, africanas, pois as influências eram oriundas de várias áreas culturais, como Moçambique, Guiné, Daomé, Sudão...


De uma mescla tão intensa, a obra de Carlos Gomes iniciaria uma nova história dentro da música brasileira e seu evolucionismo, história da qual sua música far-se-á, também, determinante. Diversos compositores latino-americanos comprometeram-se a “cantar a sua terra” através de uma música independente, que, dentro do possível, libertasse-os do sedimento da música produzida na Europa, permitindo-lhes alcançar uma expressão nacionalista genuína. Não há dúvidas que Carlos Gomes é o pioneiro nesta luta, que mais tarde, seria assumida por nomes como Alberto Ginastera, Carlos Chaves, Manuel Ponce e, claro, Heitor Villa-Lobos. Um bom exemplo prático desta busca por uma identidade nacional que podemos retirar da obra de Carlos Gomes, encontra-se em suas peças para piano, onde ritmos populares e folclóricos, como o lundu, ganham uma roupagem erudita sem perder as características primevas que lhe serviram de influência. Mas não confundamos as coisas; Carlos Gomes se utiliza de elementos populares à sua maneira , criando um folclore pessoal nascido de um trabalho de autenticidade, dando ao elemento popular, uma nova face que é o rosto do eruditismo, como, mais tarde, também fariam, Nepomuceno, Villa-Lobos, Bartók, Falla e Stravinsky.


Apesar da inquestionável qualidade de sua obra e de seu caráter inovador e genuinamente nacionalista Carlos Gomes amargava, ao lado dos inúmeros elogios que recebia, tanto aqui como “nas terras d’além mar”, críticas severas e injustas que, na grande maioria das vezes, não passavam de puro depreciatismo, acusando-o de um mero imitador da ópera italiana, e, pior ainda, de ser um “capacho” a serviço da dominação européia – vejam que estas idiotices típicas dos comunistas já estão presentes por aqui faz um bom tempo – e cuja obra nada traz de inovador e, menos ainda, de brasileira. Tal calúnia atravessaria os séculos, principalmente com o “fervor de inovação” e de “desprezo ao passado” e “às raízes” promulgadas pelo modernismo paulista de 1922 e que transformaria Carlos Gomes em um dos primeiros exemplos de como as ideologias podem espalhar nuvens de ignorância difíceis de dissipar.


Na verdade, sua música era tão européia quanto tinha de ser e é sempre bom lembrar que, por mais que o espírito revolucionário estivesse no cerne do Romantismo, ele ainda se regia por regras específicas seja na poesia, na pintura, na arquitetura ou na música, e seguir estas regras era tão imperativo, aos românticos, quanto, desprezá-las, era dever dos modernos. Além do mais isso não impediria que Carlos Gomes fosse, dentro das possibilidades abertas pela escola romântica, um inovador e, independentemente de tal intuito, um gênio incontestável. Esta genialidade foi aproveitada ao máximo pelo maestro, transformando-o, ao que até agora eu sei, na primeira celebridade internacional da história do Brasil... e com total merecimento.





II



No século XIX, estrear várias óperas na Europa, principalmente na Itália, era uma consagração almejada por qualquer compositor (mas alcançada por pouquíssimos), sobretudo se ele não era italiano, ou, pelo menos europeu; imaginar, então, que este compositor fosse um brasileiro, tornaria esta consagração ainda maior do que já era; e foi este o caso de Antônio Carlos Gomes, que, em 1870, e sua ópera, O Guarani, de inspiração literária em um dos mais célebres romances da Literatura Brasileira, estreariam em Milão. O sucesso era o esperado, levando-se em conta o forte “italianismo” da ópera, o que não a caracteriza como mera imitação, à maneira de Verdi, como quer a maioria de seus detratores, muito menos plágio ou falta de nacionalismo. Simplesmente, em O Guarani, Carlos Gomes aplicou fómulas que eram de extrema necessidade aos modismos de sua época, principalmente no meio onde se apresentara, para garantir a aceitabilidade de sua música.


Desde os primeiros acordes em que se apresenta o tema introdutório d’O Guarani, por exemplo, ao tipo de ordenação temática da Overture, tudo obedece a clichês utilizados pela grande maioria dos compositores operísticos da Itália, ou de quaisquer países onde era imperava o italianismo. O prelúdio, em forma de fanfarra, é uma função teatral que muito bem ilustra esta influência e com a qual Carlos Gomes inicia sua ópera mais famosa. A primeira aparição deste tipo de “anúncio” remonta, talvez, a Monteverdi, mas já se é possível identificar semelhante formação em Bach e Escarlatti. Mas, sem dúvida foi Lully o primeiro a criar verdadeiras aberturas dramáticas. Essas “Aberturas” à francesa que pouco a pouco invadiu os teatros da Europa era formada por uma parte lenta, seguindo-se a uma mais rápida – num estilo, muitas vezes, fugato – para se concluir numa última parte que é uma repetição abreviada de seu início. No entanto, seu desenvolvimento, na Itália, deu-se de forma muito distinta, seguindo um modelo VIVO – LENTO – VIVO, recheado de um profundo melodismo; melodismo este que fugia a quaisquer influências francesas.




***



Somente na segunda metade do século XIX surgiu um tipo muito novo de abertura operística que consistia em uma espécie de pout-pourri e a abertura alemão, à maneira de Ludwiving von Beethoven e Carl Maria von Weber, além de se prelundiar com a fanfarra monteverdiana, além de possuir um claríssimo conteúdo melódico refinada com uma das melhores orquestrações já ouvida neste tipo de composição – algo que só se poderia realizar pelas mãos hábeis de um grande músico.

Essa mistura de estilos já seria o suficiente para ilustrar o caráter inovador de sua obra, além de se utilizar de elementos da música negra, e de seus mais diferentes ritmos, e da figura indígena criada pelo romantismo de José de Alencar que, por mais europeizada que fosse – e devesse ser – representava, como nenhum outro símbolo, o nacionalismo brasileiro. Carlos Gomes iniciou sua carreira no italianismo para termina-la com um estilo muito próprio e com uma personalidade que o faria passar para a História da Música como um de seus maiores compositores... doa em quem doer.





Candeias, agosto/novembro de 2009





Aproveitem e ouçam a abertura d' O Guarani e a belíssima e popular modinha (mas que só poderia ter sido feita por um compositor erudito) Quem sabe?, pois, enquanto isso, em Brasília, é sempre 19:00h.



http://www.youtube.com/watch?v=seNrjXhTOBA


http://www.youtube.com/watch?v=TNlcdN-HvIU



quarta-feira, 11 de novembro de 2009

OUTRO POEMA SOBRE A BAHIA...


Mulheres na praia de Hector Carybé, aquarela sobre papel , 50 X 70cm, 1975.

CETTE MER QUI VIT DANS MON CŒUR...



Onde não existe o mar
meu coração não bate,
nem
onde o chão e o sol não se avistam,
ali, não haverá meus olhos,
nem mãos para enterrar meu corpo...

Lá, onde a natureza é uma canção distante,
minha alma de água clara e chão fecundo
perderá seu azul e a sua imensidão,
perderá suas sementes,
seus arados... colheitas...

Onde não existe o mar
meu coração não existe,
nem
existirá o chão em que meus passos habitam...
e
o que há em mim de mortal e simples
perderá seu infinito.





Feira de Santana, 15 de outubro de 2009.

E A AGENDA DE NOVEMBRO CONTINUA...



O evento contará com uma palestra de Heitor Brasileiro Filho, poeta e estudioso da obra sosigenesiana, também com uma performance teatral de José Delmo, que interpretará trechos do consagrado poema Iararana.


Oriundo de Belmonte, o poeta chegou a Ilhéus em 1926, onde escreveu a maior parte da sua obra. Nascido e falecido em novembro, Sosígenes Costa é um dos mais celebrados poetas grapiúnas e, segundo o poeta e crítico paulista José Paulo Paes, o maior poeta da Bahia depois de Castro Alves.


Em vida publicou um único livro, “Obra Poética”, pela Editora Leitura, em 1959, pelo qual recebeu o Prêmio Jabuti de Poesia, o mais importante do país. Esse livro, segundo Jorge Amado, teve os originais quase arrancados à força por ele e por James Amado, “lutando contra a obstinada decisão de ineditismo do homem tão orgulhoso e tímido que foi Sosígenes Costa”. Entre 1978 e 1979, por meio da editora Cultrix, e por iniciativa de José Paulo Paes, foram publicadas a segunda edição, revista e ampliada, de “Obra Poética” e o inédito “Iararana”. Já em 2001, via Conselho Estadual de Cultura da Bahia, fora publicada a sua “Poesia Completa”.


Há alguns estudos sobre sua obra, a saber: “Pavão, Parlenda, Paraíso”, 1978, de José Pulo Paes; “O poeta grego da Bahia”, 1996, de Gerana Damulakis; e “Travessia de Oásis – A Sensualidade na Poesia de Sosígenes Costa”, (2004), de Florisvaldo Mattos. O professor, jornalista e pesquisador, Gilfrancisco, ainda reuniu as crônicas que Sosígenes publicou na imprensa grapiúna e, em 2001, ano do Centenário de Sosígenes, as publicou com o apoio da Fundação Cultural de Ilhéus, com extensa memória sobre a Academia dos Rebeldes, grupo liderado por Pinheiro Viegas, em Salvador, e da qual fez parte juntamente com Jorge Amado. Sosígenes ainda fez parte da Academia de Letras de Ilhéus, como nos informa o poeta Heitor Brasileiro Filho, “impondo como condição sine qua non que não tivesse que fazer qualquer discurso quando da sua posse”. Em 2004, por conta de um consórcio entre as editoras da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana) e UESC (Universidade Estadual Santa Cruz), sob a organização de Cyro de Mattos e Aleilton Fonseca, publicou-se “O triunfo de Sosígenes Costa”, um compêndio contendo estudos, depoimentos e uma breve antologia poética.


A poesia de Sosígenes nos arrebata pela pungência dos seus versos, pela espiritualização da carne e pela carnalização do espírito. Nela, reflete-se viva a adequação ao simbolismo e ao modernismo, sem dúvida, partes efetivas e afetivas na formação desse poeta que, pela sensibilidade e originalidade, tornou-se, seguramente, um dos mais potentes poetas baianos de todos os tempos e um dos mais expressivos e populares poetas brasileiros do século XX.



Homenagem a Sosigenes Costa


Academia de Letras de Ilhéus


Dia 14 de Novembro, 19 horas





É com imenso prazer que convido a todos para:



SHOW TRILOGIA DO REGGAE com Dionorina, Jorge de Angélica & Gilsam.
DIA 14/11/09 às 20:00h., NO CUCA (Centro Universitário de Cultura e Arte) que fica na rua Conselheiro franco, s/n, Feira de Santana-BA.




A entrada é franca.
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TRIBUTO A NOEL ROSA na voz de Céliah Zaiin
Única apresentação no Cidade da Cultura
Rua H, nº 170, Conjunto João Paulo II, Feira de Santana-BA
Dia 27/11 Última sexta-feira do mês, às 22:00 h.
(Em homenagem ao Rádio Brasileiro)





terça-feira, 3 de novembro de 2009

ENCONTROS LITERÁRIOS NA ALB... SEMPRE IMPERDÍVEIS


VIDAS SECAS... DE GRACILIANO RAMOS


Graciliano Ramos (1892-1953)

Graciliano Ramos nasceu em Quebrângulo, Estado de Alagoas, em outubro de 1892. Mas seus estudos secundários foram realizados na capital deste estado, Maceió. Em 1914, sem curso universitário, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como revisor para o jornalismo local. Regressou ao seu Estado natal, fixando-se em Palmeira dos Índios, como comerciante. Enviuvou em 1920 ficando responsável pelos quatro filhos menores. Nessa época, trabalhava como jornalista e participava da vida política, chegando a prefeito da cidade em 1928, cargo a que renunciou em 1930.



Em 1933, quando publicou seu primeiro livro, Caetês, estava em Maceió como diretor da Imprensa Oficial do Estado. Na capital conheceu José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Jorge Amado. Graciliano dirigia também uma entidade: a Instrução Pública de Alagoas. Foi preso em março de 1936, acusado de ligação com o Partido Comunista. Prisão sem processo, mas que não evitou a deportação do acusado, num porão de navio, para o Rio, onde permaneceu encarcerado. Foi demitido do cargo de Diretor da Instrução Pública e levado a diversos presídios, até Janeiro de 1937, quando foi libertado. Dessa experiência, nasce a obra Memórias do cárcere, publicada em 1953, ano de sua morte. Em 1945, com o fim do Estado Novo, filiou-se ao Partido Comunista. Sete anos mais tarde, viajou pela antiga União Soviética e parte da Europa. Dessas andanças resultou o livro Viagem. O regresso ao Brasil coincidiu com o início de sua doença. No ano seguinte, 1953, morreu no Rio de Janeiro. Seu nome já era consagrado como o de maior romancista brasileiro depois de Machado de Assis.



A obra de Graciliano Ramos é a melhor representante da ficção produzida no Modernismo de 1930, e certamente um dos pontos altos de nossa literatura, em todos os tempos. Sua obra destaca-se por uma unidade muito bem estruturada e peculiar; essa unidade resulta da maneira como o escritor entende a vida e a arte. Quanto à concepção de arte, a crítica evidencia no estilo de Graciliano Ramos a ausência de sentimentalismo e a capacidade de síntese, ou seja, a habilidade de dizer o essencial em poucas palavras. A linguagem rigorosa, enxuta, resulta de um trabalho consciente.



Graciliano Ramos escrevia, de fato, muito lentamente, submetendo seus textos a várias revisões. Conta-se que jamais se sentia inteiramente satisfeito com o resultado final. Sua arte representa um desejo intenso de testemunhar sobre o homem e suas mais diversas lutas, como certa vez escreveu Antônio Cândido... mas, não apenas sobre o homem do seu tempo e de seu meio, mas sobre as angústias e dramas do homem de sempre, talvez seja isso a verdadeira essência do Regionalismo de 30.






VIDAS SECAS (1938)



Os abalos sofridos pelo povo brasileiro em torno dos acontecimentos da década de 1930 levaram a um novo estilo ficcional, notadamente muito mais maduro do que a de sua geração anterior, a qual se marcaria pela rudeza, por uma linguagem mais brasileira, por um enfoque direto dos fatos, por uma retomada do Realismo e, em partes, do Naturalismo, principalmente no plano da narrativa documental caracterizado pelo romance nordestino, grande liberdade temática, densidade, profundeza psicológica e rigor estilístico. Os romancistas de 30 caracterizavam-se por adotarem uma visão crítica das relações sociais, principalmente no que concerne ao Regionalismo – com maior destaque para o regionalismo nordestino – ressaltando o homem hostilizado pelo ambiente, pela terra, cidade, o homem devorado pelos problemas que o meio lhe impõe. Vidas secas é a história de uma família de retirantes, que paradoxalmente não chega a constituir propriamente uma história, mas uma coleção de relatos em separado e cronologicamente fragmentado. A dura andança, sob a implacabilidade da seca, de certa forma justifica a inutilidade da comunicação entre os membros da família, o fato de os filhos não apresentarem nome, as dificuldades lingüísticas do pai, Fabiano, a inquietação constante. E também justifica o sacrifício do papagaio, que ficamos, a saber, logo no início da narrativa, que tinha acompanhado a família, e que veio a se transformar em alimento providencial. Como se não bastassem tais infortúnios, Fabiano vem a ser preso pelo “soldado amarelo”, símbolo do autoritarismo local. Ao contrário de Fabiano, que se mostra matuto em tudo, sua mulher, Sinhá Vitória, apresenta sinais de ter vindo de um meio social menos duro. Baleia, a cachorra, consegue sentir e reagir com inteligência superior à média dos animais. Sua “humanização”, símbolo de um antropoformismo progressivo extremamente subjetivo e de fortes impressões sociais e psicológicas, acompanha a, também progressiva, “animalização” – a zoomorfização, resultante do embrutecimento causado pelo meio – dos membros da família. Fabiano tem de sacrificar a cachorra, por suspeitar que ela estivesse padecendo de raiva. Embora se revolte contra as contas do patrão, Fabiano tem de aceitá-las, para não perder o emprego. Seu reencontro com o soldado amarelo, depois, em plena caatinga, faz-lhe reconhecer, ao mesmo tempo, sua própria superioridade e extrema covardia. Acaba perdoando, ensinando ao soldado o caminho de volta. Mas seca, enfim, está chegando. As árvores se enchem de aves de arribação. Fabiano recomeça a analisar sua vida. Quem lhe dá animo é Sinhá Vitória. Os retirantes deixam a casa da fazenda e retomam o caminho de sempre. No pensamento de Fabiano brilha uma certa esperança, materializada pelas promessas de chegar ao sul do país. Mas a perspectiva que vem do narrador é a da contínua andança, sem definição e sem destino certo. A secura é a dominante em toda a narrativa: secas são não só as vidas das personagens e as paisagens que atravessam, mas também a linguagem do livro. As frases são curtas, lacônicas, o vocabulário é mínimo, a própria montagem da narrativa é esquelética, feita de quadros que se reduzem a si mesmos, sem se articular no desenho mais amplo de uma história, pois esta também parece faltar àqueles magros retirantes. Vidas Secas retrata fielmente a realidade brasileira, não só da época em que o livro foi escrito, mas, como nos dias de hoje, tais como injustiça social, miséria, fome, desigualdade, seca, o que nos remete a idéia de que o homem se animalizou sob condições sub-humanas de sobrevivência. É o único livro que Graciliano Ramos escreveu em terceira pessoa voltando-se para a realidade física e social do nordeste brasileiro o qual ele conhecia muito bem por lá ter nascido e vivido metade de sua vida. Os dramas por quais passam a família de Fabiano estão divididos em 13 capítulos como pequenos contos que são, ao mesmo tempo, independentes e correlacionados entre si.






MUDANÇA



Em meio à paisagem seca e hostil do semi-árido nordestino, quatro pessoas e uma cadelinha se arrastam numa peregrinação silenciosa. O menino mais velho, completamente esgotado por causa da infindável, deita-se no chão, incapaz de prosseguir jornada, o que irrita seu pai, Fabiano, que lhe dá estocadas com a faca no intuito de fazê-lo levantar-se – chegando ao ponto de pensar abandoná-lo em meio ao sertão escaldante. Compadecido, porém, da situação do pequeno, o pai toma-o nos braços e carrega-o, tornando a viagem ainda mais modorrenta. A cadela Baleia acompanha o grupo de humanos já sem a companhia do outro animal de estimação da família, um papagaio, que fora sacrificado um dia antes, a fim de aplacar a fome que se abatia sobre a família de Fabiano e Sinhá Vitória. Tentando aplacar o remorso de tê-lo matado, Sinhá Vitória afirma que a ave era um papagaio estranho, que pouco falava – certamente porque convivia com gente que também falava pouco. Errando por caminhos incertos, Fabiano e família encontram uma fazenda completamente abandonada. Surge a intenção de se fixar por ali. Baleia aparece com um preá entre os dentes, causando grande alegria aos seus donos. Ninguém passaria fome àquela noite, pois havia, agora, o que comer. Descendo ao bebedouro dos animais, em meio à lama, Fabiano consegue água. Há uma alegria em seu coração, novos ventos parecem soprar para a sua família. Pensa em Seu Tomás da bolandeira. Pensa na mulher e nos filhos. A inesperada caça é preparada, o que garante um rápido momento de felicidade ao grupo. No céu, já escuro, há uma nuvem que é, para o sertanejo, eterno sinal de esperança. Fabiano deseja estabelecer-se naquela fazenda. Será o dono dela. A vida melhorará para todos, assim pensa...






FABIANO



Em vão, Fabiano procura por uma raposa. Apesar do fracasso da empreitada, ele está satisfeito. Pensa na situação da família, errante, passando fome, quando da chegada àquela fazenda. Estavam bem agora. Fabiano se orgulha de vencer as dificuldades tal qual um bicho. Agora ele era um vaqueiro, apesar de não ter um lugar próprio para morar. A fazenda aparentemente abandonada tinha um dono, que logo aparecera e reclamara a posse do local. A solução foi ficar por ali mesmo, servindo ao patrão, tomando conta do local que outrora pesara ser seu. Na verdade, era uma situação triste, típica de quem não tem nada e vive errante. Sentiu-se novamente um animal, agora com uma conotação negativa. Pouco falava, admirava e tentava imitar a fala difícil das pessoas da cidade. Era, como, muitas vezes, afirmara, um bicho. Fabiano irrita-se com a curiosidade dos filhos: “para quê perguntar as coisas?” Comenta a respeito disso com Sinhá Vitória afirmando que essas coisas de pensamento não levam a nada e exemplifica recordando-se de seu Tomás da bolandeira que, apesar de admirado por Fabiano pelas suas palavras difíceis, acabara como todo mundo, errante e miserável pelo Sertão. As palavras, as idéias, seduziam e cansavam Fabiano. Pensou várias e várias vezes na brutalidade do patrão que vivia a tratá-lo como a um inútil. Pensou em Sinhá Vitória, e em seu desejo de possuir uma cama igual à de Seu Tomás da bolandeira, mas não poderiam ter esse luxo, cambembes que eram. Sentiu-se confuso. Era um forte ou um fraco, um homem ou um bicho? Sentia, por vezes, ímpeto de lutador e fraqueza de derrotado. Lembrando dos meninos, novamente, cheio de esperanças frágeis, Fabiano achou que, quando as coisas melhorassem, eles poderiam se dar ao luxo daquelas coisas de pensar. Por ora, importante era sobreviver. Enquanto as coisas não melhorassem, falaria com Sinhá Vitória sobre a educação dos pequenos...






CADEIA



Fabiano vai à feira para comprar mantimentos, querosene e um corte de chita vermelha. Injuriado com a qualidade do querosene e com o preço da chita, resolve beber um pouco de pinga na bodega de seu Inácio. Nisso, um soldado amarelo convida-o para um jogo de cartas. Os dois acabam perdendo, o que irrita o soldado, que provoca Fabiano quando esse está de partida. A idéia do jogo havia sido desastrosa. Perdera dinheiro, não levaria para casa o prometido. Fabiano, agora, pensava apenas em como enganar Sinhá Vitória, mas a dificuldade de engendrar um plano o atormentava. O soldado, provocador, encara o vaqueiro e barra-lhe a passagem. Pisa no pé de Fabiano que, tentando contornar a situação à sua maneira, agüenta os insultos até o possível, terminando por xingá-lo, a ele à sua mãe. Fabiano é empurrado, humilhado publicamente e posto atrás das grades como um marginal perigoso. No xadrez, pensa por que havia acontecido tudo aquilo com ele. Não fizera nada, se quisesse até bateria no mirrado amarelo, mas ficara quieto. Em meio a rudes indagações, enfureceu-se, acalmou-se, protestou inocência. Amolou-se com um bêbado e com prostituta que estavam em outra cela. Pensou na família; pensou que se não fosse Sinhá Vitória e as crianças, já teria feito uma besteira por ali mesmo. Quando deixaria que um soldadinho daqueles o humilhasse tanto? Arquitetou vinganças, gritou com os outros presos e, no meio de sua incompreensão com os fatos, sentiu a família como um peso a carregar...






SINHÁ VITÓRIA



Naquele dia, Sinhá Vitória amanhecera brava. À noite mal dormida na cama de varas que era o verdadeiro motivo de tamanha zanga. Falara pela manhã, mais uma vez, com Fabiano sobre a dificuldade de dormir naquela cama. Queria uma cama de lastro de couro, como a de Seu Tomás da bolandeira, como a de pessoas normais. Havia um ano que discutia com o marido a necessidade de uma cama decente e, em meio a uma briga por causa das extravagâncias de cada um, Sinhá Vitória certa vez ouviu Fabiano dizer-lhe que ela ficava ridícula naqueles sapatos de verniz, caminhando como um papagaio, trôpega, manca. A comparação machucou-a e, agora, ela se irritava com o ronco de Fabiano ao lembrar-se de suas palavras. Circulando pela casa, fazia suas tarefas em meio a reza e a atenção ao que acontecia lá fora. Por pensar ainda na cama e na comparação maldosa de Fabiano, quase esqueceu de pôr água na comida. Veio-lhe a lembrança do bebedouro em que só havia lama. O medo da seca pairou no ar como um fantasma que retorna para assombrá-la. Olhou de novo para seus pés e inevitavelmente achou Fabiano mau. Baleia que, ao notar sua angústia, e tentando acalmá-la com um carinho, acaba por levar um safanão tornando-se a válvula de escape para os sofrimentos de sua dona. Sinhá Vitória acaba por pensar no papagaio, sentindo grande pena dele. Lá fora, os meninos brincavam em meio à sujeira. Dentro de casa, Fabiano roncava forte, seguro, o que indicava a Sinhá Vitória que não deveria haver perigo algum por ali. A seca deveria estar longe. As coisas, agora, pareciam mais estáveis, apesar de toda a dificuldade. Lembrou-se de como haviam sofrido em suas andanças. Só faltava uma cama. No fundo, no fundo, até mesmo Fabiano queria uma nova...






O MENINO MAIS NOVO



Fabiano, armado como vaqueiro, domava a égua brava com o auxílio de Sinhá Vitória. O espetáculo grosseiro excitava o menor dos garotos enchendo-o de admiração e de idéias. Impressionado com a façanha do pai e disposto a fazer algo que também despertasse o respeito do irmão mais velho e da cachorra Baleia, acordou, no dia seguinte, disposto a imitar a façanha do pai. Esperou que as cabras fossem ao bebedouro, levadas pelo menino mais velho e por Baleia, então, o pequeno tomou o bode como alvo de sua ação. Sentia-se tão sagaz e altivo como Fabiano, quando montava. No bebedouro, o garoto despencou da ribanceira sobre o animal, que o repeliu com selvageria. Insistente, tentou se aprumar, mas foi sacudido impiedosamente, praticando um involuntário salto mortal que o deixou, tonto, estatelado ao chão. O irmão mais velho ria sem parar do ridículo espetáculo enquanto que a cachorra Baleia parecia desaprovar toda aquela loucura. Fatalmente seria repreendido pelos pais. Retirou-se humilhado, alimentando a raivosa certeza – acima de tudo, determinista – de que seria grande, usaria roupas de vaqueiro, fumaria cigarros e faria coisas que deixariam Baleia e o irmão admirados...






O MENINO MAIS VELHO



Aquela palavra tinha chamado a sua atenção: Inferno. Perguntou à Sinhá Vitória, vaga na resposta. Perguntou a Fabiano, que o ignorou. Na volta à Sinha Vitória, indagou se ela já tinha visto o Inferno. Levou um cascudo e fugiu indignado. Baleia fez-lhe companhia tentando alegrá-lo naquela hora difícil. Decidiu contar à cachorrinha uma história, mas o seu vocabulário era muito restrito, quase igual ao do papagaio que morrera na viagem. Só Baleia era sua amiga naquele momento. Por que tanta zanga com uma palavra tão bonita? A palavra Inferno parecia-lhe bonita, suave e extremamente sonora. A culpa era de Sinhá Terta que usara aquela palavra na véspera, maravilhando o ouvido atento do garoto mais velho. Olhou para o céu e sentiu-se melancólico. Como poderiam existir estrelas? Pensou novamente no Inferno. Deveria ser – sim! – um lugar muito ruim e mui perigoso, cheio de jararacas e pessoas levando cascudos e pancadas com a bainha da faca. Sempre intrigado, abraçou-se à Baleia como seu único refúgio...




INVERNO



Todos estavam reunidos em volta do fogo, procurando aplacar o frio causado pelo vento e pela água que se agitava fora da casa. Chegara o inverno, e isso reunia a família próxima à fogueira. Fabiano e sinhá Vitória conversavam ao seu modo – estranho e limitado –, e, os meninos, deitados, ficavam ouvindo as estórias inventadas por Fabiano, de feitos que, ele, jamais, teria realizado, aventuras nunca vividas. Quando o mais velho levantou-se por fim de buscar mais lenha, foi repreendido com severidade pelo pai que se aborrecera com interrupção de “suas narrativas épicas”. A chuva dava à família a certeza de que a seca não chegaria por enquanto. Isso alegrava Fabiano. Sinhá Vitória, porém, temia por uma inundação que os fizesse subir ao morro, novamente errantes. A água, lá fora, ampliava sua invasão. Fabiano empolgava-se mais ainda em contar suas façanhas. A chuva tinha vindo em boa hora. Após a humilhação na cidade, decidira que, com a chegada da seca, abandonaria a família e partiria para a vingança contra o soldado amarelo e todas as demais autoridades que lhe atravessassem o caminho, mas a chegada das chuvas interrompera-lhe aqueles planos sinistros. Em meio à narrativa empolgada, Fabiano imaginava que as coisas melhorariam a partir dali; quem sabe, Sinhá Vitória até pudesse ter a cama tão desejada. Para o filho mais novo, o escuro e as sombras geradas pela fogueira faziam da imagem do pai algo grotesco, exagerado. Para o mais velho, a alteração feita por Fabiano na história que contava era motivo de desconfiança. Algo não cheirava bem naquele enredo. Sempre pensativo, o menino mais velho dormiu pensando na falha do pai e nos sapos que estariam lá fora, no frio. Baleia, incomodada com a arenga de Fabiano, procurava sossego naquela paisagem interior. Queria dormir em paz, ouvindo o barulho de fora...






FESTA



Fabiano e toda a sua família vão à festa de Natal, na cidade. Todos vestidos com suas melhores roupas, num traje pouco comum às suas figuras, dando-lhes um ar ridiculamente cômico. A caminhada longa tornava-se ainda mais cansativa por causa daquelas roupas e sapatos apertados. O mal-estar era geral, até que Fabiano cansou-se da situação e tirou os sapatos, metendo as meias no bolso, livrando-se ainda do paletó e da gravata que o sufocava. Os demais membros da família também fizeram mesmíssima coisa, voltando, todos, ao seu “natural”. Baleia, por sua vez, também se juntara ao grupo. Chegando à cidade, foram todos lavar-se à beira de um riacho antes de se integrarem à festa. Sinhá Vitória carregava um guarda-chuva. Fabiano marchava teso. Os meninos maravilham-se, assustados, com tantas luzes e gente. A igreja, com as imagens nos altares, encantou-os mais ainda. Fabiano espremia-se no meio da multidão, sentindo-se cercado de inimigos, sentia-se mangado por aquelas pessoas que o viam em trajes estranhos à sua bruta feição. Ninguém, na cidade, lhe parecia bom, pois se lembrava da grande humilhação que lhe imposta pelo soldado amarelo quando estivera pela última em solo urbano. A família saiu da igreja e foi ver o carrossel e as barracas de jogos. Como Sinhá Vitória negou para Fabiano uma aposta no bozó; ofendido, afasta-se da família e foi beber pinga. Embriagando-se, foi ficando valente. Imaginava, com raiva, por onde andava o soldado amarelo. Queria esganá-lo. No meio da multidão, gritava, provocava um inimigo imaginário. Queria bater em alguém, poderia matar se fosse o caso. Vez ou outra, interrompia suas imprecações para uma confusa reflexão. Cansado do seu próprio teatro, Fabiano deitou no chão, fez das suas roupas um travesseiro e dormiu pesadamente. Sinhá Vitória, aflita, tinha que olhar os meninos, não podia deixar o marido naquele estado. Tomando coragem para realizar o que mais queria naquele momento, discretamente esgueirou-se para uma esquina e ali mesmo urinou e depois pitou num cachimbo de barro pensando numa cama igual à de seu Tomas da bolandeira. Os meninos também estavam aflitos. Baleia sumira na confusão de pessoas, e o medo de que ela se perdesse e não mais voltasse era grande. Para alívio dos pequenos, a cachorrinha surge de repente e acabando com a terrível angústia que sofriam. Os pequenos maravilhavam-se com tudo de novo que viam. O menor perguntou ao mais velho se tudo aquilo tinha sido feito por gente. A dúvida do maior era se todas aquelas coisas teriam nome. Como os homens poderiam guardar tantas palavras para nomear as coisas? Distante de tudo, Fabiano, roncava, sonhando com soldados amarelos...






BALEIA



Pêlos caídos, feridas na boca e inchaço nos beiços debilitaram Baleia de tal modo que Fabiano achou que ela estivesse com raiva. Resolveu sacrificá-la. Sinhá Vitória recolheu os meninos, desconfiados, a fim de evitar-lhes a cena. Baleia era considerada como um membro da família, por isso os meninos protestaram, tentando sair ao terreiro para impedir a atitude radical de seu pai. Sinhá Vitória lutava com os pequenos, porque aquilo era necessário, mas aos primeiros movimentos do marido para a execução, lamentou o fato de que ele não tivesse esperado mais para confirmar a doença da cachorrinha. Desconfiando das intenções de seu dono, Baleia procura fugir, mas Fabiano acerta-lhe o primeiro tiro, que pegou no traseiro da cachorra, inutilizou-lhe uma de suas pernas. As crianças começaram a chorar desesperadamente. Baleia sentia o fim próximo, tentava esconder-se e até desejou morder Fabiano. Um nevoeiro turvava a visão da cachorrinha, havia um cheiro bom de preás. Em meio à agonia, tinha raiva de Fabiano, mas também o via como o companheiro de muito tempo. A vigilância às cabras, Fabiano, Sinhá Vitória e as crianças surgiam à Baleia em meio a uma inundação de preás que invadiam a cozinha. Dores e arrepios. Sono. A morte estava chegando para Baleia.






CONTAS



Fabiano retirava para si parte do que rendiam os cabritos e os bezerros. Na hora de fazer o acerto de contas com o patrão, nunca conseguia esconder a insatisfação, muito menos a sensação de que havia sido enganado. Com a produção escassa, endividara-se. Naquele dia, mais uma vez, Fabiano pedira a Sinhá Vitória para que ela fizesse as contas. O patrão, novamente, mostrou-lhe outros números. Os juros causavam a diferença, explicava o outro. Fabiano reclamou, havia engano, sim senhor, e aí foi o patrão quem não gostou. Se ele desconfiava, que fosse procurar outro emprego, disse-lhe. Submisso, Fabiano pediu desculpas e saiu arrasado, pensando mesmo que Sinhá Vitória era quem errara. Na rua, voltou-lhe a raiva. Lembrou-se do dia em que fora vender um porco na cidade e o fiscal da prefeitura exigira o pagamento do imposto sobre a venda. Fabiano desconversou e disse que não iria mais vender o animal. Foi a uma outra rua negociar e, pego em flagrante, decidiu nunca mais criar porcos. Pensou na dificuldade de sua vida. Bom seria se pudesse largar aquela exploração. Mas não podia! Seu destino era trabalhar para os outros, assim como fora com seu pai e seu avô. As notas em sua mão impressionavam-no. A idéia de juros era, para ele, uma palavra difícil que os homens usavam quando queriam enganar os outros. Contou e recontou o dinheiro com raiva de todas aquelas pessoas da cidade. Pesou que Sinhá Vitória é que entendia seus pensamentos. Teve vontade de entrar na bodega de seu Inácio e tomar uma pinga. Lembrou-se da humilhação passada ali mesmo e decidiu ir para casa. O céu, várias estrelas. Deixou de lado a lembrança dos inimigos e pensou na família. Sentiu dó da cachorra Baleia. Ela era um membro da família.






O SOLDADO AMARELO



Procurando uma égua fugida, Fabiano meteu-se por uma vereda e teve o cabresto embaraçado na vegetação local. Facão em punho, começou a cortar as quipás e palmatórias que impediam o prosseguimento da busca. Nesse momento, depara-se com o soldado amarelo, o mesmo que o humilhara há um ano. O cruzar de olhos e o reconhecimento durou fração de segundos. O suficiente para que Fabiano esfolasse o inimigo. O soldado claramente tremia de medo. Também reconhecera o desafeto antigo e pressentia o perigo. Fabiano irritou-se com a cena. O outro era um nadica. Poderia matá-lo com as mãos, sem armas, se quisesse. A fragilidade do outro aos poucos foi aplacando a raiva de Fabiano. Ponderou que ele mesmo poderia ter evitado a noite na cadeia se não tivesse xingado a mãe do amarelo. No meio daquela paisagem isolada e hostil, só os dois, e se ele pedisse passagem ao soldado? Aproximou-se do outro pensando que já tinha sido mais valente, mais ousado. Na verdade, na fração de segundo interminável Fabiano ia descobrindo-se amedrontado. Se ele era um homem de bem, para que arruinar a sua vida matando uma autoridade? Guardaria forças para inimigo maior. Sentindo o inimigo acovardado, o soldado ganhou força. Avançou firme e perguntou o caminho. Fabiano tirou o chapéu numa reverência e ainda ensinou o caminho ao amarelo.






O MUNDO COBERTO DE PENAS



A invasão daquele bando de aves denunciava a chegada da seca. Roubavam a água do gado, matariam bois e cabras. Sinhá Vitória inquietou-se. Fabiano quis ignorar, mas não pôde; a mulher tinha razão. Caminhou até o bebedouro, onde as aves confirmavam o anúncio da seca. Eram muitas. Um tiro de espingarda eliminou cinco, seis delas, mas eram muitas. Fabiano tinha certeza, agora, de uma nova peregrinação, uma nova fuga. Era só desgraça atrás de desgraça. Sempre fugido, sempre pequeno. Fabiano não se conformava, pensava com raiva no soldado amarelo, achava-se um covarde, um fraco. Irado, matou mais e mais aves. Serviriam de comida, mas até quando ? Quem sabe a seca não chegasse... Era sempre uma esperança. Mas o céu escuro de arribações só confirmava a triste situação. Elas cobriam o mundo de penas, matando o gado, tocando a ele e à família dali, quem sabe comendo-os. Recolheu os cadáveres das aves e sentiu uma confusão de imagens em sua cabeça. Aquele lugar não era bom de se viver. Lembrou-se de Baleia, tentou se convencer de que não fizera errado em matá-la, pensou de novo na família e no que as arribações representavam. Sim, era necessário ir embora daquele lugar maldito. Sinha Vitória era inteligente, saberia entender a urgência dos fatos.






FUGA



O céu muito azul, as últimas arribações e os animais em estado de miséria indicavam a Fabiano que a permanência naquela fazenda estava esgotada. Chegou um ponto em que, dos animais, só sobrou um bezerro, que foi morto para servir de comida na viagem que se faria no dia seguinte. Partiram de madrugada, abandonando tudo como encontraram. O caminho era o do sul. O grupo era o mesmo que errava como das outras vezes. Fabiano, no fundo, não queria partir, mas as circunstâncias convenciam-no da necessidade. A vermelhidão do céu, o azul que viria depois assustavam Fabiano. Baleia era uma imagem constante em seus confusos pensamentos. Sinhá Vitória também fraquejava. Queria, precisava falar. Aproximou-se do marido e disse coisas desconexas, que foram respondidas no mesmo nível de atrapalhação. Na verdade, ele gostou que ela tivesse puxado conversa. Ela tentou animar o marido, quem sabe a vida fosse melhor, longe dali, com uma nova ocupação para ele. Marido e mulher elogiam-se mutuamente; ele é forte, agüenta caminhar léguas, ela, tem pernas grossas e nádegas volumosas, agüenta também. A cidade, talvez, fosse melhor. Até uma cama poderiam arranjar. Por que haveriam de viver sempre como bichos fugidos? Os meninos, longe, despertavam especulações ao casal. O que seriam quando crescessem? Sinhá Vitória não queria que fossem vaqueiros. O cansaço ia chegando à medida que avançava a caminhada, e assim houve uma parada para descanso. Novamente marido e mulher conversavam, fazendo planos, temendo o mau agouro das aves que voavam no céu. Sinhá Vitória acordou os pequenos, que dormiam, e seguiu-se viagem. Fabiano ainda admirou a vitalidade da mulher. Era forte mesmo! Assim, a cada passo arrastado do grupo um mundo de novas perspectivas ia sendo criado. Sinhá Vitória falava e estimulava Fabiano. Sim, deveria haver uma nova terra, cheia de oportunidades, distante do sertão a formar homens brutos e fortes como eles.









PROSOPOPÉIA DETERMINISTA



Único romance escrito em terceira pessoa por Graciliano Ramos – como já foi dito anteriormente –, Vidas Secas, concentra-se nos dramas sociais, políticos e histórico-geográficos do Nordeste Brasileiro, no seu povo amargurado e sofrido, mas também forte, destemido e esperançoso – apesar de todas as dificuldades que este tem encontrado ao longo da história do Brasil. Este quadro social que expressa com crueza de detalhes a miséria provocada pela seca, encontra perfeita personificação na família de um vaqueiro do sertão alagoano (Fabiano), composta por ele, sua esposa (Sinhá Vitória), seus dois filhos (o menino mais velho e o menino mais novo) e uma cachorrinha (Baleia), que após uma longa jornada pela paisagem calcinada da Caatinga, chegam a uma fazenda supostamente abandonada; com a volta do dono à propriedade, Fabiano, então, passa a servi-lo. Vários incidentes revelam os mais diversos dramas pessoais de cada um dos cinco personagens, até que sobrevém um novo período de estiada e a família retorna à trágica caminhada tão comum aos milhares de retirantes que vagam do Nordeste para outras partes do Brasil, porém, desta vez, há uma pequena possibilidade de reconstruírem suas vidas no Sul do País.



No romance, a paisagem seca e inóspita do Sertão funciona como metáforas para a dura vida dos que, nela, habitam. O homem sertanejo é igualmente seco e embrutecido, como a própria caatinga; ele é o reflexo do determinismo imposto pela paisagem; ele absorve as suas características tanto em seus aspectos físicos quanto psicológicos. Fabiano é o exemplo vivo desta prosopopéia determinista: seu rosto é queimado pelo sol, enquanto que seus pés são rachados pelo calor – como o leito seco dos rios, sorvidos pela seca –, tem olhos azuis como o céu límpido dos dias de intenso calor e seus cabelos é vermelhado com os raios do sol. Seu comportamento, sua linguagem e seus conhecimentos são áridos como o solo sertanejo. O aspecto de Fabiano, deixe-o bem registrado, é um aspecto incomum aos tipos marginalizados mais comuns da Literatura Brasileira: ele é ariano; seus olhos azuis e sua pele clara mostram que ele pertence a uma raça dita superior – levando, em questão, as muitas teorias racistas difundidas durante o período da Segunda Guerra –, mas é minguado e paupérrimo, como para demonstrar que a miséria iguala a todos. A seca também se apresenta ciclicamente: o livro começa com a família de Fabiano em retirada e termina da mesma maneira; Fabiano, Sinhá Vitória e seus Filhos – Baleia já não mais existe –, não serão nem os primeiros nem os últimos retirantes, reais ou fictícios, a fugiram da seca.



Dando continuidade a idéia de uma releitura determinista inclusa em Vidas Secas, encontramos um Fabiano sempre preso às condições sócio-culturais de seu povo; ao longo da narrativa, percebemos em Fabiano um forte sentimento de continuidade: ele é vaqueiro, por que seu pai foi vaqueiro e certamente seus filhos serão vaqueiros também, sempre a servir àqueles que lhe são, segundo ele próprio, superiores, obedecer – sem questionar –, e sofrer; por mais que se sinta injustiçado, Fabiano não consegue libertar-se deste magnetismo maléfico que o prende ao sertão e suas duras e injustas condições de vida. Neste sentido, Graciliano Ramos traça um longo perfil social e psicológico do homem sertanejo, atormentado dias após dia pelo medo da seca e revoltado antes as injustiças da sociedade que faz com que ele, ao longo de sua existência, perca as características mais elementares de sua condição humana (como no início do romance, quando Graciliano nos dá uma amostra da mais completa incomunicabilidade entre os membros da família ao descrever a suposta mudez do já falecido papagaio, ou da total degradação das condições humanas na comunicação gutural de Sinhá Vitória; também não podemos esquecer o prazer que sentia Fabiano, totalmente à vontade entre os animais como se estes fossem seus verdadeiros semelhantes) e, vendo-se sem lar, sem educação, perspectiva de futuro ou dignidade, animalize-se cada vez mais adequando sua vida à rústica essência da Caatinga, tornando-se exemplo de uma zoomorfização que, diferente àquela aplicada pelos naturalistas em fins do século XIX, atinge-o, também, de maneira subjetiva.



Dando continuidade ao determinismo que lhe envolve e ao fatalismo que sempre o atormenta pelo velho e sempre presente fantasma da seca, Fabiano demonstra, constantemente, uma forte admiração pela linguagem culta (pela “fala bonita”) dos homens urbanos ou instruídos, admiração que é muito mais um sinal de sua submissão do que de contemplação – ele próprio tenta, em vão, imitar a “boniteza” desta fala, antes de perceber a sua inutilidade e perigo. Aos poucos, percebe que seus filhos vão se tornando mais curiosos e criando idéias, o que, para ele, é algo imprestável e malévolo e tenta ensinar-lhes o manejo do gado e da terra fazendo-os procurar novilhas e raposas e respondendo suas perguntas com violenta rispidez. A sua “pedagogia” parece influenciar o menino mais novo, que, num ato entusiasmado, procura igualar-se ao pai – o que parece ser o seu grande ideal –, montando em um bode que lhe derruba, em seguida. Já o menino mais velho não parece, diferentemente ao irmão, interessado em seguir os passos determinantes impostos pelo pai; seus ideais são bem diferentes, ele busca, curiosamente, a compreensão das coisas, o saber e o amor de seus pais; mas é violência, desprezo e ignorância que ele recebe de Fabiano. Também Sinhá Vitória mostra-se indiferente as idéias de Fabiano, ela não parece concordar nem aceitar as duras condições às quais é submetida; embora pequeno, seu sonho de ter uma cama igual à de Seu Tomás da bolandeira concretiza este desejo de uma vida diferente e melhor. O grande antagonismo desta situação está na figura da cachorra Baleia: ela é antropoformizada, ela pensa e sente como um ser humano e que, além de tudo, tem consciência da vida e da morte; é ela o membro da família que demonstra a maior quantidade de entendimentos e emoções chegando até a censurar seu dono por suas atitudes impensadas. Evidencia-se, portanto, a profunda integração entre os homens, os animais e a natureza que parte diretamente de um exame minucioso da cultura sertaneja. O sertanejo, submetido a um sofrimento secular, reagindo a reflexos condicionados, aceitando sua miséria e exploração, permite-se obrigar à condições subumanas que destroem sua educação reduzindo seu pensamento e sua linguagem à guturalidade; eis o verdadeiro significado destas vidas secas.



Graciliano Ramos, neste romance, elabora um inteligentíssimo protesto contra a desumanização do homem sertanejo em sua batalha histórica contra as forças político-sociais que o oprimem. Nada resta ao homem do Sertão a não ser lutar contra o seu próprio e fatal destino. O sertanejo continua como um símbolo de força e perseverança, como antes o foi com Os Sertões, de Euclides da Cunha. Graciliano Ramos, desta maneira, dá continuidade a um aspecto essencial do romance de 30 que é o de ser um mecanismo de denuncia do descaso que se abate sobre o povo pobre do Brasil e, em seu caso, o povo sertanejo.






VIDAS SECAS – ANTOLOGIA:


MUDANÇA




Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da caatinga rala.



Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.



Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.



– Anda condenado do diabo, gritou-lhe o pai.



Não obtendo resultado fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu umas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isso não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo.



A caatinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas. O vôo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.



– Anda, excomungado.



O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário – e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.




Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés.




Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a idéia de abandonar o filho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a barba ruiva e suja, irresoluto, examinou os arredores.




Sinhá Vitória esticou o beiço indicando vagamente uma direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu a faca na bainha, guardou-a no cinturão, acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados ao estômago, frio como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano teve pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato. Entregou a espingarda a Sinhá Vitória, pôs o filho no cangote, levantou-se, agarrou os bracinhos que lhe caíam sobre o peito, moles, finos como cambitos. Sinhá Vitória aprovou esse arranjo, lançou de novo a interjeição gutural, designou os juazeiros invisíveis.



E a viagem prosseguiu, mais lenta, mais arrastada, num silêncio grande.

Ausente do companheiro, a cachorra Baleia tomou a frente do grupo. Arqueada, as costelas à mostra, corria ofegando, a língua fora da boca. E de quando em quando se detinha, esperando as pessoas, que se retardavam.



Ainda na véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado, morrera na areia do rio onde haviam descansado, à beira de uma poça: a fome apertara demais os retirantes e por ali não existia sinal de comida. Baleia jantara os pés, a cabeça, os ossos do amigo, e não guardava lembrança disto. Agora, enquanto parava, dirigia as pupilas brilhantes aos objetos familiares, estranhava não ver sobre o baú de folhas a gaiola pequena onde a ave se equilibrava mal. Fabiano, às vezes, também sentia falta dela, mas logo a recordação chegava. Tinha andado a procurar raízes, à toa: o resto da farinha acabara, não se ouvia um berro de rês perdida na caatinga. Sinhá Vitória queimando o assento no chão, as mãos cruzadas segurando os joelhos ossudos, pensava em acontecimentos antigos que não se relacionavam: festas de casamento, vaquejadas, novenas, tudo numa confusão. Despertara-a um grito áspero, vira de perto a realidade e o papagaio, que andava furioso, com os pés apalhetados, numa atitude ridícula. Resolveram de supetão aproveitá-lo como alimento e justificara-se declarando a si mesma que ele era mudo e inútil. Não podia deixar de ser mudo. Ordinariamente a família falava pouco. E depois daquele desastre viviam todos calados, raramente soltavam palavras curtas. O louro aboiava, tangendo um gado inexistente, e latia arremedando a cachorra.



As manchas dos juazeiros tornaram a aparecer, Fabiano aligeirou o passo, esqueceu a fome, a canseira e os ferimentos. As alpercatas dele estavam gastas nos saltos, e a embira tinha-lhe aberto entre os dedos rachaduras muito dolorosas. Os calcanhares, duros como cascos, gretavam-se e sangravam.



Num cotovelo do caminho avistou um canto de cerca, encheu o a esperança de achar comida, sentiu desejo de cantar. A voz saiu-lhe rouca, medonha. Calou-se para não estragar força.



Deixaram a margem do rio, acompanharam a cerca, subiram uma ladeira, chegaram aos juazeiros. Fazia tempo que não viam sombra.



Sinhá Vitória acomodou os filhos, que arriaram como trouxas, cobriu-os com molambos. O menino mais velho, passada à vertigem que o derrubara, encolhido sobre folhas secas, a cabeça encostada a uma raiz, adormecia, acordava. E quando abria os olhos, distinguia vagamente um monte próximo, algumas pedras, um carro de bois. A cachorra Baleia foi enroscar-se junto dele.



Estavam no pátio de uma fazenda sem vida. O curral deserto, a casa do vaqueiro fechada, tudo anunciava abandono. Certamente o gado se findara e os moradores tinham fugido.



Fabiano procurou em vão perceber um toque de chocalho. Avizinhou-se da casa, bateu, tentou forçar a porta. Encontrando resistência, penetrou num cercadinho cheio de plantas mortas, rodeou a tapera, alcançou o terreiro do fundo, viu um barreiro vazio, um bosque de catingueiras murchas, um pé de turco e o prolongamento da cerca do curral. Trepou-se no mourão do canto, examinou a caatinga, onde avultavam as ossadas e o negrume dos urubus. Desceu, empurrou a porta da cozinha. Voltou desanimado, ficou um instante no copiar, fazendo tenção de hospedar ali a família. Mas, chegando aos juazeiros, encontrou os meninos adormecidos e não quis acordá-los. Foi apanhar gravetos, trouxe do chiqueiro das cabras uma braçada de madeira meio roída pelo cupim, arrancou touceiras de macambira, arrumou tudo para a fogueira.Nesse ponto Baleia arrebitou as orelhas, arregaçou as ventas, sentiu cheiro de preás, farejou um minuto, localizou-os no morro próximo e saiu correndo.



Fabiano seguiu-a com a vista e espantou-se uma sombra passava por cima do monte. Tocou o braço da mulher, apontou o céu, ficaram os dois algum tempo agüentando a claridade do sol. Enxugaram as lagrimas, foram agachar-se perto dos filhos, suspirando, conservaram-se encolhidos, temendo que a nuvem se tivesse desfeito, vencida pelo azul terrivel, aquele azul que deslumbrava e endoidecia a gente.



Entrava dia e saia dia. As noites cobriam a terra de chofre. A tampa anilada baixava, escurecia, quebrada apenas pelas vermelhidões do poente.



Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores. O coração de Fabiano bateu junto do coração de Sinhá Vitória, um abraço cansado aproximou os farrapos que os cobriam. Resistiram a fraqueza, afastaram-se envergonhados, sem ânimo de afrontar de novo a luz dura, receosos de perder a esperança que os alentava.



Iam-se amodorrando e foram despertados por Baleia, que trazia nos dentes um preá. Levantaram-se todos gritando. O menino mais velho esfregou as pálpebras, afastando pedaços de sonho. Sinhá Vitória beijava o focinho de Baleia, e como o focinho estava ensangüentado, lambia o sangue e tirava proveito do beijo.



Aquilo era caca bem mesquinha, mas adiaria a morte do grupo. E Fabiano queria viver. Olhou o céu com resolução. A nuvem tinha crescido, agora cobria o morro inteiro. Fabiano pisou com segurança, esquecendo as rachaduras que lhe estragavam os dedos e os calcanhares.



Sinhá Vitória remexeu no baú, os meninos foram quebrar uma haste de alecrim para fazer um espeto. Baleia, o ouvido atento, o traseiro em repouso e as pernas da frente erguidas, vigiava, aguardando a parte que lhe iria tocar, provavelmente os ossos do bicho e talvez o couro.



Fabiano tomou a cuia, desceu a ladeira, encaminhou-se ao rio seco, achou no bebedouro dos animais um pouco de lama. Cavou a areia com as unhas, esperou que a água marejasse e, debruçando-se no chão, bebeu muito. Saciado, caiu de papo para cima, olhando as estrelas, que vinham nascendo. Uma, duas, três, quatro, havia muitas estrelas, havia mais de cinco estrelas no céu. O poente cobria-se de cirros e uma alegria doida enchia o coração de Fabiano.



Pensou na família, sentiu fome. Caminhando, movia-se como uma coisa, para bem dizer não se diferenciava muito da bolandeira de seu Tomás. Agora, deitado, apertava a barriga e batia os dentes. Que fim teria levado a bolandeira de seu Tomas?



Olhou o céu de novo. Os cirros acumulavam-se, a lua surgiu, grande e branca. Certamente ia chover.



Seu Tomás fugira também, com a seca, a bolandeira estava parada. E ele, Fabiano, era como a bolandeira. Não sabia porque, mas era. Uma, duas, três, havia mais de cinco estrelas no céu. A lua estava cercada de um halo cor de leite. Ia chover. Bem. A catinga ressuscitaria, a semente do gado voltaria ao curral, ele, Fabiano, seria o vaqueiro daquela fazenda morta. Chocalhos de badalos de ossos animariam a solidão. Os meninos, gordos, vermelhos, brincariam no chiqueiro das cabras, Sinhá Vitória vestiria saias de ramagens vistosas. As vacas povoariam o curral. E a caatinga ficaria toda verde.



Lembrou-se dos filhos, da mulher e da cachorra, que estavam lá em cima, debaixo de um juazeiro, com sede. Lembrou-se do preá morto. Encheu a cuia, ergueu-se, afastou-se, lento, para não derramar a água salobra. Subiu a ladeira. A aragem morna acudia os xiquexiques e os mandacarus. Uma palpitação nova. Sentiu um arrepio na catinga, uma ressurreição de garranchos e folhas secas.



Chegou. Pos a cuia no chão, escorou-a com pedras, matou a sede da família. Em seguida acocorou-se, remexeu o aió, tirou o fuzil, acendeu as raízes de macambira, soprou-as, inchando as bochechas cavadas. Uma labareda tremeu, elevou-se, tingiu-lhe o rosto queimado, a barba ruiva, os olhos azuis. Minutos depois o preá torcia-se e chiava no espeto de alecrim.



Eram todos felizes. Sinhá Vitória vestiria uma saia larga de ramagens. A cara murcha de Sinhá Vitória remoçaria, as nádegas bambas de Sinhá Vitória engrossariam, a roupa encarnada de Sinhá Vitória provocaria a inveja das outras caboclas.



A lua crescia, a sombra leitosa crescia, as estrelas foram esmorecendo naquela brancura que enchia a noite. Uma, duas, três, agora havia poucas estrelas no céu. Ali perto a nuvem escurecia o morro.



A fazenda renasceria - e ele, Fabiano, seria o vaqueiro, para bem dizer seria dono daquele mundo. Os trocos minguados ajuntavam-se no chão: a espingarda de pederneira, o aió, a cuia de água o baú de folha pintada. A fogueira estalava. O preá chiava em cima das brasas.Uma ressurreição. As cores da saúde voltariam a cara triste de Sinhá Vitória. Os meninos se espojariam na terra fofa do chiqueiro das cabras. Chocalhos tilintariam pelos arredores. A catinga ficaria verde.



Baleia agitava o rabo, olhando as brasas. E como não podia ocupar-se daquelas coisas, esperava com paciência a hora de mastigar os ossos. Depois iria dormir.



( RAMOS, Graciliano. Vidas secas – 87ª Ed. – Rio,São Paulo: Record, 2002, p. 9-16. )